23 DE JUNHO DE 1971 2121
pela instabilidade governativa que gerava, os partidos a dominarem o executivo manietado e submetido aos seus interesses e objectivos. Por tal modo, que as forças armadas, interpretando a vontade da Nação, sem sangue, através do chamado Movimento do 28 de Maio de 1926 - infelizmente já pouco lembrado -, instauraram um governo de ditadura militar, que suspendeu a Constituição de 1911, consequentemente o Parlamento. E assim, durante sete anos, se arrumou a Casa, findos os quais o Pais pôde regressar à legalidade constitucional com a Constituição de 1933, democraticamente «provada em plebiscito nacional, e que ainda se encontra em vigor, com as «Iterações que sucessiva e constitucionalmente lhe foram introduzidas através do órgão representado da vontade nacional e agora sujeita pela mesma via a novo processo de revisão, num esforço de actualização reconhecida como conveniente, embora sob o domínio de uma ideia fundamental: «A estrutura política da Constituição de 1933 deve ser mantida», pois, com a proposta de alteração em análise, «o Governo não pretendeu senão corresponder a aspirações nacionais, atendendo a necessidades novas ou indo ao encontro de expressões de necessidades antigas a que os tempos vão dando novos matizes, novo estilo ou novo vigor, na plena consciência das responsabilidades que lhe cabem». Aliás, dificilmente poderia tão perfeitamente coincidir o princípio da revisão, assinalado no artigo 176.º da Constituição, com a evidente necessidade de actualização e ajustamento requeridos por uma política de movimento e revitalizarão do Regime, a que, logo de início, Marcelo Caetano definira o rumo como sendo de evolução na continuidade, quanto a mim na mais perfeita síntese do programa de acção que melhor servia o interesse nacional.
De facto, não usados na legislatura passada os poderes constituintes que lhe cabiam, transitados estes para a presente, foi a iniciativa da lei de revisão aproveitada pelo Governo, numa atitude perfeitamente consentânea com os propósitos anunciados, os quais, dentro do espírito de maior liberalização adoptado, se, por um lado, aconselhavam a manutenção da estrutura da Constituição de 1933, pelo outro, lhe impunham um dever de estar atento e precavido contra os assaltos da subversão, isto é, «apetrechado com os poderes necessários para lhe fazer face onde quer que, de uma maneira ou de outra, ela se manifeste».
Isto o que fundamentalmente se quis e se propõe na proposta de revisão constitucional em apreciação, indubitavelmente toda ela impregnada de uma salutar preocupação de corresponder a anseios e necessidades nacionais justificadoras do recurso ao dispositivo que a permitiu. Identificado embora com tais propósitos, não me dispensei de usar da prerrogativa conferida pelo § 2.º do artigo 176.º da Constituição, subscrevendo, com outros Srs. Deputados, um projecto-lei em que se consignam algumas alterações julgadas oportunas e que em nada contendem com a essência da proposta na sua tramitação política, nem mesmo, e sobretudo, com a de maior valia para mim respeitante ao espírito inspirador da preconizada invocação do nome de Deus no preâmbulo da lei fundamental, aspecto que muito naturalmente me impõe por aqui começar a minha meditação. Se o puder conseguir, como quem fala de novo sobre problema velho, e de tal modo absorvido que talvez me suceda ser levado a descurar o trato de outros problemas que mais apaixonadamente têm preocupado as atenções de outros sectores desta Câmara.
Neste pendor, começarei por afirmar que, para mim, a invocação do Santo Nome de Deus no preâmbulo da nossa lei fundamental não resulta de qualquer predilecção mística, pois, por mais estranho que pareça a alguns, embora homem de fé, de obediência católica, razões políticas simultaneamente me orientam, estas derivadas de uma obrigação de darmos satisfação ao que se tem mostrado ser uma aspiração nacional. De facto, numa Nação de crentes - repare-se que falo apenas de crentes -, a discussão na sua Assembleia representativa do instrumento jurídico-político que consubstanciará a sua lei fundamental, põe, no meu entender, desde logo o problema da legitimidade do exercício do poder, para além do efémero da presença do homem na terra, no plano mais alto da sua derivação como ser, criatura de Deus, Senhor de todas as coisas, inspirador e julgador dos homens, governantes ou governados, todos de emanação Sua, que lhes predestinou os caminhos e marcou os rumos. Isto, independentemente da expressão religiosa da sua fé, católicos ou não, todos voltados para Ele. Insisto, independentemente da expressão religiosa da sua fé.
Mas digo legitimidade do exercício do poder, porque, tal como o concebo, o não julgo legítimo senão quando é exercido em obediência ao superior ordenamento divino de que brotou a consciência moral reguladora da conduta humana, fonte do direito normativo de convivência social, porque anterior ao Estado e à ordem jurídica por ele criada numa incontestável aceitação da origem sobrenatural do poder emanado de Deus - omnia potestas a Deo, como já dizia S. Paulo-, e só reconhecido e aceite pelos homens quando inspirado nos princípios humanitários pregados por Cristo na terra e defendidos mesmo por aqueles que O negam como Filho de Deus.
Pode haver quem discorde do ponto de vista exposto; porém, como nele estou muito bem acompanhado, não me impressiona o facto. Estou a lembrar-me, muito a propósito, do insigne mestre de Direito que foi Mário de Figueiredo, presidente desta Assembleia e seu leader também, quando, na discussão sobre o mesmo assunto havida em 1059, propôs, na Assembleia Constituinte de então, uma moção, que foi votada, em que se afirma «o profundo respeito por tudo quanto Deus representa como fonte e origem do poder, fundamento da moral e da justiça nas relações humanas».
Fonte e origem do poder, fundamento da moral e da justiça!
Certo. Certíssimo, Sr. Presidente.
Assim posta a questão, não tenho podido descortinar como numa nação como a nossa possa levantar problemas a inserção do nome de Deus na sua Constituição, que tantíssimas exibem, especialmente tal como se propugna, apenas como quem se persigna na invocação do patrocínio divino em missão de tanta responsabilidade, comprometido como se encontra nela o próprio homem e os seus direitos fundamentais, o homem que é criação Sua e Sua encarnação viva. Será por isso que, assim expresso o meu pensamento, me recuso a aceitar discutir Deus, tanto como não discuto a família de instituição sua, a não ser para afirmar Aquele e defender esta na indissolubilidade dos laços que homogenizam as pátrias, igualmente indiscutíveis, tudo a formar a sagrada trilogia sob cujo impulso dilatámos fronteiras e assegurámos soberanias, cruz à frente ostentando uma fé e identificando um povo de guerreiros, heróis e santos.
Não. Não iremos discutir Deus nem deixar de exteriorizar o Seu nome, invocatório de um patrocínio que todos desejamos em momento tão responsável. Poderemos aceitar discutir o lugar da Sua entronização, nunca o Seu reconhecimento expresso como fundamento da moral e da justiça que formam a substância das leis dos homens.