15 DE DEZEMBRO DE 1971 2925
o território nacional — metrópole e outras províncias —, pois que o desequilíbrio, este, não se verifica com o estrangeiro, mas sim com territórios nacionais, dentro do mesmo país, portanto. E, embora isso nem sempre seja assim entendido em certos meios nacionais, assim o entendem as gentes do ultramar, a quem, com verdade, afirma o Prof. Marcelo Caetano: «Esse pensamento não o tem a gente do ultramar, que sabe muito bem o que é e o que significa essa autonomia.»
Há quem, menos informado, e de um modo geral grande parte da população, até certa altura da nossa vida, julgue que todo o progresso de que o ultramar vem beneficiando nos últimos dois anos é a resultante dos sacrifícios feitos por uma outra parte do País.
As gentes que vivem no ultramar não esquecem, certamente, o sacrifício que a metrópole por elas tem feito. Essa série valorosa de moços a quem Angola tanto deve, a muitos a sua própria vida, a outros o viver desconfortável que só por si representa o afastarem-se dos seus; os transtornos da sua vida escolar, da sua vida profissional a iniciar-se; mas fica-nos a nós a consoladora certeza de que, ao regressarem, trarão na sua bagagem um somatório de conhecimentos sómente possíveis de adquirir numa experiência vivida, um espírito mais aberto à iniciativa, ao desejo de progresso, de que a metrópole será a primeira beneficiária. Sacrifícios, obrigações, que cada cidadão válido e consciente sabe que deve à sua pátria.
Nenhum de nós, em Angola, quererá misturar os sentimentos que nos são mais caros com aspectos de outra índole, de outra natureza, e aos desta, aos que me quero referir, são os de ordem económica.
A agitação que o conhecimento do conteúdo do Decreto n.º 478/71 provocou em Angola não pode nem deve ser entendida como elemento de perturbação no pior sentido. Como em todas as épocas, como em todos os casos, há, por desconhecimento das situações, reacções que podem ser mal interpretadas, mas não o devem ser neste caso. Antes deverá ser tomada como uma reacção positiva, válida, resultante de uma consciência dos sectores e da população mais evoluída, para problemas que os afectem. É, uma característica de terras como Angola, em que a participação de todos é necessária, desejada, para que o que só se pode fazer com muita gente seja feito com o entusiasmo de uns quantos. É desta participação que o País carece no momento em que o Governo está realizando obra ingente.
O princípio que se adopta é simples de entender. É o princípio de que cada um se governa com aquilo que tem, com aquilo que produz. E Angola vinha gastando de mais! Nos últimos oito amos, cerca de 5,5 milhões de contos! O preço de um desenvolvimento operado mos últimos dez anos, crescendo no sector industrial na ordem dos 22 por cento anualmente!
Em boa verdade, temos de concordar que não foi demasiado caro e, se as preocupações nos atormentam de imediato, lançados os olhos pelas potencialidades da província, achamos que podemos pagar. Só temos necessidade de tempo e de ajuda também. De tempo, para que todo o complexo em marcha atinja o rendimento pleno; ajuda, para que o espaço nacional procure satisfazer as suas carências no ultramar, recorrendo ao estrangeiro sómente em último caso; ajuda, num encaminhamento de máximo de elementos humanos paira terras do ultramar; ajuda, de técnica; ajuda, enfim, confiando em todos nós e nas nossas capacidades imensas.
Para já, as nossas preocupações dirigem-se para um dos sectores a que Angola tanto deve, o do comércio, a primeira vítima de todo um estado de coisas de que não podemos culpar ninguém, mas em que todos somos solidàriamente culpados por termos aguardado quase nove anos paira lhe encontrar a solução.
E poderíamos, efectivamente, ter encontrado solução? Não interessa agora cuidar de sabê-lo, interessa, sim, olhar o futuro, mais não voltar a aguardar dez anos esperando os resultados. Aqui, eu volto a repetir o Prof. Marcelo Caetano: «e quando uma lei vem a lume, mesmo assim, é frequente encontrar-se nela imperfeições [. . .], imperfeições que todos devem estar interessados em corrigir, não pana fazer prevalecer caprichosamente uma vontade ou preservar alguma conveniência pessoal ou de grupo, mais com o intuito desinteressado de contribuir pana que caminhemos para uma sociedade mais justa em que todos tenham o lugar que lhes deve caber, sem com isso se prejudicar o legítimo respeito e prevalecimento do interesse geral».
Será necessário que todos tenhamos paciência e reservemos os comentários mais capazes e também mais sinceros para quando for conhecida a regulamentação que se seguirá ao Decreto n.º 478/71. Mas, até lá, nem nós aqui, nem os próprios sectores mais directamente ligados aos assuntos económicos (porque directamente interessada está Angola inteira), poderíamos ter deixado de o fazer.
E em Angola, foi-o num órgão próprio, o Conselho Legislativo. E da leitura que acabamos de fazer das declarações então produzidas pelo vogal representante do sector económico da província ressalta o sabor amargo da sinceridade e da verdade das suas afirmações. Da sinceridade, estilo muito próprio das gentes do ultramar, que alguns confundem com rebeldia ou desrespeito, mas que é mais justo, mais certo, interpretai como manifestação de vitalidade e de desejo do progresso do seu país.
Angola terá, pois, de se governar com o que tem, com o que produz. E como já referi nesta Assembleia no início deste ano, «Angola terá, portanto, que tudo fazer no sentido de arrumar a sua casa, as suas contas; receber o que lhe é devido pelo que vende, pelo que exporta, a tempo e horas. Acabar com contratos especiais que, se justificados em determinados períodos da sua vida económica, nenhuma justificação haverá para os renovar hoje nos mesmos moldes, e se Angola tiver o seu ‘caixa’ em ordem e se, à semelhança do empresário arrumado, receber a tempo e horas o que lhe é devido, despender o que for essencial despender, sem grande esforço verá o saldo da sua balança de pagamentos precedido do sinal mais».
Claro que tudo isto é demasiado simplista, mas também é eminerarteimente prático.
Mas, e a propósito ainda de regimes cambiais especiais, que de há certo tempo Angola vem pedindo se enquadrem no sistema geral, não se desconhece que os existentes são cláusula de contratos firmadas.
Se o termo vier, porém, longe ainda, depois de esgotadas as possibilidades de negociação, o recurso aos meios legais para, a sua extinção exigem-no os superiores interesseis do País.
Um outro aspecto, que é motivo de grande preocupação em Angola e que se espera que a regulamentação terá contemplado, são os compromissos já assumidos por determinado comércio importador, que não poderá suspender de um momento para o outro encomendas feitas com a antecedência devida. A sua suspensão pura e simples poderá agravar consideràvelmente o bom conceito de que gozam ais empresas angolanas, além dia sujeição em que estas ficam ide prováveis pedidos de indemnização.
Mas eu não queria, de modo nenhum, por enquanto, sem que se conheçam os regulamentos esperados, tratar de aspectos de pormenor, e, distraidamente, começava a fazê-lo.