2928 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 14õ
Governo nomeie uma comissão que examine em pormenor todas estas incongruências e defeitos da lei, investigando também ais vantagens ou desvantagens que poderiam advir da instituição de um seguro social mínimo, obrigatório, que poderia ser feito até junto das companhias de seguros nacionais em regime de conseguro com a maior amplitude possível.
Assim, estou plenamente convencido, o Estado poderia libertar-se do encargo da máquina burocrática que tem de manter neste sector, salvo, é claro, no que respeita a fiscalização, e as vantagens para os funcionários também me parece que seriam de considerar.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: — Sr. Presidente: Pedi a palavra para mais uma vez me referir ao problema das carnes, pois tudo indica que a política ùltimamente seguida neste sector pode vir a afectar gravemente todos os incrementos conseguidos em resultado dos esforços dos últimos anos e assim vir a contribuir para mais um agravamento da já precária situação agrícola.
Já há anos, quando da efectivação do aviso prévio sobre a crise agrícola em boa hora apresentado por V. Ex.a, Sr. Presidente — e tão brilhantemente convincente que determinou novos rumos no campo agro-pecuário —, e em que eu também participei, lembro-me que fiz uma análise profunda das causas que, ao tempo, davam origem ao caos em que se debatia a nossa pecuária.
A manter-se a política actual, tenho a certeza de que dentro em pouco — se não já — nos encontraremos em situação idêntica, pois estão criadas condições paralelas às de então, não só quanto à incerteza para o futuro, como quanto à exigência de produzir abaixo do preço de custo e ao anúncio e recurso efectivo à importação maciça de carnes. E isto é tanto mais grave quanto é certo que vem abalar a confiança de um sector que soube dar resposta notável ao apelo de uma maior e melhor produção que lhe fora feito, uma vez definida a política a seguir e anunciadas as condições programáticas do campo em que se ia desenvolver e manter a acção.
Refiro-me ao despacho sobre fomento pecuário de 30 de Abril de 1965 e ao despacho do Ministério da Economia de 23 de Janeiro de 1969.
O primeiro, definindo a política e assegurando-a por um período conveniente, o segundo, actualizando os condicionalismos definidos e ampliando os campos de acção.
Como resultado desta política, aumentámos a nossa produção de carnes de bovino a taxa superior a 16 por cento ao ano, de 1965 a 1970, e de uma situação de carência e má qualidade de leite em 1965, passámos à posição de, já em 1968, nos encontrarmos em condições de satisfazer a procura total do território europeu com leite bom (como se afirma no citado despacho) e até chegámos a armazenar grandes stocks de excedentes de produtos lácteos.
Certamente, todos VV. Ex.as compreenderão que só num clima de plena confiança se faz investimentos que permitam respostas destas e tanto mais quanto é certo que, no caso geral, houve que recorrer ao crédito, dado que, como é sabido, se encontrava já a lavoura bastante descapitalizada.
Daqui, duas conclusões a tirar:
A primeira, a de que, quando convenientemente definida urna política econòmicamente viável, logo aparecem empresários agrícolas capazes de lhe dar seguimento, mostrando uma iniciativa que conduz a crescimentos que, creio, não tiveram paralelo em qualquer outro sector.
A segunda, a de que empreendimentos destes exigem, para além de investimentos de capitais vultosos, toda uma modificação da planificação da empresa e apuro de técnica, o que não se consegue a curto prazo em agricultura e tanto mais quando se trate, como neste caso, de trabalhar com gado bovino sujeito a ciclos que não se podem alterar e que conduzem necessàriamente a uma multiplicação lenta. Daqui que o pleno rendimento da operação só se venha a sentir a anos e que seja necessário um longo período para se reintegrarem os investimentos feitos e se poder alcançar um lucro real do empreendimento.
Se, numa operação deste tipo, não são mantidas as premissas iniciais, se o condicionalismo é alterado, tornando de momento inviável a produção, conduz-se ao malogro de todos os empresários que se lançaram no empreendimento, criando-se situações tanto mais graves quanto mais progressivas foram, pois quanto mais investiram mais perderam, e só podemos ter uma certeza — a de que todos ficarão em pior situação do que aquela donde partiram.
Trata-se do tipo de situação que é preciso evitai’ a todo o custo, pois é seguramente daquelas que conduzem à desconfiança e descrédito de actuações que tudo frenam, pois não devemos esquecer o velho adágio de que na primeira qualquer cai, na segunda . . .
Seria grave que um tal estado de espírito se desenvolvesse no actual condicionalismo da vida do País e, contudo, parece-me que não tem havido o necessário cuidado em evitá-lo.
Pelo menos é a conclusão que somos obrigados a tirar quando nos embrenhamos um pouco, mesmo ao de leve que seja, na apreciação do que se passa. Mantendo-nos dentro do campo restrito da bonivicultura só teremos de apreciar o que se passa quanto ao leite e carne.
Verificámos que depois de termos alcançado uma produção de leite que ultrapassava o consumo e já preocupava alguns pelos excedentes que se iam acumulando, de novo nos encontrámos há bem pouco perante uma carência quase absoluta de produtos lácteos, e constatámos que a progressão que se vinha manifestando desde 1965 se inverteu de sentido, e pena é que não disponhamos de dados estatísticos que nos permitam avaliar de imediato em quanto se cifra esse retrocesso.
Muitos abandonaram a produção de leite depois de se manterem algum tempo em situação de prejuízo puro na sua produção, tentando ainda evitar a perda dos investimentos feitos, mas só conseguindo assim acumulai' maiores percas.
Só na área da Cooperativa de Évora, uma das regiões que maior resposta tinha dado à campanha, deram baixa, no período de 1970 para 1971, 14 por cento dos produtores inscritos, e a redução da produção comparada de leite, situa-se em 18 por cento. Regiões houve, como o Algarve, em que foi preciso tomar medidas por outros canais, que não os normais, para evitar verdadeiras carências e hecatombes.
Assistiu-se à situação paradoxal de serem os produtores das zonas em que estavam organizados os circuitos de recolha e distribuição os mais afectados, e não foi caso raro o ver-se a fuga do leite para, esse oásis onde não se estendia o esquema de uma verdadeira comercialização, criando-se assim o descrédito do que há que creditar e fomentai, gerando-se a desconfiança nos caminhos apontados e que vinham sendo seguidos com tanto entusiasmo.
Deixou-se criar uma instabilidade, uma vez que as garantias dadas terminaram sem serem estabelecidas as futuras; quebrou-se a sequência da política anunciada por atraso de actuação, por se quererem ignorar as mudanças das premissas que eira preciso actualizar para manter o condicionalismo programado.