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15 DE DEZEMBRO DE 1971 2933

O Orador: — Na verdade, é quase exclusivamente através do relatório (extenso) que acompanha tradicionalmente a proposta de lei que o País toma conhecimento do modo como é pelo Governo encarada a evolução recente da economia mundial e, muito em particular, da economia portuguesa.

Por ser única, ou quase, a ocasião, é que mal se compreenderia o escasso número de sessões que a Assembleia Nacional lhe consagra, o número igualmente reduzido de participantes no debate e de presenças nas sessões (não falo, sequer, de presenças atentas) (risos) e até o rápido silêncio que nos órgãos de informação sucede ao amplo resumo da proposta e do seu relatório e ao habitual elogio, sem dúvida merecido, do Ministro responsável; ambos parecendo obrigatórios . . .

O próprio tom das intervenções que aqui fazemos todos os anos ganha cada vez mais o carácter das confissões por pura tradição: é o cumprimento para a «dessarisca» . . .

Mas eu disse, e sublinho agora, mal se compreenderia . . .

Precisamente porquanto gostaria de iniciar esta intervenção, pondo em voz alta as reflexões que o facto me proporcionou ao tentar compreender.

Por diversas vezes aqui tenho exprimido uma preocupação pela situação de marginalidade política da maior parte dos portugueses, para quem o processo político é alheio e que não se identificam com as opções que lhe são oferecidas (*).

Demasiado teremos confundido a confiança em quem governa, que é indispensável assegurar e ir cada dia acrescentando para uma vida política sã, com a sistemática demissão do contributo do nosso pensar e querer.

Tenhamos ou não consciência disso, a proposta de lei de meios que temos presente vai influenciar as nossas vidas, o dia a dia de cada um dos portugueses, do empresário que legitimamente se preocupa com o futuro e as possibilidades da sua empresa, do operário que não menos legitimamente se preocupa com o seu salário, do patrão ao empregado, passando pela dona de casa, que na pequena escala da sua economia sofre todos os dias perante a alta de preços que outros chamam de inflação.

E não deveria ser a Assembleia Nacional o lugar de encontro das suas aspirações e reivindicações, perante as necessidades da política financeira nacional?

Anotemos desde já que o comum dos Deputados não estará em muito melhores condições do que o público na análise da lei e da sua proposta.

O parecer igualmente extenso que recebe da Câmara Corporativa tem um grau de complexidade e temi cidade muito semelhante aos da proposta governamental.

E aí está o Deputado, isolado, sem técnicos que o auxiliem ou lhe forneçam dados, perante um corpo compacto, cuja coerência se afigura correcto, cujos elementos de base serão ou não exaustivos, mas não únicos.

Não lhe restará confiar nas suas comissões de especialistas, que o habilitarão, aliás, com novo parecer?

Quanto muito pôde ouvir o Ministro responsável. Mas as três horas dessa exposição não terão reforçado a ideia de complexidade e inacessibilidade da matéria?

Não estaremos demasiado próximo da situação política em que a câmara parlamentar funciona apenas como

(1) Diário das Sessões, n.º 106, de 23 de Junho de 1971.

«um dique institucional que amortece e recambia mais ou menos passivamente os impulsos do Executivo»? (1).

Estarão aqui, talvez, algumas razões (mas é evidente que não todas) para justificar a «demasiada timidez do papel político que a Câmara a si própria tem reservado», na pertinente análise do Deputado Themudo Barata?

As alterações necessárias ao Regimento desta Assembleia, tema que desde há muito me preocupa, permitir-me-ão certamente esboçar algumas respostas para as interrogações que fui formulando e, inclusivamente, permitir-nos-ão, a todos, definir a espécie de Assembleia que queremos.

Por agora, gostaria de adiantar que tenho para mim que o livre debate constitui ocasião de progresso, seja ele sereno e franco, visando sempre o bem comum que a todos nos importa.

Sei bem quanto uma atitude crítica não é cómoda, seja a crítica construtiva embora, como costuma dizer-se. Aliás, nunca são consideradas construtivas as críticas que desagradam, mesmo que sejam realmente inovadoras. É até a inovação o menos agradável.

«O que tornou as descobertas de Galileu tão abomináveis aos olhos dos seus contemporâneos? E que ele apercebeu-se de que muitas coisas se mexiam no céu e que, consequentemente, a ordem astronómica era muito menos rígida do que as pessoas gostavam de crer até então.» (2).

Julgo que o que permite à ciência moderna avançar e reformar-se, assumir e ficar atenta aos factos, mau grado as tentações dos «sábios» para ficarem agarrados às teorias ultrapassadas, é a inexistência de pressões que impeçam a penetração das ideias «incómodas».

Creio que um debate permite que cada um dos participantes possa a carrear a sua experiência pessoal e a sua perspectiva, o seu pensamento e os seus sonhos e, com tudo isso, e até com os seus erros, enriquecer o património comum.

Penso ainda que neste momento uma tal forma de debater os problemas nesta Assembleia melhor permitiria uma informação do País. Inclusivamente, proporcionando aqueles que de um modo ou de outro vão suportar as consequências das decisões, criticai’, modificar e enriquecer as hipóteses dos técnicos.

E nesta perspectiva, repito, de não querer recusar à discussão algumas explicitações e dúvidas, que me dispus a pela primeira vez intervir neste debate.

Isto é, compreendendo ou julgando entender, porque sis fala tão pouco neste debate da lei de meios, creio dever-se participar nele e por isso subi a esta tribuna.

Algumas notas parcelares, apenas, sobre temas diversos.

Começo por falar dos dados de base.

Belos dados de base a que o relatório da proposta vai acusando as deficiências «A avaliar pelos dados de que neste momento de dispõe.» (p. 11), «Tanto quanto os dados disponíveis permitem adiantar» (p. 13), etc. (3), ou até ’relevando certa desconfiança, como, por exemplo, quando se diz «A julgar pelos elementos publicados pelo Instituto Nacional de Estatística» (p. 17, início do ponto 11).

A compreensão dos acontecimentos e a tomada de decisões dependem cada vez mais da quantidade e qualidade da informação de que se dispõe.

(1) Cit. por Frainçois Hetman, L’Europe de l'abondunce, Ed. Fayard, 1967.

(2) W. Kohler, in Gestalt Psychologie, Nova Iorque, Liverigth Pub. Co., 1929.

(3) A edição citada é o volume editado pela Imprensa Nacional.