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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 176
O direito criado pelo regulamento, esse é que não tem o mesmo valor que o estatuído na lei e, por isso, o regulamento só pode estatuir na medida em que a lei lho consinta, sendo nulo em tudo o que contrariar o disposto na lei que execute, ou a cuja sombra nasce
Independentemente da actual alínea b) do artigo 135.° da Constituição, correspondente ao antigo § 2.° do artigo -151.°, a desconformidade entre-as normas emanadas dos órgãos legislativos provinciais e os provenientes dos órgãos de soberania produziria a inconstitucionalidade daquelas normas desde que os respectivos órgãos provinciais excedessem a sua competência.
Se, porém, na falta da referida disposição constitucional, os órgãos legislativos provinciais se ativessem à sua competência — matérias do exclusivo interesse da província — e dispusessem em contrário do diploma emanado dos órgãos de soberania?
Desde que o diploma emanado dos órgãos de soberania não fosse dirigido exclusivamente à respectiva província ou definisse a matéria como de interesse superior, não se poderia considerar a mesma matéria do exclusivo interesse da província e, portanto, adentro da competência dos seus órgãos legislativos.
Com efeito:
No primeiro caso, desde que o diploma dos órgãos de soberania não respeite só à respectiva província, a matéria é, por definição, de interesse geral, e, portanto, fica excluída da competência dos órgãos das províncias ultramarinas.
No segundo caso, desde que os órgãos de soberania definem a matéria como de interesse superior, resolvido tem de se ter decisivamente o assunto.
Portanto, só se poderá, porventura, dizer regulada pelos órgãos de soberania, matéria da competência legislativa de uma dada província, quando os órgãos de soberania regulam para uma só província sobre matéria que, não tendo sido definida como de interesse superior, efectivamente é do exclusivo interesse dessa província.
Neste caso, não fora a alínea b) do artigo 135.° da Constituição, não se poderia ter como configurado um problema de inconstitucionalidade.
Mas, mesmo perante o referido preceito, será possível pôr o problema?
Efectivamente, desde que a Constituição define esferas de competência legislativa, poderá afigurar-se de certo modo ilógico chamar inconstitucional o que foi legislado dentro das regras constitucionais normais sobre competência.
E poderia, então, considerar-se que, para, obviar a tal ilogismo, a solução estaria em harmonizar as respectivas normas de forma a torná-las compatíveis — a alínea b) do artigo 135.° não abrangeria a legislação provincial em conformidade com as regras normais de competência.
Esse ilogismo, porém, baseia-se numa distinção entre regras normais, ou não, de competência que não pode permitir a preterição do comando constitucional da citada alínea b) do artigo 135.°
Esta é a jurisprudência do Conselho Ultramarino, segundo a qual, desde que uma regra de direito de um diploma legislativo ultramarino disponha em contrário de um diploma legal emanado dos órgãos da soberania, se verifica inconstitucionalidade orgânica.
E verdade que no acórdão de 5 de Julho de 1962, que permanece isolado, se chegou a sustentar que tal desconformidade não constituía inconstitucionalidade, mas mera ilegalidade, e que desta tanto podiam conhecer o Ministro como os tribunais 18.
No voto de vencido, constante do acórdão, salientou-se o facto de que a desconformidade em causa só podia configurar simples ilegalidade se não existisse a disposição do § 2.° do artigo 151.° da Constituição, correspondente à actual alínea 6) do artigo 135.°, e que a haver simples ilegalidade não poderiam os tribunais conhecer dela, pois os actos legislativos não são susceptíveis de apreciação contenciosa — artigo 16.° da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, Decreto-Lei n.° 40 768, de 8 de Setembro de 1956, artigo 816.° do Código Administrativo e artigo 771.° da Reforma Administrativa Ultramarina.
Já anteriormente, porém, no acórdão de 7 de Abril de 1961, houvera um voto de vencido favorável à tese da ilegalidade de diplomas legislativos ultramarinos 19.
O recente Regulamento do Conselho Ultramarino, aprovado pelo Decreto n.° 49 147, de 25 de Julho de 1969, veio também consignar, expressamente, no seu artigo 64.°, que os actos legislativos não admitem recurso contencioso.
Perante a divergência sobre se o desrespeito por diplomas legais das províncias ultramarinas das normas emanadas dos órgãos da soberania configura necessariamente uma inconstitucionalidade, por força do disposto na alínea b) do artigo 135.° da Constituição, ou apenas simples ilegalidade, entende a Câmara Corporativa não haver necessidade de tomar posição.
Efectivamente, bastará enunciar os casos sem os classificar juridicamente.
Portanto, a Câmara propõe a seguinte redacção para este número da base em apreço, que será a base XXXVIII das Conclusões:
III — Se, porém, a discordância se fundar na ofensa da Constituição ou de normas provenientes dos órgãos da soberania, e o diploma for confirmado pela referida maioria, será este enviado ao Ministro do Ultramar para ser submetido à apreciação do Conselho Ultramarino, reunido em sessão plenária, devendo a Assembleia e o Governador conformar-se com a sua deliberação.
Base XXXI
54. I — E a reprodução da base XXVII da Lei Orgânica do Ultramar que, com as alterações introduzidas pela Assembleia Nacional, corresponde à base XXVII proposta pela Câmara Corporativa no seu parecer n.° 35/V.
Na Lei Orgânica escreve-se que a todos os vogais, «sem distinção, incumbe o dever de zelar pela integridade da Nação», para com a expressão «sem distinção» se salientar que esse dever tanto incumbe aos vogais eleitos como aos de nomeação; na redacção proposta elimina-se tal expressão, o que se compreende, dado que todos os vogais passarão, pela proposta em apreço, a ser eleitos.
II — Estabelece-se neste número que os membros da Assembleia Legislativa são invioláveis pelas suas opiniões.
O mesmo se dispõe na Lei Orgânica, mas enquanto nesta se ressalvam as restrições que a lei indicar, a pro-
17 Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9.ª ed., pp. 89 e segs.
18 Acórdãos Doutrinais do Conselho Ultramarino, ano 4, 1962, pp. 313 e segs.
19 Cf. revista O Direito, ano 94, n.° 3.°, pp. 230 e segs., onde o acórdão é publicado com anotação de Marcelo Caetano favorável à tese do acórdão e discordante do voto de vencido. Cf. ainda Marcelo Caetano, Manual de Ciência Politica e Direito Constitucional, p. 618, e André Gonçalves Pereira, Da Fiscalização da Constitucionalidade das Leis no Ultramar.