3974 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 202
A Sra. D. Raquel Ribeira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para quem aceitou a candidatura a esta Câmara - decorridos que vão três anos -, na consciência de que lhe seria pedida uma vigilância mais atenta na satisfação dos direitos do povo português, e uma modesta cooperação nas reformas que o Governo de Marcelo Caetano se propunha levar a cabo, mão podem ficar sem ressonância algumas das importantes medidas governativas que, desde o encerramento da 8.ª sessão legislativa, têm sido promulgadas no âmbito da política social.
Referimo-nos então, em plena campanha eleitoral, que as reformas trazidas no seu primeiro ano de governo, os métodos de acção e o «novo estilo» adoptados nos apontavam a bandeira da esperança para o futuro. Esperança que se traduzia na forte aceleração do progresso, em ordem à promoção social e ao bem-estar de iodos os portugueses. Progresso que visa o homem total, nas suas responsabilidades familiares e sociais.
Recordo que nessa data muitos de nós, se não todos, nos comprometemos perante os nossos eleitores a trazer a esta Câmara o interesse, a colaboração, a inteligência, postas ao serviço do progresso e da paz, prospectivando uma década de 70 com melhores índices de convivência humana em todos os territórios portugueses.
E, porque particularmente sensíveis às necessidades reais da população, que queríamos ver satisfeitas, no domínio da saúde, da educação, da habitação, do trabalho, da segurança social, propusemo-nos, então, ser porta-voz das garantias dos seus direitos.
Não deixámos, por isso, de, em várias ocasiões, apelar para a intervenção do Governo ou mesmo para a dinamização e participação de autarquias, de entidades privadas e das próprias: populações, no sentido de serem introduzidas, não só as medidas legislativas necessárias, como uma coordenação de serviços e de recursos tantas vezes desperdiçados, sobrepostos, paralelos.
Prontos a acusar ou a fazer despertar, mas também prontos a louvar quando a justiça e o reconhecimento o impõem.
Fizemo-lo em Janeiro de 1970, ao serem designados três ministros coordenadores de actividades governativas afins. Concretamente, impunha-se a coordenação das actividades dos Ministérios das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência como caminho para uma acção coerente de política sanitária e social. Era assim um passo duelo em frente com vista a uma política unitária, preconizada desde há dezenas de anos e tão difícil de ter crédito no nosso país, e a que o Dr. Rebelo de Sousa viria a dar perfeita tradução.
Senão, e a propósito, vejamos o douto parecer da Câmara Corporativa ao Estatuto da Assistência Social, Lei n.° 1998, de 15 de Maio de 1944, da autoria do Prof. Marcelo Caetano. Vejamos, ainda, a Lei n.° 2115, de 18 de Julho de 1962, sobre a reforma da Previdência, e o que sobre elas as duas Câmaras se pronunciaram.
Também nesta Câmara, e não raras vezes, alguém que, talvez vivendo antecipado no seu tempo - como se diria de Teilhard de Chardin-, soube visionar e lutar pelas metas de justiça social que propugnava para o povo português.
Esse alguém era o Dr. José Guilherme de Melo e Castro, a quem a Nação deve render preito pelo que tão generosamente se devotara à causa da saúde e da assistência social. A testemunhar, o Diário das Sessões a partir de 1950 das várias legislaturas:
Lutador incansável pela justiça social, conhecedor das necessidades reais, de rara sensibilidade e inteligência, rasgou, a par de outros horizontes e caminhos não desbravados ..., a título de exemplo, o que deixou na luta contra a tuberculose, na valorização da enfermagem, na defesa da saúde pública, na reabilitação física dos deficientes.
Preconizador de uma segurança social que, em discurso proferido em Maio de 1958, defendia para todos os portugueses «a protecção social e sanitária dos humildes, os direitos concretos à educação, ao trabalho, à saúde, à habitação», defendeu-os, a par de um incentivo pela criação da riqueza e pela sua justa distribuição.
O Dr. Melo e Castro antecipava arrojadamente a luta pela coordenação dos actividades dos dois Ministérios, para que mais facilmente se caminhasse no sentido da segurança social a que o povo português tinha direito, preconizando a unificação das actividades num serviço nacional de saúde (Diário das Sessões, de 28 de Abril de 1961). Em Janeiro de 1968 não pôde deixar de expressar, em termos muito vivos, a sua profunda reserva pelo facto de não ter sido aproveitada a oportunidade de discussão em conjunto das propostas de lei da assistência e saúde e da previdência. São estes os termos a que se referiu à aprovação da Lei n.° 2120 - novo Estatuto da Assistência Social:
Lamento muito que, tendo havido esta oportunidade, as coisas fiquem, neste domínio da protecção social em geral, mas muito particularmente no domínio da política da saúde, ainda muito dispersas, muito descoordenadas, e, sobretudo, que a oportunidade se tenha perdido, para, finalmente, como é indispensável e como requerem as condições do País, se atribuir um direito à protecção social, especialmente ao tratamento na doença e à pensão na invalidez, à grande generalidade do povo português.
Sr. Presidente: se aqui trouxe estes testemunhos foi por imperativo de consciência.
Como simples colaboradora da obra que o Dr. Melo e Castro realizou neste domínio, enquanto provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, associo-me aos sentimentos expressos por V. Exa. e pelo Sr. Deputado Albino dos Reis nesta sitia, no primeiro dia desta sessão legislativa, prestando-lhe o merecido preito da minha sentida homenagem e gratidão.
Mas também para lembrar a VV. Exas., a propósito das considerações que vínhamos fazendo, que os dezenas de anos percorridos aos colocaram em situação, não de visionários, mas sim de beneficiados da aceleração das referirias que se - impunham e agora testemunhas de um esforço levado a cabo, na tarefa árdua, escondida e ingrata, da reestruturação de serviços e de orgânicas dos chamados «Ministérios sociais».
Esta a obra que está a visto, realizada nestes três anos pelo Ministro Rebelo de Sousa, com a colaboração da sua equipa governativa. Trabalho de coordenação que vem sendo estruturado a partir da base e das realidades concretas, quer no domínio da Comissão Permanente Interministerial de Coordenação das Actividades de Saúde, quer no âmbito da Comissão Permanente Interministerial para o Desenvolvimento Social, e, não menos, da actividade do Conselho Superior de Acção Social.
À falta de um dispositivo de articulação entre o sector da saúde e assistência e o da Previdência, que poderia ter sido a criação de um Ministério de Coordenação dos Assuntos Sociais, optou-se pela via de mentalizarão directa dos responsáveis pelos serviços e seus funcionários e pela reestruturação articulada dos programas de acção, conducentes, pela via harmónica, ao estabelecimento progressivo de acordos, segundo critérios de política unitária.