DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207 4104
Então, sim, talvez houvesse que trazer aqui o programa de trabalhos para o ano imediato, permitindo à Assembleia manifestar-se sobre as vantagens ou inconvenientes que haveria na execução desse plano.
O Plano de Fomento foi elaborado, discutido e aprovado com o objectivo fundamental de promover a elevação do nível de vida do povo português.
Com a sua execução atingir-se-á, portanto, em princípio, esse objectivo fundamental, mas o Governo, apesar disso, afirma ainda categoricamente que a sua política económica e financeira em 1973, e tal como nos anos anteriores, se subordina, entre o mais, à directriz fundamental de promover a elevação do nível de vida do povo português.
E uma afirmação que muitos poderão considerar talvez desnecessária, mas eu, Deputado eleito pelo círculo de Moçambique, considero que a afirmação, tal como é feita, tem aqui pleno cabimento, pois, efectivamente, a proposta de lei contempla no que é fundamental os 23 000 000 de portugueses que já somos. E contempla na medida em que entre o mais incentiva e apoia o processo de desenvolvimento da economia portuguesa, em que assegura a estabilidade económica interna e a solvabilidade externa da moeda e considera como prioritários os encargos com a defesa nacional e com o auxilio económico e financeiro às províncias ultramarinas, nas suas diferentes modalidades.
E é de aprovar com louvor a preocupação expressa de ter em conta as «exigências que resultem da progressiva integração económico-social dos diversos territórios nacionais e da articulação dos mesmos com os espaços geoeconómicos a que pertençam». E louvo este modo de agir, de governar, porque considero que ele traduz um dos grandes processos de defender a integridade da Nação, pois que permite o desenvolvimento económico de cada parcela do território como parte integrante do «todo português» e, ao mesmo tempo, não impede, e até estimula, que a economia de cada parcela procure, sem se desnacionalizar, beneficiar da situação geográfica que cada parcela possua.
Permito-me citar aqui a seguinte frase proferida pelo Sr. Professor Marcelo Caetano na sua última «conversa em família»:
Moçambique, debruçada sobre o oceano Indico, há-de fatalmente defrontar problemas económicos peculiares quanto ao Oriente o que se não pode fechar os olhos.
Efectivamente, se unicamente se cortassem todos os laços económicos de uma das parcelas com as restantes parcelas da Nação, conduzi-la-íamos, sem dúvida, à sua ligação total aos interesses de um espaço económico diferente daquele em que se situa o interesse nacional. E desse modo, quanto a mim, morreria também a integração social do povo dessa parcela no «todo português», seguindo-se, nesse caminhar, a desintegração nacional.
Pois igualmente se conduziria o País à desintegração se não fosse permitido que a economia de cada parcela fosse como que oxigenada pela economia existente no espaço geográfico em que a mesma se situa; a parcela seria então conduzida à precariedade, não só devido ao afastamento geográfico das restantes parcelas da Nação mas também porque o ser um corpo estranho da região económica em que se situasse lhe não permitiria,, num e noutro caso, um desenvolvimento económico suficiente. E todos sabemos que a precariedade e a miséria são normalmente más conselheiras e conduzem, portanto, a estados de espirito colectivos sempre propícios à revolta e à desintegração.
Todos em Moçambique vivemos com maior ou menor preocupação o problema dos «atrasados», embora a maior parte da população desconheça a sua existência. Sentem-no, porém, todos no dia-a-dia, desde a criança ao mais idoso, desde o mais culto ao mais boçal. Sabemos o esforço que tem sido feito pelo Governo para resolução do assunto, não só mobilizando recursos, que, para execução da 1.ª fase da regularização, atingiram 1500 milhões de escudos, por aumento de capital do Fundo Monetário da Zona do Escudo, e 2000 milhões por colocação de títulos de dívida pública no sistema bancário metropolitano, operações estas em que intervieram, respectivamente, na primeira, a Fazenda Pública e o Banco de Portugal, com 500 milhões cada um, e o Banco de Angola e o Banco Nacional Ultramarino, com 250 milhões cada um, e, na segunda, entre outros, a Caixa Geral de Depósitos, que só por si tomou 1000 milhões de escudos dos mencionados títulos, mas também se tomaram outras medidas atinentes à completa resolução dos «atrasados» e a evitar o seu futuro ressurgimento.
O saldo que em 31 de Outubro próximo passado, relativo aos «atrasados» de Moçambique, aguardava regularização era de 2 848 875 milhares de escudos, respeitantes a ordens de pagamento emitidas até 31 de Outubro de 1970 de valor superior a 20 000$, após a liquidação a metrópole, desde o princípio do ano, de l 716 335 milhares de escudos.
Quando disse que a população de Moçambique sentia dia a dia o problema, fui injusto, porque, na verdade, o problema é sentido é vivido por toda a Nação. Os reflexos dos «atrasados» sentem-se também aqui, embora de um modo muito mais diluído, já que os recursos aqui existentes e que aqui acorrem permitem a população uma vida de menor sacrifício.
Não posso dizer que o processo seguido não traz vantagens para Moçambique, mas as pessoas sentem-se ali quase como um doente que tem de tomar um remédio que lhe desagrada, embora saiba que é esse mesmo remédio que o salva. Não nos falece, contudo, a coragem, salvo talvez aos pusilânimes e aos que com facilidade vendem a alma. Mas como de uns e de outros há muito poucos, a vida decorre normalmente, até porque dia a dia todos se vão sentindo incentivados com a abundância de empreendimentos que agora surgem e saberem que, por todo o Estado, crescem os centros urbanos com as respectivas infra-estruturas que neles permitem uma vida civilizada; e isto, todos o sabem, envolve elevada mobilização de recursos, pois os centros urbanos com mais de 2000 pessoas passaram entre 1960 e 1970 de 16 para 35 e o número dos mesmos centros com mais de 1000 pessoas ultrapassa já, nos três distritos do Norte, a casa dos 500.
A população estava, contudo, habituada a um enorme afluxo de mercadorias e a transferir as suas economias na medida em que o desejasse. O corte destes hábitos não foi total, mas, sim, muito grande; mesmo assim, já obrigou a um reordenamento de muitas situações individuais e a uma maior capitalização local. Surgem, por esta razão, mais empreendimentos e propiciou-se um considerável aumento de produção de tudo o que é essencial à vida e que se deixou de importar; haverá, inclusivamente, talvez, necessidade de alteração de hábitos alimentares tradicionais de parte da população.
Poderá surgir no espírito de VV. Exas., Sr. Presidente e Srs. Deputados, a impressão de que os estabelecimentos e as respectivas montras se encontram sem mercadorias. Até aqui isso ainda não aconteceu e, para completo esclarecimento, direi a VV. Exas. que estive o ano passado na Checoslováquia cerca de vinte dias, dos quais mais de metade em Praga e os restantes num largo (...)