DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 207 4106
(...) de bem se inserirem nos seus objectivos essenciais, muito menos quando não raro se aproveita o seu articulado para exercitar um certo gosto demagógico.
Não obstante o que fica dito, muito por falta de tempo e bastante porque o assunto não exige delongas, será muito a correr - calamo corrente - que me debruçarei sobre a proposta de lei em discussão, em que considerarei só o seu capitado IV, e neste não em relação a todas as inovações nele incluídas em matéria de política fiscal, tão-somente na contida na alínea g) do artigo 9.°, que pretende criar um imposto anual, que poderá atingir 5000$, sobre barcos de recreio a motor e veículos automóveis com cilindrada superior a 1350 cm2 para transporte particular de passageiros e mistos com lotação superior a dois lugares.
Trata-se dê um imposto novo que, como tal, na opinião abalizada de um jurisconsulto de antanho, «começou por não existir», porém, como nascituro que é, carece de ser, em tempo, cuidadosamente apreciado, quer no que respeita às suas razões motivadoras susceptíveis de discussão, quer no que concerne à justeza da sua repartição pouco pacificamente aceite na forma que se pretende.
No tocante, evidentemente que não vamos apreciar nem discutir as muitas razões que provavelmente justifiquem a iniciativa do Governo de afrontar a simpatia pública com a sua instituição, já que de sobra conhecemos as crescentes necessidades da Administração a que uma nunca demasiado louvada política social impõe um continuado acréscimo de despesas que obrigam a um permanente recurso à matéria colectável que à Nação cumpre fornecer, através do sacrifício dos que parece mais poderem em benefício do todo nacional. Isto sem considerar se será de boa política e até necessário recorrer ao lançamento de impostos ante a possibilidade do recurso a outras, fontes mais copiosas e menos susceptíveis de reparo e contestação.
Mas até aqui nada me cumpre objectar, embora algo me ocorra, contrariamente à Câmara Corporativa, senão quanto à criação do imposto, quanto à sua programada incidência, pois, sobre as razões com que se pretenda justificá-lo importa mais averiguar da justiça da sua distribuição que, tal como se define, está longe de merecer a concordância que seria desejável para não nascer marcado com uma antipatia acrescentada de um mal-estar evidente entre os muitos que mais acertadamente propugnam uma sua equitativa distribuição - face as razões que pretendem legitimá-lo - por todos a quem aproveita «o apoio financeiro à execução de programas e projectos das autarquias locais».
De facto.
Sem curarmos de saber o que no concernente se passa nos países ditos «de igual ou mais avançado estádio de desenvolvimento»; se nesses países, tal como no nosso, já recaem sobre os veículos automóveis as múltiplas e pesadas taxas que os oneram, de importação e de transacção, etc., a sobrecarga derivada do custo dos combustíveis exageradamente caros, no caso de este ser o gasóleo a obrigar já a uma taxa de compensação de 5500$ anuais, mesmo sem curar de averiguar, de um modo geral, a procedência dos fundamentos justificativos da criação do imposto em análise, importa, sobretudo, tomar posição quanto ao modo da sua aplicação e procurar esclarecer simultaneamente como se vai concretizar a promessa de «uma criteriosa fixação das taxas», a fim de serem «atingidas, predominantemente, as situações de carácter sumptuário», e não só, mas também a anunciada «isenção àqueles que, pela sua natureza, são utilizados como elementos indispensáveis à actividade dos seus proprietários».
Isto é importante, sobretudo para aqueles que, como eu, ignoravam a existência entre nós de «Veículos sumptuários» em número bastante para serem constituídos em fonte capaz do imposto desejado, o que me deixou francamente perplexo, até porque, com excepção de muitíssimos dos que justamente se pretendem isentar, grandes ou pequenos, com maior ou menor cilindrada, a gasolina ou a gasóleo, todos os automóveis são hoje utilitários. Menos utilitários, quase um luxo, por mais aberrante que pareça, são os milhentos adquiridos em condições precárias por quem não pode mante-los; para serem utilizados apenas aos domingos, e que demasiado pesam nas débeis possibilidades económicas de muitos agregados familiares, em que o essencial só sacrifica ao supérfluo, com grave transtorno de muitos orçamentos e grave perigo para o trânsito rodoviário, ocasionado por condutores inexperientes ao volante de carros que se não assistem convenientemente ou não beneficiam mesmo de nenhuma assistência. Muitos dos que, ao contrário do que seria lógico, irão afinal beneficiar de uma isenção que está longe de desencorajar o permanente crescimento do parque automóvel, incomportável pelo deficiente estado das nossas vias de comunicação.
Não, não está certo o critério que se pretende adoptar no lançamento do imposto, até porque, com manifesto e injusto gravame na aplicação preconizada, ele iria atingir um grande número de indivíduos que, embora só para digressões dominicais ou por necessidade de maior lotação, no caso de famílias numerosas, adquiriram por um custo mínimo carros em segunda mão de grande cilindrada, justamente os que se vendem por menor preço, e que por este modo iriam ser considerados como de utilização sumptuária, em inaceitável contradição com o espírito e fins que inspiraram a sua aquisição.
Além de que se a receita que o imposto visa se destina ao melhoramento das estradas municipais, a deterioração destas deriva por igual de todos os automóveis, mais até dos que, em maior número, ficariam isentos do imposto e de certos outros cujos preços ultrapassam os 160 000$, com cilindradas inferiores as consideradas para a isenção e cujas altas velocidades provocam um desgaste indiscutivelmente maior nos pavimentos sujeitos ao seu tráfego.
O Sr. Alberto Alarcão: - Muito bem!
O Orador: - Isto sem falar da técnica em voga nos carros dotados com pistões rotativos, que permitem com uma cilindrada mínima atingir potência e velocidades superiores à dos motores tradicionais, como no caso do Mazda e N. S. U.
Nestes termos, aceites em princípio as razões justificativas do lançamento do imposto, sem dúvida que se impõe uma revisão do modo como deve ser distribuído, em meu entender, a distribuir equitativamente por todos, já que, nos nossos dias, como salientado ficou, salvo um caso ou outro, todos os carros terão de ser considerados utilitários . . .
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... Sem consideração pela sua cilindrada, quantas vezes preferida superior, não por luxo, mas, embora pareça paradoxal, por economia, em consequência das maiores garantias que dão de durabilidade e de resistência à dureza do tráfego e às mas condições de muitas estradas implantadas em zonas montanhosas, a exigirem, mais potência para poder ser vencido com menor prejuízo o seu acidentado, o que facilmente poderá ser comprovado pela preferência dispensada aos automó-(...)