O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4200 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211

governamental. Aliás, uma das primeiras tarefas da Assembleia Nacional, que abriu as suas portas em meados de Janeiro de 1935, foi cercear os seus próprios poderes, mediante a aprovação de uma proposta do Governo - a terceira por ele enviada à Câmara -, que introduziu alterações na Constituição. A Lei n.º 1885, de 23 de Março de 1935, reconheceu ao Governo faculdades legislativas fora do período das sessões legislativas, reduzidas a três meses, desde que invocasse urgência e necessidade pública, o que logo se transformou em regra geral; por outro lado, o mesmo diploma restringiu a iniciativa legislativa dos Deputados, condicionando-a ao voto de conformidade de uma comissão especial e proibindo que tivesse quaisquer reflexos financeiros, por aumentar as despesas ou diminuir as receitas do Estado.
Prejudicada na sua competência legislativa, segundo uma tendência que de ano para ano se agravou, apesar da criação, em 1951, de um âmbito de reserva de lei, de resto nem sempre respeitado pelo Governo, veio esta Câmara a procurar a sua razão de existir num alargamento das suas funções de fiscalização. E, assim, restabeleceu-se, na revisão do Regimento de 1937, não sem protestos de alguns Deputados mais ciosos da intangibilidade do Executivo, a possibilidade de os membros da Assembleia usarem da palavra, antes da ordem do dia, para chamarem a atenção do Governo sobre assuntos de interesse geral, pedirem esclarecimentos sobre a execução de serviços públicos e comentarem acontecimentos de natureza política e social [artigo 22.º, alínea c)].
A duração das intervenções antes da ordem do dia, a princípio limitada a 10 minutos, veio a aumentar, para 15 minutos, em 1946, e, depois, para meia hora, em 1960. Por seu turno, o próprio período antes da ordem do dia, que o Regimento inicialmente fixou em 30 minutos, prorrogáveis por igual tempo, foi, em 1960, libertado de qualquer limitação, passando a constituir, de facto, a parte mais importante da actividade da Assembleia Nacional.
A Câmara electiva, quebrando a linha de evolução das instituições parlamentares que em Portugal se sucederam desde o dealbar do século XIX, a pouco e pouco se transformou num Conselho de Governo. Logo em 1937, a propósito da matéria própria dos avisos prévios, se ponderou nesta Assembleia que a redução do «direito de iniciativa legislativa» deveria de algum modo ser suprida pelo reconhecimento de um «direito de sugestão legislativa». Os Deputados representariam sobre as necessidades dos povos, à maneira dos antigos capítulos das Cortes, providenciando o Governo, que dispõe de melhor informação e melhores possibilidades, segundo o critério definido pela Assembleia ou segundo qualquer outro critério. (Cf. a intervenção do Deputado Dinis da Fonseca na sessão de 16 de Dezembro de 1937.)
Claro que esta situação, Sr. Presidente, não se devia apenas à Constituição e ao Regimento. Ou, melhor dito: a Constituição, o Regimento e as suas respectivas praxes limitavam-se a plasmar neste domínio o funcionamento lógico de um regime político autoritário que para si mesmo reivindicou, logo de início, os qualificativos de antidemocrático e antiparlamentar.
Corresponderá um tal estado de coisas, o apagamento, em suma, da Assembleia Nacional, àquilo que Portugal neste momento necessita? Por mim, endendo que não - e, ao opinar assim, creio que não dou sinais especialmente graves de heterodoxia política, pois a própria letra e o espírito animador da recente reunião constitucional desenvolveu-se tìmidamente, embora, no sentido da revitalização desta Câmara, convindo tirar o máximo partido de todas as possibilidades que agora se nos brinda.
O País necessita de tomar plena consciência e de se determinar livremente, face aos gravíssimos problemas que enfrenta, se é que se pretende triunfar deles e resolvê-los. Seguindo ao longo deste caminho, chega-se à exigência de uma intensa e eficaz participação dos cidadãos na vida pública, a qual, por seu turno, postula mecanismos institucionais adequados. Apesar de todas as suas fraquezas, as assembleias representativas, directamente eleitas pelo povo, constituem, talvez, o melhor processo ale aqui descoberto para assegurar essa participação.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - E não se diga que a Assembleia Nacional, tal como a configura a Constituição, não é, afinal, e na verdade, um meio idóneo de participação, visto os seus poderes serem demasiado limitados. Bem mais amplos poderiam ser eles, por certo, mas, ainda assim, o que a nossa lei fundamental consagra não é tão pouco como alguns pretendem.
A Assembleia Nacional faz as leis. Claro que já vão longe os tempos em que a actividade do Estado podia resumir-se, embora de uma forma simplista, à criação e realização do direito. A actuação do Estado no bem-estar dos nossos dias exorbita do campo das classificações clássicas das funções estaduais. Mas, ainda assim, é sempre a lei que condiciona e pauta essa actuação e define as suas confrontações com a esfera de autonomia dos cidadãos.
Porque é órgão legislativo, a Assembleia Nacional traça as grandes linhas de orientação da vida colectiva e em termos que se impõem aos restantes órgãos de soberania prescritos na Constituição. O Presidente da República tem direito de veto sobre as leis que aqui são feitas; mas trata-se apenas de um veto suspensivo que, em nova votação, por maioria agravada, a Assembleia pode superar. O Governo tem de executar essas leis; e se delas discordar ou as entender inexequíveis, só lhe resta apresentar ao Chefe do Estado o seu pedido de demissão. Os tribunais aplicam as mesmas leis, só podendo recusar-se a fazê-lo quando as julgarem afectadas de inconstitucionalidade material.
Claro que o Presidente da República pode, em caso de conflito com outro órgão da soberania, dissolver £i Assembleia, ouvido o Conselho de Estado e desde que o Governo lhe dê o seu acordo, expresso na referenda. Mas a dissolução tem por efeito convocar, dentro de certo prazo, eleições gerais, e se o conflito com a Assembleia se mantiver, o impasse terá de ser quebrado pela demissão do Governo ou, até, sendo caso disso, pela renúncia do próprio Chefe do Estado. Nem de outro modo poderia ser, dentro do respeito da Constituição, já que a Assembleia. Nacional é detentora directa da legítima representação do eleitorado.
Não vou alargar-me noutras considerações, Sr. Presidente, mas do que tenho vindo a dizer julgo poder concluir-se que a revitalização da Assembleia Nacional, sob o ponto de vista do exercício das suas