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30 DE OUTUBRO DE 1982 123

O Orador: - Digamos que ontem em Espanha foi posto fim ao Governo UCD. Ontem, pelos vistos, para a AD foi posto fim ao sonho UCD da Aliança Democrática. Veremos quanto tempo leva ainda a ser posto fim para a AD o próprio sonho AD.
Invocou o Sr. Deputado Silva Marques o grande francês que foi Pierre Mendes France. Mais uma prova de um novo estilo da bancada social-democrata ao invocar uma grande figura daquilo que é hoje o património do pensamento socialista no mundo inteiro e em França, porque Pierre Mendes France apoia a experiência socialista francesa e foi um dos que apadrinhou, desde há muito tempo, a experiência socialista do Presidente François Mitterrand.
Também nós temos que assinalar com pesar a morte de Pierre Mendes France, incontestavelmente um grande pensador e um grande estadista, não apenas porque encetou a descolonização francesa na Indochina, mas porque foi um pensador socialista e porque, à beira da morte, conseguiu ver realizado o seu grande sonho de ver no Eliseu um presidente socialista, o Presidente François Mitterrand.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que não se diga que abusei do Regimento e que não faço nenhum pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Silva Marques, sempre direi: não será, o Sr. Deputado Silva Marques, que os factos que acabei de referir, na sequência aliás da sua sugestão política - e a oportunidade foi escolhida por si - revelam que na Europa do Sul sopra um vento socialista inequívoco que terá que chegar inevitavelmente a Portugal?

Aplausos do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria, antes de mais, associar-me, e gostosamente, às 3 referências feitas pelo Sr. Deputado Silva Marques.
Penso que neste momento e nesta Câmara se impunha naturalmente uma palavra de satisfação pelo triunfo democrático que representa a viragem verificada em Espanha, mas se esse triunfo democrático pode e deve ser compartilhado por todos os democratas, o triunfo do PSOE merece ser particularmente assinalado por aqueles que mais se identificam com as suas posições.
Merece ser assinalado porque a esse triunfo corresponde um contraponto, que é a derrota da indefinição, da ambiguidade dos projectos que se arrastam no simples conservadorismo do poder pelo poder. E é a vitória da coerência, da moderação programática, da coragem de evitar a tentação de querer o poder a todo o custo e de se aproximar do poder, mesmo quando as oportunidades eram favoráveis para ter a coerente coragem de fazer vingar o seu próprio projecto e não o projecto arrastado por um projecto alheio. Essa coragem e essa independência que o PSOE teve, e que Felipe Gonzalez teve, merece neste momento ser saudadas e ser lembradas. Porque também de outra forma poderíamos lembrar que, como escreveu François Mitterrand, «uma grande tentação é a de estar atento a que a sociedade burguesa estará sempre pronta para abrir a porta ao socialismo na condição de ele ter o bom gosto de abandonar a sua vestimenta. Tenciona arranjar clientela entre os seus chefes de fila e lisonjeia aqueles» - diz Mitterrand - «em que faremos com instinto seguro a traição futura. Joga com a tentação fortemente sentida por alguns que têm em si a vocação de governar e passa-lhe, sem mais aquela, um certificado de homem de Estado, em oposição aos ideólogos, esses, irrecuperáveis.
Quantos desses virtuais homens de Estado têm arqueado o lombo para receber a carícia?»
Felipe Gonzalez soube resistir a essa tentação e também isso, por essa coerência, por essa verticalidade, por essa coragem, a sua vitória é uma vitória com a qual nos congratulamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive o gosto e a honra de conhecer pessoalmente Pierre Mendes France, tive até o gosto e a satisfação, imerecida, de merecer da sua parte uma amabilíssima oferta de um livro seu. Nesse livro Pierre Mendes France, sublinhou-me uma afirmação sua. Trata-se do livro «Choisir» e ele sublinhou a frase em que diz: «sempre estive certo que comigo, sem mim ou depois de mim, a verdade rasgará o seu caminho como a justiça». E acrescentou: «a esquerda acredita na igualdade dos homens e no esforço colectivo».
Creio que também esta lição merece ser recordada com Pierre Mendes France e também eu, porque o tempo me escasseia, quero associar-me à homenagem que o Sr. Deputado Silva Marques prestou aos capitães de Abril. Penso que essa homenagem não poderá ficar sobre as palavras, mas terá que traduzir-se em actos e na nossa firme coerência e disposição para continuar a esperança e os desafios que Abril em nós motivou e que também aqui os democratas se poderão encontrar.

Aplausos do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Deputado Silva Marques: Peço desculpa a V. Ex.ª de usar a figura regimental do pedido de esclarecimento, talvez com um sentido que não é bem aquele que o Regimento comporta, mas queria associar-me à homenagem que aqui quis prestar ao grande homem de Estado que foi Pierre Mendes France.
Mendes France não era, como é sabido, um homem da minha área ideológica - da área ideológica do meu partido -, mas um homem que marcou profundamente a minha geração. Marcou-a enquanto resistente, marcou-a enquanto homem que tentou um esforço teórico de construção de uma república moderna, marcou-a também no rigor que pôs sempre na sua acção de político e de homem de Estado.
Pierre Mendes France governou apenas 7 meses, mas a sua presença como primeiro-ministro ficou marcada na História da França contemporânea e na História da Europa do após guerra.
Por isso, queria aqui salientar, para além de todos os aspectos evocados pelo Sr. Deputado Silva Marques, um ponto que me parece essencial: Pierre Mendes France recusou sempre a facilidade, exigiu sempre o maior rigor, poderia, com certeza, ter governado muito mais tempo se cedesse, por vezes, à lógica das soluções de compromisso e das soluções artificiais; demonstrou, cabalmente, o desapego de um grande político pelo poder, quando estar no poder não significasse realizar um projecto e comprometer-se, total e completamente, com a sua realização.