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374 I SÉRIE - NÚMERO 12

capital a aplicar aos autores do aborto, com o fundamento de tais actividades «poderem afectar a capacidade vital do povo alemão». Mas simultaneamente, declarava-se no mesmo diploma, a impunidade do aborto quando realizado em mulheres de raça não ariana».
E só para terminar esta minha incursão no terreno da teorização conceptual e voltando ao livro de 1964, nele se afirma ainda que após a guerra de 39-45 o problema sofre novo «volte-face», agora porque uma forte corrente sustenta a não punibilidade do aborto pelo receio do forte aumento de população e o risco de insuficiência das subsistências.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por ter de o interromper.

Chamo a atenção para o facto de nas galerias, onde é inalienável o direito de o público assistir a estas sessões, v não ser possível quebrar o mais rigoroso silêncio.
Aos Srs. Deputados limito-me a pedir, com toda a consideração que me merecem, o favor de criarem as condições necessárias para que o Sr. Deputado possa ser ouvido.

Vozes do PS, do PCP e da UEDS: - Não é o público. É a Câmara!

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Concluindo com o autor e, cito: «Assim, a defesa de impunidade, que antes se situava num plano exclusivamente jurídico-penal, passou a ser feita com um indirecto ataque ao natalismo movido através do prisma económico, sendo substituída toda a argumentação que se desenvolvia para justificar a não punição» (fim de citação).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido aqui acentuado repetidas vezes o flagelo que constitui o aborto clandestino no nosso país, o seu número impressionante e o cortejo de tragédias e misérias que o acompanham.
Como médico, com 24 anos seguidos de trabalho no Banco de S. José, vi e tratei dezenas, centenas de complicações pós-aborto, todas dramáticas, muitas mortais. O quadro da septicemia pós-aborto, normalmente em raparigas ou mulheres muito novas, cria por vezes situações inesquecíveis, como a de uma rapariga que recordo, apresentava uma gravíssima trombose séptica da veia cava inferior, e que morreu à nossa vista perante o nosso desespero e a nossa impotência, transformada num monstro pelo edema súbito e enorme dos membros inferiores.
Não pretendo comover este Plenário com as visões dramáticas que a nossa condição de médicos nos põe sob os olhos, mas é com profunda indignação que denuncio o farisaísmo dos que têm como única resposta a pena, e a fogueira redentora.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e da UDP.

Pois, então, Srs. Juizes, Srs. Ministros de Justiça, sede coerentes, façam cumprir a lei! Porque fecham os olhos?
O Sr. Ministro Meneres Pimentel parece que se compraz, ao colocar a questão, como a tem colocado, em obrigar a mulher a comparecer em tribunal onde a deixe à mercê da sorte de conseguir provar as razões que a levaram a praticar o acto, uma vez que ele próprio admite que há situações que o desculpam, «o estado de necessidade desculpante», na linguagem jurídica.
Porque não colocar então em lei as indicações concretas de causas de justificação o que tipificam os casos em que se exclui a ilicitude?

Voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só por formalismo, razões partidárias, maquiavelismo ou por ilógica teimosia se poderá entender tal atitude.
À entrada do Banco de S. José existe um posto de polícia que regista todas as situações de quedas, de doença provocada ou violenta susceptível de constituir um delito. Nos processos hospitalares, nos diagnósticos de entrada no Banco é colocada a complicação do aborto provocado, a hemorragia, a septicemia, a perfuração uterina ou de outras vísceras.
Mas a polícia, os tribunais, a sociedade, parte desta Assembleia, desconhece-as por cobardia. Chama-lhes crime mas não os julga, falta-lhe a dignidade e a coragem de assumirem uma atitude coerente e preferem fechar os olhos e os ouvidos.
Nós, médicos, por cujas mãos nos passam as vítimas, sabemos que a solução desta tragédia hipocritamente não assumida está precisamente no aborto consentido dentro das regras e normas que ora estão em discussão nesta Assembleia.
A posição que sob tal matéria toma a Ordem dos Médicos, nos seus próprios termos, de total repúdio pela legalização do aborto, é da responsabilidade pessoal dos seus dirigentes pois não conheço qualquer auscultação, inquérito ou referendo dentre os médicos que autorize aqueles dirigentes a falar em nome de todo o sector médico nem nenhuma convenção internacional os veicula obrigatoriamente a esta atitude.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A direcção da Ordem dos Médicos, com palavras levianas comete um abuso pois não representa, para esta questão, a posição dos médicos portugueses.

O Sr. Vidigal Amaro (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas os dirigentes da Ordem dos Médicos sabem que os abortos clandestinos se fazem aos milhares; que são muitas, graves e mortais as suas complicações; que a única forma de o evitar era regulamentar a sua realização e assumi-la em condições médicas e sanitárias que evite as graves complicações. Preferem, todavia, a política de avestruz, desconhecendo o drama de milhares de mulheres e a ansiedade e impotência dos médicos que as assistem quando lhes chegam às mãos.
Preferem deixar que sejam as enfermeiras e também muitos médicos que sem qualquer controle técnico, profissional ou deontológico o realizem. Trata-se, objectivamente, de uma contradição deontológica que em nome de conceitos e posições subjectivas e metafísicas, deixam que a doença apareça em vez de a evitar.
E não estarei só, nesta posição. Neste local, o Prof. Miller Guerra, a quem a saúde em Portugal tanto deve, que foi Bastonário da Ordem dos Médicos e professor de Deontologia Médica da Faculdade de Medicina de Lisboa, afirmou quando deputado à Assembleia Consti-