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12 DE NOVEMBRO DE 1982 381

restantes a interrupção voluntária de gravidez pratica-se com indicação médica adequada.
Em Portugal, como repetidamente tem sido aqui afirmado, em 1981, interromperam a gravidez 100000 mulheres. 2000 morreram.
Muitas centenas infectam-se e muitas ficam definitivamente estéreis e outras amputadas de parte ou de todo o seu aparelho genital.
Destas 100 000 mulheres muitas são mães espantosas com filhos felizes, muitas voltarão a ser voluntariamente mães quando ultrapassarem os problemas que as levaram a interromper uma gravidez.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se os homens do meu pais forem como os 3 macacos, continuarão com muito pudor a fechar os olhos a tal situação.
Mas hoje já não podem, nem devem mais fazê-lo.
Ignorá-la é criminoso e hipócrita.
Resolver esta situação é urgente. E humano.
É claro que a interrupção voluntária de gravidez não é a melhor das soluções. Diria mesmo que nem sequer é uma solução. Será apenas um meio para resolver um problema social ou psicológico grave, ou para corrigir um erro da natureza.
A solução, a verdadeira solução passa obviamente pelo planeamento familiar sério, pela informação, pela utilização dos meios de contracepção eficazes actualmente disponíveis, pela investigação de novos meios mais aperfeiçoados.
Mas tudo isto pode falhar. Falha. E a questão põe-se. A ela tem tentado responder o Parlamento Europeu que sobre este assunto pede ao Conselho de Ministros que «tome decisões para que sejam adoptadas medidas que permitam resolver este problema». O objectivo dessas medidas, diz ainda o Parlamento Europeu, é permitir que «toda a mulher que se encontre em dificuldades possa encontrar a assistência necessária no seu próprio país», admitindo como último, mas lícito recurso, a interrupção voluntária de gravidez.
Para nós, médicos, e muito especialmente para nós Pediatras-Neonatologistas, o problema põe-se a três níveis:

1.º Interrupção voluntária de gravidez quando a vida da mãe corre perigo;

2.º Interrupção voluntária da gravidez por razões de ordem social ou psicológica;

3.º Interrupção voluntária da gravidez quando um diagnóstico precoce de uma anomalia fetal grave tenha sido feito ou haja suspeita significativa de que tal possa acontecer. Estes são três aspectos globais importantes mas há aspectos particulares que embora não tenham a ver directamente com o problema da interrupção voluntária de gravidez acabam por se situar no mesmo campo do ponto de vista dos princípios.
Sou médico, chefe de serviço de Neonatologia do Hospital de Santo António. Desempenho além disso funções de Chefe de Equipe de Urgência e ensino Pediatria no Instituto Abel Salazar.
Posso dizer que não há dia que não nos chegue ao Hospital um recém-nascido com um traumatismo de parto que provocou uma hemorragia cerebral ou um adulto traumatizado com parte do cérebro desfeito. Quer a um, quer a outro podem na maioria dos casos ser mantidas as funções vitais. Basta ligá-los a uma máquina de ventilação assistida. Por vezes, demasiadas vezes diria, estas crianças, estes homens ou mulheres, sobrevivem. À saída do Hospital não andam, não falam, não se alimentam, não têm sequer a sensibilidade de uma planta mas, como dirão os irredutíveis da vida, estão vivos. A associar-se a este drama, a família que tem que os levar para casa, depara-se com outro: levá-los para onde? Para casa? Instituições poucas há. Começa então o maior drama destas, famílias - o desejo tantas vezes verbalizado que morram, o alívio gerador de remorso quando tal acontece.
Com estes problemas quantas e quantas vezes somos levados conscientemente, respeitando a ética e deontologia médicas, a tomar a decisão de carregar no botão que desliga a máquina. O adulto ou a criança morre oficialmente. Isto é eutanásia, como eutanásia ê a interrupção voluntária de gravidez. É uma decisão talvez até mais grave. Não deixa no entanto de ser uma decisão responsável, pesada, que tem como finalidade libertar a pessoa e a família de uma situação e de um sofrimento insuportáveis.
Sendo a minha formação essencialmente a de médico reanimador de recém-nascidos, sendo os meus trabalhos científicos essencialmente orientados no sentido de conservar a vida, os meus colaboradores e eu. mesmo divergindo por vezes em questões ideológicas e religiosas, num ponto estamos normalmente de acordo - a vida tem o preço da sua qualidade.
É com grande orgulho que aqui afirmo que, quer no Serviço de Neonatologia de Lausana, Suíça, onde praticamente se iniciaram na Europa os primeiros cuidados intensivos a recém-nascidos e onde me especializei, quer no Serviço de Neonatologia que actualmente e com grande esforço tentamos desenvolver no Hospital de Santo António, é com grande orgulho, dizia, que afirmo que dezenas e dezenas de crianças devem a vida ou pelo menos a integridade do seu sistema nervoso central aos meus esforços e aos dos meus colaboradores.
Mas se efectivamente a essência mesma da nossa profissão é tratar e garantir uma boa qualidade de vida às crianças por que somos responsáveis - é salvar vidas como correntemente se diz -, não o fazemos a qualquer preço e por muito ambíguo que isso seja e sem querer entrar na velha polémica sem resposta de saber o que é um embrião, as questões que me ponho e que vos ponho com urgência, são as seguintes:

1.º E ou não deixar de prestar assistência a pessoa em perigo recusar-lhe a interrupção de gravidez que ela pede?
E sejamos claros - a nossa experiência no Serviço de Urgência prova-o bem - uma mulher decidida a interromper a gravidez não descansa enquanto o não consegue. E consegue-o praticamente sempre, nem que para isso tenha de correr o risco de morrer.
2.º E que dizer e propor à mãe que durante os primeiros meses de gravidez faz uma rubéola, uma citomegália, ingere medicamentos tóxicos para o feto, etc., e tem todas as probabilidades de ter uma criança gravemente mal formada e, ou atrasada mental?
3.º E que dizer aos pais da criança que nós previamente sabemos que pode vir a nascer com anomalias graves, aos pais que depois do nascimento da criança anormal, no isolamento dos nossos consultórios, nos falam do pesadelo dos dias e noites que passam a dese-