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1010 I SÉRIE-NÚMERO 29

antes da interrupção dos trabalhos parlamentares e, portanto, antes da demissão do Governo.
Creio, no entanto, que tem a ver com ela, ainda que indirectamente, porque a questão que vamos tratar, anunciada embora com antecedência, é o cerne mesmo das relações do Governo ora demitido com a Constituição, com a democracia, com as liberdades.
Por isso, julgo que ela se entronca directamente na demissão do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acreditamos que a perspectiva da democracia é o espirito de resistência ao despotismo.
E possível que tenha razão quem pense que «identificar a democracia com o regime que opõe a liberdade ao poder é uma visão de 'revoltado'». Por nós, diremos que o que não é possível é dissociar o poder do povo da sua liberdade.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ÁSDI): - Muito bem!

O Orador: - Que a história democrática começa por exprimir a força, a vontade e a esperança de um povo subordinado, ávido de conseguir garantias contra os governantes.
Por isso, ainda hoje, problema fundamental é o dos poderes da oposição.
Não basta que uma oposição se afirme como tal, quando na prática quotidiana mal se descortine que o seja. Mas também é necessário que a oposição tenha poderes para que a vida democrática seja uma realidade.
Há quem pense consequência fatal do nosso tempo o crescer desmesurado dos poderes do Governo. Mas se o tempo que vivemos é tempo em que o futuro, e com ele o destino, nosso e dos nossos, também depende dos governantes, é precisamente por isso, por força e por causa disso, que cada vez é mais importante que os governados tenham meios de opor-se aos actos dos que governam.
Todos o sabemos. Todos concordaremos que em democracia os actos de um governo, qualquer que ele seja, têm que ser discutidos, criticados, contestados.
Importante é saber como se reage de modo a impedir que esses actos sejam, por si, arbitrários e antidemocráticos, violadores da Constituição e das suas normas.
Não é este um problema apenas da existência de partidos de oposição.
É o problema dos meios de oposição. Dos meios de oposição que são a infra-estrutura de um sistema de liberdade política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São pacíficas a doutrina e a jurisprudência da nossa Comissão Constitucional, no entendimento de que vigoram na ordem jurídica portuguesa as normas anteriores à Constituição de 1976 que a não contrariam ou aos princípios nela consignados (artigo 293.º da Constituição da República).
Entendimento similar, aliás, era tido em relação à Constituição de 1933.
Por isso, no âmbito da Constituição de 1933, se entendeu a plena vigência da Lei n.º 266 do Congresso da República, publicada em 27 de Julho de 1914, e, como tal, incluída na colectânea de leis complementares da Constituição publicada pelos Drs. Rui Machete e Jorge Miranda.
Por isso, e de igual modo, não foi nunca contestada a plena vigência dessa lei no âmbito da Constituição de 1976.
Trata ela, como se diz no seu artigo 1.º, de «definir o carácter e a extensão da responsabilidade penal dos membros do Poder Executivo e seus agentes, pelos actos praticados no exercício das suas funções e a estabelecer os meios de tomar efectiva essa responsabilidade».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que a actuação do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Dr. José Alfaia Pinto Pereira, no chamado «casa ANOP», parece indiciar a prática de crimes de responsabilidade.
Contra a guarda e o emprego constitucional dos dinheiros públicos, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º da Lei n.º 226, isto é, uma vez que houve no caso ANOP «ordenamento de receita ou despesa e suas liquidações em contravenção da lei e respectivos regulamentos, ainda que não haja intenção criminosa», na precisa fórmula do preceito citado. Tal será o caso dos pagamentos mandados fazer ou efectuados com dinheiros públicos a favor da nova empresa Notícias de Portugal.
Nos termos ainda do n.º 6 do citado artigo 12.º, que contempla «as concessões feitas e os contratos realizados sem as formalidades legais, independentemente de intenção maléfica», o que voltará a ser o caso do contrato celebrado com a Notícias de Portugal.
Ainda entendemos que a actuação do mesmo Secretário de Estado poderá constituir crime contra as leis orçamentais, previsto e punido pelo artigo 13.º da Lei n.º 266, nomeadamente os seus n.º 1, «contrair encargos para o Estado, sob qualquer pretexto ou fundamento, sem autorização expressa na lei orçamental ou noutras leis vigentes», e o n.º 3, «aplicar em fins diversos as verbas orçamentais, excedendo-lhes o limite ou alterando-lhes a designação».
Fundamentam este entendimento os factos comprovados no debate parlamentar realizado em 4 de Novembro de 1982 (Diário da Assembleia da República, 1.» série, n.º 8, de 5 de Novembro de 1982) - interpelação ao Governo pelo Grupo Parlamentar da UEDS sobre política geral, centrado na política de informação e comunicação social e das medidas já anunciadas ou já tomadas em relação à ANOP, E.P.
Nesse debate é nosso entendimento que se provou o desrespeito pelo valor fundamental do Estado de direito, que é o não praticar uma política de factos consumados sem que os órgãos constitucionais competentes tenham emitido a última palavra; provou-se que a actuação do Secretário de Estado violou o Programa de Governo, de acordo com o qual este se tinha comprometido (Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 101, p. 3274) a favorecer «o alargamento do espaço noticioso da ANOP» e a «reorganizar a ANOP», (p. 3275, loc. cif.); provou-se que o subsídio à ANOP, orçamentalmente previsto e garantido pela resolução do Conselho de Ministros de 25 de Maio de 1982, foi canalizado para outra empresa, sem concurso público, e prolongado pelos anos de 1983 e 1984, sem que se trate de um programa de investimentos com vigência plurianual (artigo 15.º da Lei n.º 64/77), isto é, antes de votado o Orçamento do Estado para aqueles anos, assim se violando a regra constitucional de anualidade do orçamento, acrescendo ainda que a referida empresa nesse momento não tinha directores de informação, jornalistas nem meios e, portanto, obviamente, não poderia prestar os serviços para que fora contratada.