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25 DE JANEIRO DE 1985 1599

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Mesa um voto de pesar, que irá ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Faure da Rosa morreu. Personalidade relevante da nossa literatura, ficcionista de rara sensibilidade, foi, ao longo da vida, um homem profundamente relacionado com o seu tempo, nele intervindo de forma exemplar. Antifascista de sempre, procedeu, através da sua obra singular, ao levantamento das múltiplas inquietações do ser social e individual em épocas de conflito e amargura. De Fuga a Appassionaía, passando por diversos outros romances, com particular relevo para Escalada e Massacre (painéis de um Portugal em mudança inelutável), e um belíssico livro de contos, A Cidade e a Planície, itinerou por terrenos que são comuns à nossa identidade de cidadãos atentos e interferentes, deixando-nos o imperecível espólio de uma escrita exigente, rigorosa, anelante de intimização e fraternidade. Do seu quotidiano modesto saíram páginas que honram a mais vasta concepção do realismo e uma lhaneza de trato, uma inteireza de carácter, que, associados à firmeza dos ideais, o tornaram companheiro admirável de diferentes gerações, um amigo, um combatente sereno, lúcido, pela liberdade e pela democracia.

A Assembleia da República, reunida, em Plenário, em 24 de Janeiro de 1985, expressa o seu fundo pesar pela morte de Faure da Rosa, grande escritor português.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte de Faure da Rosa Suscitou, nesta Câmara, a aprovação, por unanimidade, de um voto de pesar, em cujo texto se continham considerações elementares sobre o itinerário da sua existência e da sua produção literária.
Desde muito jovem, colaborando em revistas e jornais como O Diabo, a Vértice, a Seara Nova, e publicando, desde 1945, obras de ficção que relevam de uma alta exigência e qualidade de escrita, a par de um apurado sentido de ligação às realidades, José de Azevedo Faure da Rosa, empregado de escritório e contabilista, situou-se entre os nomes cimeiros do realismo interferente em Portugal.
No estudo de problemáticas tão diversas como as do meio urbano ou rural, proeurou enlaçar os conflitos sociais numa época de combustão e renovo com a indagação psicológica em todas as latitudes.
O homem confrontado com o real, posto perante opções decisivas, foi um dos seus temas dilectos. Não há na estratégia artística de Faure da Rosa esquematismo ou duplicidade; tudo se passou numa zona profunda de fronteira onde se operam os actos conscientemente assumidos.
Exegeta finíssimo das contradições ideossensíveis e políticas da pequena e média burguesia no tempo da ditadura, como de tecidos sociais impregnados de disforia, pôde transmitir-nos, através das suas páginas, um legado de combatividade e de esperança que só podia ter desaguado no Abril de tantas colectivas hipóteses de construção.
Sonhou com esse dia uma vida inteira. Teve-o, como nós o tivemos, e morreu em pleno coração do crepúsculo, antes dos primeiros sinais de um novo horizonte.
Num dos textos que escreveu, a propósito do perecimento de uma das sua personagens centrais, procedeu a estas secas e amargas reflexões:

Aformoseram-lhe o funeral com homenagens, pessoas graves, belos discursos, tudo perpetuado em duas colunas do jornal diário. Dias volvidos, haviam-no substituído e, como é de regra, esquecido.

Bem gostaria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este acto, honrando o grande escritor e combatente da liberdade, do 25 de Abril, que foi Faure da Rosa, meu camarada, viajeiro dos anelos comuns, contribuísse, de modo positivo, para que sobre ele se alongasse a luz de uma permanência sem reservas na nossa comunidade cultural.
Isso mereceu com o seu labor exemplar; só isso devemos. E tanto é.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD associa-se ao sentido unânime desta Câmara votando favoravelmente o voto de pesar pelo falecimento de José de Azevedo Faure da Rosa.
Fazemo-lo com o profundo sentimento de quem não esquece o que significou o seu contributo literário.
Natural de Nova Goa, completou os estudos liceais, tendo-se empregado como contabilista. Porém, Faure da Rosa, sendo um ficcionista de elevada qualidade, traduziu toda a sua sensibilidade em obras como: Ficção, Fuga, Retrato de Família, De Profundis, Escalada, As Imagens Desconhecidas, Massacre, O Adágio, etc.
Mas a sua acção foi mais além quer integrando-se na Seara Nova quer prestando a sua colaboração em O Diabo.
Pelo rigor da sua escrita, pelas suas qualidades humanas, pela sua serenidade e lucidez, bem podemos afirmar que a sociedade e a cultura portuguesas ficaram mais pobres.
Por tudo isto, aqui fica bem expresso quanto os sociais-democratas partilham a dor de quantos com ele tiveram a felicidade de privar e trabalhar.
À sua família, aos seus companheiros e em especial a todos quantos se dedicam à dignificação e aprofundamento de acções culturais, as nossas sentidas condolências. Permita-se-me, para terminar, uma pequena reflexão, numa hora em que se discute na Assembleia da República o Orçamento do Estado: quanto mais rico não teria sido o contributo cultural de Faure da Rosa se lhe tivessem sido dadas condições de a esse bem se ter podido dedicar em exclusividade? Quantos Faure da Rosa ficam pelo caminho por não poderem, por dificuldades económico-financeiras, transmitir as suas potencialidades?