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I SÉRIE - NÚMERO 81

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm os médicos-veterinários sido um dos grandes motores da nossa economia agrária.
Poder-se-á minimizar esta afirmação se atentarmos no grau de subdesenvolvimento em que se encontra a agricultura portuguesa, mas, todavia, se não fosse aquela classe profissional, o actual estado de coisas ainda se encontraria bem pior.
Tem sido através dos múltiplos trabalhos de melhoramento animal que têm permitido que algumas das espécies pecuárias produzidas em Portugal se afirmem como de grande qualidade em terras de além-fronteiras.
É pela mão destes profissionais que reuniões internacionais a investigação veterinária portuguesa é merecedora dos maiores créditos, nomeadamente, no domínio da cirurgia experimental, que tanto tem contribuído para a evolução das técnicas cirúrgicas utilizadas no homem.
Tem sido ainda sob a responsabilidade dos veterinários que a saúde pública em Portugal tem algumas garantias de cuidados.
Apesar de tudo isto e de muito mais que poderia ser dito, têm os médicos-veterinários portugueses sido permanente e ostensivamente desprezados, pelo que entendo aqui lavrar o mais veemente protesto e um vivo grito de alerta. Protesto pela indiferença com que os sucessivos governos têm tratado as questões da sanidade animal e da higiene pública veterinária, quer pela falta de estrutura e articulação a nível nacional, quer pelo modo como são tratados os médicos-veterinários, tanto na falta de definição de um correcto enquadramento como no permanente desrespeito pela sua própria carreira e actividade profissional.
Grito de alerta, porque estamos a cair numa situação verdadeiramente caótica no que diz respeito à sanidade animal e à higiene pública veterinária, permitindo que existam de uma forma generalizada situações autenticamente medievais, em que a degradação da qualidade dos bens alimentares de origem animal é um facto mais do que evidente.
Paradoxalmente tem sido a associação profissional dos médicos-veterinários que repetidamente tem vindo a alertar e a criticar os responsáveis governamentais, procurando não só uma correcta e exigível dignificação da actividade veterinária, mas principalmente uma alteração da legislação de forma a que sejam expressas as regras necessárias a uma efectiva fiscalização daquela actividade. Rejeitando esta colaboração, tecnicamente apoiada e moralmente consciente, o Governo tem esvaziado os médicos-veterinários das suas responsabilidades profissionais, adequadas à sua formação técnico-científica, desapoiando-os permanentemente e, o que é mais grave, impedindo-os de cumprir cabalmente a sua espinhosa missão de garantir a qualidade dos alimentos de origem animal que todos nós comemos, não permitindo que seja exercido um controle efectivo, quer sobre quem exerce actividades de natureza veterinária, quer sobre o cumprimento das regras deontológicas da profissão.
Com efeito, e sem que se possa encontrar explicação para o facto, teima o Ministério do Trabalho em fazer aplicar o Decreto-Lei n.º 358/84, ou seja, em fazer depender a emissão e o controle das cédulas profissionais dos serviços administrativos do Ministério, pela simples razão destes não serem representados por uma ordem.
Acontece assim que, por via burocrática, se titulem indivíduos para o exercício de uma actividade de natureza científica e que por essa mesma via se controlem, o que é no mínimo ridículo. Por outro lado, o exercício da medicina veterinária - em Portugal como em qualquer outro país - está subordinado a certos princípios e regras deontológicas que permitem regulamentar e condicionar uma actividade que se articula com o interesse público.
Daí que a profissão tenha aprovado o Código Deontológico Veterinário Português em 1979, o qual sujeitou de imediato à consideração do Governo para que fosse vertido em diploma legal que lhe desse força executiva. Todavia, apesar da fértil legislação comparada apresentada - basta dizer que todos os países comunitários têm o seu Código Deontológico Veterinário e a própria CEE, através dos seus organismos competentes, prepara um código comunitário - o certo é que, até hoje, não foi aprovado o nosso código, apesar dos múltiplos pareceres favoráveis já existentes. Ora, sem uma cédula profissional sujeita a regulamentação adequada e sem a imperatividade de normas deontológicas, é evidente que o exercício da medicina veterinária fica sem qualquer controle e, naturalmente, acessível ao exercício por indivíduos não habilitados para tal.
Referir-me-ei ainda àquilo que se passa com os médicos veterinários municipais, onde labutam grande percentagem destes profissionais.
Foram os únicos licenciados a aguardarem longo tempo para que vissem as suas carreiras aprovadas como técnicos superiores, vindo o Decreto-Lei n.º 143/83 remendar-lhe a situação sem que não deixa de lhes coarctar a sua evolução profissional.
Terminaria abordando ainda mais um aspecto que me parece ser fundamental.
Teima o Ministério da Agricultura em implementar uma aberrante regionalização que resulta da aplicação do Decreto-Lei n.º 223/84. Tão aberrante que basta dizer que a actividade veterinária está integrada nos Serviços de Protecção à Produção e Apoio à Comunidade, que têm como objectivo o apoio às actividades desenvolvidas nas zonas agrárias no âmbito do associativismo agrícola, da protecção à produção, das infra-estruturas e do crédito e seguros.
Que entidade ou serviços protegem o interesse público? Esquecem-se que certas doenças podem ter uma contaminação rápida a nível de todo o território?
Desenquadrado e responsabilizado da sua competência técnica exclusiva, ou seja, sujeito a decisões de chefias não necessariamente com formação adequada, o médico-veterinário vê-se, desse modo, sujeito às mais variadas pressões quer de autoridade, quer de interesses económicos a que, obviamente, resistirá apenas até ao limite da sua própria resistência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As consequências de todo este estado de coisas são visíveis e apesar da imprensa ter dado conta de alguns deles, tememos que a população ainda não se tivesse apercebido da gravidade da situação e dos perigos que corre.
É no mínimo exigível que o Governo, com grande urgência, tome consciência deste caótico estado de coisas e tenha a modéstia de, ouvindo os especialistas, tomar medidas que evitem o aniquilamento de uma actividade, no que actualmente alguns parecem estar interessados.

Aplausos do CDS.