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27 DE MARÇO DE 1987 2411

Não, porventura, um documento final, como não o é nunca nenhum projecto ou proposta de lei, mas uma boa base de trabalho que, tendo em conta o País real que somos - da situação sócio-económica aos apetites desenfreados que a televisão sempre tem despertado em todos aqueles que, ao longo dos tempos, têm vindo a ocupar as cadeiras do poder -, advoga que o serviço público até agora desempenhado pela RTP deverá ser mantido através dos dois canais terrestres actualmente existentes e que deseja, a todo o custo, evitar que, entre nós, a televisão privada venha a cair nos abismos da mediocridade - que é a situação permanente verificada em alguns países europeus.
Não também um documento «fechado», como em democracia jamais o poderá ser um texto destes, mas um projecto de lei que, proclamando claramente a abertura da televisão à iniciativa privada, advoga o concurso público, limita a distribuição, respeita o princípio da igualdade de oportunidades, consagra critérios de qualidade que, respeitando o pluralismo ideológico, assegurem a livre expressão e o confronto das diferentes opiniões, garante o exercício dos direitos de antena e de resposta, exige uma percentagem gradual de produção nacional (e não apenas em termos de serviço informativo ou de transmissões desportivas), aponta como fins específicos da televisão a promoção do progresso social e dos valores culturais do País, no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, e cria espaços alargados e gratuitos de emissão destinados às confissões religiosas «pública e notoriamente reconhecidas e implementadas no nosso país», em ordem à divulgação e prossecução dos seus valores e objectivos espirituais.
É, finalmente, o projecto de um texto legal que, tendo sempre presentes os princípios constitucionais, estabelece que a iniciativa privada apenas poderá ter acesso ao sector televisivo através do regime jurídico da subconcessão.
O direito à distribuição, esse, continuará a ser pertença exclusiva do Estado, como o determina a Constituição, quando, no n.º 7 do seu artigo 38.º, diz textualmente que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada». Ou seja, e de acordo com a opinião de alguns constitucionalistas, à televisão é vedado, ser «objecto de uma relação jurídica de propriedade privada». E, deste modo, a relação entre o Estado e a televisão não pode ser uma relação privada, mas de direito público, com todas as consequências daí inerentes, designadamente a independência perante o poder político, o pluralismo na expressão e a objectividade na informação.
Em resumo: a abertura à iniciativa privada da utilização dos meios e serviços de televisão não é inconstitucional, desde que tal utilização seja devidamente regulamentada e quando tal facto não equivalha necessariamente à alteração da titularidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, mais que desejável, a abertura da televisão à iniciativa privada aparece, de facto, como questão urgente, se desejamos ainda e de algum modo controlar os acontecimentos (o caso do caos verificado em relação ao espectro radiofónico deveria servir-nos de exemplo), se pretendemos acompanhar a reforma que lá fora está acontecendo, se não queremos ir a reboque dos acontecimentos.
Talvez ainda seja possível recuperar o tempo perdido, sobretudo se formos capazes de, atendendo à acção conjugada das forças políticas e sociais em presença, copiar o que deve ser copiado, mas recusando também o que tem de ser recusado.
O importante, no caso, é que, como alguém ainda recentemente o afirmava, «a rudeza do combate dialéctico» entre defensores da televisão pública e defensores da televisão privada não impeça os intervenientes de «tomar consciência dos riscos, das dificuldades e dos defeitos dos seus próprios propósitos», porque tentando antes «realçar os inconvenientes da opção do adversário». Sobretudo diante dos avanços tecnológicos, da «inundação» via satélite, da governamentalização da televisão pública, das «experiências» que por todo o País se vão multiplicando, às dezenas, com o apoio dos poderes locais e com a cumplicidade do poder central.
Ao elaborar este projecto e ao tomar a iniciativa do seu agendamento, o PRD tem consciência de que está a dar um passo importante na importante questão do audiovisual, que já não poderá mais ser olhado como curiosidade de ficção científica, mas terá antes de ser enfrentado, com urgência e coragem, a ver se ainda vamos a tempo de impedir os jogos do poder e de evitar os apetites económicos.
Cada dia que passa mais difícil será, de facto, a autonomia diante da inevitável planetarização do espaço audiovisual, mais apertada será a margem de manobra do legislador, para ditar as alternativas que, no caso, terão de ser construídas à colonização cultural.
Como o PRD claramente o pretende, através deste projecto que hoje, aqui, irá ser votado: um texto que, ao contrário do que alguns desejariam, parte do princípio de que o fim do monopólio televisivo por parte do Estado terá de ir além da mera liberalização. Porque, de facto, terá de constituir uma verdadeira alternativa que vá bastante além da emissão, que colabore no preenchimento desse enorme vazio que, entre nós, continua a ser a produção televisiva. O desafio da nossa identidade cultural também passa por aí. Nenhuma identidade cultural poderá, a curto prazo, pelo menos, prescindir do audiovisual.
Mais do que defender o que já não nos pertence, importa antes enfrentar a realidade, aproveitando todas as possibilidades que, apesar de tudo (ela foi elaborada num tempo em que essa mutação parecia mais suave), a Constituição nos concede. Sob pena de então já ser tarde de mais.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lemos, Seiça Neves, Raul Junqueira, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lacão, Vieira Mesquita e Correia Afonso.
Tem pois a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Deputado Alexandre Manuel iniciou a sua intervenção com uma afirmação que, do nosso ponto de vista, é questionável: o facto de a abertura ao sector privado ser irreversível.
Como sabe, sobre essa matéria temos conceitos bastante diversos, de qualquer modo gostaria de chamar-lhe a atenção para que, independentemente desse seu juízo, creio não ser este o momento próprio para nos manifestarmos sobre ele e que iremos ter oportunidade de, a bem curto prazo, no início da revisão constitucional, tratarmos desta matéria.