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24 DE ABRIL DE 1987 2755

Foi esta, como se sabe, a solução consagrada no projecto de que sou subscritor, em cujo artigo 2.° surgem sujeitos ao seu alcance três ordens de crimes:
Os expressamente nele previstos como crimes praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções;
Os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício;
Os que mostrem ter com ele uma significativa relação de instrumentalidade ou conexão.
Esta relação existirá quando o crime tiver sido praticado com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres.
Não excluo que haja soluções melhores. Mas foi esta a melhor que conseguimos encontrar.
2.3 — Ao desembaraçar-se de qualquer orientação específica na definição do que sejam «crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos», cometendo sem rede esse encargo à lei, o legislador constituinte comete também a esta a determinação das sanções aplicáveis e dos «respectivos efeitos».
Surge aqui uma outra dificuldade. Que efeitos?
Quaisquer que sejam, incluindo a destituição do cargo?
Ou todos menos os que envolvam «a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos», já que o n. ° 4 do artigo 30.° da Constituição estipula que «nenhuma pena envolve como efeito necessário» precisamente essa perda?
A este respeito, a Constituição não permite raciocínios singelos. Na verdade, eis que no artigo 133.°, estabelece que a condenação do Presidente da República por crime praticado no exercício das suas funções «implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição».
Daqui uma de duas posições:
Ou bem que o legislador, «atirando à cabeça», nos quis dar a entender que, quem não recua perante o mais (a destituição do Presidente) implicitamente admite o menos (a destituição dos demais titulares de cargos políticos);
Ou bem que o legislador, aqui provendo expressamente, e além silenciando, quis que onde não provê funcione a aparente proibição geral do citado artigo 30.°
Que fazer?
Há que, uma vez mais, fazer intervir a essência das coisas. E, na sua essência, as coisas não podem, sufragar o absurdo, que consistiria em o Presidente da República, em caso de condenação por crime de responsabilidade, ser destituído, e os demais titulares de cargos políticos, sejam eles o Primeiro-Ministro, os restantes membros do Governo, os deputados, ou não importa quais, continuarem, placidamente, sentados na sua cadeira, como se se tratasse de verdadeiros anjos do céu.
Tudo, afinal, se resolve sobrepondo à regra geral que proíbe que qualquer pena envolva, como efeito necessário, a perda de direitos políticos, a regra especial que comete à lei a fixação dos efeitos das penas aplicáveis aos crimes de responsabilidde dos titulares de cargos políticos. Nesta linha de entendimento, a destituição automática do Presidente da República representaria, não uma excepção, mas uma orientação.
Aí temos, de resto, o artigo 65.° do Código Penal a reproduzir a regra («nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos») e logo a seguir, o artigo 66.º a prescrever que «pode ser demitido da função pública, na sentença condenatória, o funcionário que tiver praticado o crime com flagrante e grave abuso da função que exerce ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes».
Dir-se-á: trata-se aqui de uma faculdade, logo não de um efeito necessário. É certo. Mas, se a diferença é apenas entre decorrer o efeito de lei ou de sentença, aí temos a alínea a) do n.° l do artigo 163.° da Constituição a cometer à lei a previsão das incapacidades dos deputados conducentes à perda do mandato.
E agora sim, estamos habilitados pela própria Constituição a evitar que o Presidente da República seja destituído e os demais titulares de cargos políticos não, quando condenados por crime cometido no exercício das suas funções, seja qual for a gravidade deste.
E não menos a aberração ética de um titular de cargo político cometer traição à Pátria, ultraje à Constituição, atropelo ao Estado de Direito — que digo eu? —, ser bacharel em corrupção pelo tribunal da comarca e, apesar disso, continuar, impávido e sereno, no exercício do cargo!
A Constituição não pode ser exigente num caso e passa-culpas no outro.
Daí a solução consagrada no projecto que defendo: a condenação de titular de cargo político, qualquer que seja, por crime cometido no exercício das suas funções, implica sempre a sua demissão ou a perda do mandato.
Isto sem exclusão do próprio Primeiro-Ministro e sem contemplação do facto de a sua demissão acarretar a de todo o Governo. Apesar de tudo só implica isso, e não uma nova eleição directa e universal, como no caso da destituição do Presidente.
3 — Mas já que abordámos o regime penal aplicável ao Presidente da República, convém realçar que a Constituição usa, quanto a ele, de extremo rigor.
Distancia-se, com efeito, do comum das constituições, que em relação ao Chefe de Estado perfilham uma de duas soluções: ou a consagração da impunidade penal, que é de regra nos regimes monárquicos; ou o extremo cometimento da sua responsabilização, em regra restringida aos crimes de «traição à Pátria» e «atentado à Constituição».
Para os regimes monárquicos, herdeiros do direito divino dos reis, o rei por definição não erra. Acaso, erra Deus? À pergunta lógica — e se o rei errar? —, a resposta de que, nesse caso, estaremos em face do desprestígio e do ocaso da própria instituição monárquica! A isto se usa opor — pensando nos Bórgias — que só talvez o sol tenha tido mais ocasos!...
Verdadeiramente republicana, a nossa Constituição não diviniza a figura do Presidente. É homem. E como errare humanum est, sujeita-o a responsabilidade penal sem limite.
Com uma contradição: se o crime é estranho ao exercício de funções — ainda que seja o de parricídio —, responde no fim do mandato. Se o crime é cometido no exercício de funções, ainda que pouco grave, a condenação acarreta a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.
Na prática, tudo isto será cozinhado com um grão de sal: se o crime comum for grave, os factos se encarregarão de conduzir à renúncia do Presidente; se