O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2756 I SÉRIE — NÚMERO 70

o crime de responsabilidade for banal, a Assembleia se encarregará de não tomar a iniciativa do processo, já que em exclusivo lhe cabe.
Mas tomemos boa nota: o rigor com que a nossa Constituição encara a responsabilidade penal do Chefe do Estado fornece ao legislador ordinário o grau de exigência com que devem ser seleccionados e tipificados em geral os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
O projecto a que liguei o meu nome tomou isso na devida conta. É uma lei a sério. Não uma lei para eleitor ver! Daí que, a condição de titular de cargo justifique como regra o agravamento das penas e não o contrário. É a consequência lógica de a responsabilidade dever ser tanto maior quanto maior for o poder exercido; e tanto mais pesada quanto mais feridos tiverem sido o dever de não cometer o acto delitivo e a relação de confiança subjacente a toda a designação política.
Não vejo como pudesse ser de outro modo.
4 — Acresce que, em atenção aos melindres da função e ao risco de imputações de base exclusivamente política, já os titulares de cargos políticos gozam, em regra, de imunidades e prerrogativas de que não goza o comum dos cidadãos.
Ora, porque respondem perante jurisdição mais qualificada e com maiores garantias de isenção política; ora porque a iniciativa do processo compete a órgãos políticos e não judiciários; ora porque a sua detenção ou prisão dependem de autorização de um órgão político, salvo em casos de particular evidência ou gravidade; ora porque o prosseguimento do processo, após a pronúncia, depende de autorização de um órgão político, salvo no caso de crimes mais graves, etc.
Toda uma grelha de cautelas que, à parte gradações de pormenor, são comuns à generalidade das legislações, embora a Inglaterra, que do parlamentarismo tem uma noção muito elaborada e muito própria, tenda a sujeitar os seus parlamentares à jurisdição penal comum. Nada de privilégios!
Inversamente, em Portugal, como em muitos outros países que seguem o modelo francês, o deputado goza de uma imunidade muito própria — a qual consiste em não responder, nem civil, nem criminal, nem disciplinarmente, pêlos votos e opiniões que emitir no exercício das suas funções. Tempo houve — de resto — em que os deputados também não podiam ser demandados civilmente nem executados por dívidas. Acontecia isso na Constituição de 1912. Hoje, e muito bem, os deputados pagam honradamente o que devem e o Parlamento não é coito de caloteiros.
Compreende-se aquela garantia da sua liberdade e independência, sem ofensa do princípio da igualdade. A discriminação é inerente à função, não ao agente, e é positiva. Por isso não pode o deputado dispor da imunidade, renunciando a ela. Mas, se aceita bem sem limites a liberdade de voto, já se questiona o que para este efeito seja ou deixe de ser uma opinião, e quando é que o que isso seja se considera emitido no exercício das funções ou fora delas.
Uma apreciação pessoal ofensiva da honra e consideração de outrem é um acto impune? Nomeadamente: o fundo cobre a forma?
A emissão de uma opinião fora do Plenário e das comissões está necessariamente excluída do âmbito do exercício das funções?
A resposta parece dever ser negativa, no primeiro caso, e afirmativa, no segundo. Na Alemanha, por exemplo, excluem-se expressamente as ofensas caluniosas. Creio dever ser também essa a solução entre nós, sem necessidade da sua consagração expressa. O deputado não responde criminalmente pêlos votos e opiniões que emitir, enquanto opiniões e enquanto votos. Se, porém, cometei um crime de difamação, estaremos fora do alcance da imunidade.
Do mesmo modo o voto. Se for precedido de um pacto criminoso, ou tiver sido condicionado por um acto de corrupção, por exemplo, o deputado não responde pelo voto, responde pêlos actos materiais qualificados como crime.
É este — já que vem a propósito afirmá-lo — o meu pessoal entendimento.
Quanto ao segundo caso: o deputado não o é só no Plenário e nas comissões. É-o também no seu contacto com os eleitores. A imunidade abrange, no seu todo, a sua actividade política, desde que esta seja minimamente inerente ao desempenho do mandato.
Quanto às limitações à detenção ou prisão, a protecção que a nossa Constituição dispensa ao deputado — ou seja a necessidade de autorização da Assembleia — é mais genérica do que a consagrada pelo comum das legislações. Estas em geral só excepcionam a prisão em flagrante delito. A Constituição Portuguesa exige a comulação deste com a exigência de que o crime í que se reporta a prisão seja punido com pena maior! A gravidade da pena não basta; é precisa a flagrância delitiva. Esta também não chega; é preciso que o cr me seja grave.
Reconheça-se que tais obstáculos à excepção quase deixam sem excepção a regra.
Duvido de que a independência da função exigisse tanto.
Penso na seguinte hipótese: um deputado, ao ser eleito, já foi condenado, mas ainda não preso. Na lógica do sistema estaria que, uma vez proclamado eleito, já não poderia ser preso sem autorização da Assembleia.
Reforcemos a hipótese: como os mandatos engrenam uns nos outros, no caso de sucessivos mandatos de duração superior ao prazo de prescrição da pena, a não autorização corresponde à impunidade.
Na prática, tudo se comporá se a Assembleia fizer um uso prudente da faculdade de não autorizar a prisão, fazendo incidir o seu juízo, não tanto sobre os fundamentos da imputação como sobre o eventual carácter político da mesma.
Com alguma razão Duguit advogava uma presunção favorável à concessão da autorização. A necessidade de protecção da independência dos deputados, nomeadamente contra «possíveis injustiças de turva origem política», não deve converter-se em privilégio que não caiba na sua própria justificação.
Tudo isto pesou no equilíbrio do projecto de que sou subscritor.
5 — Os dois projectos em apreço diferem, entre outros pontos que melhor lugar terão em sede de especialidade, na forma de equiparação dos titulares de cargos políticos a funcionários, para efeitos da aplicação àqueles dos crimes «cometidos no exercício de funções públicas» arrolados no capítulo IV do título V do Código Penal.
O projecto subscrito por deputados do PRD faz uma equiparação pura e simples. Aquele de que sou subscritor reprodu-los nalguns casos com importantes