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4 DE JANEIRO DE 1989 823

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para declarações políticas os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Arons de Carvalho, Carlos Brito e Herculano Pombo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: A vida política não acompanha os ciclos anuais do calendário, mas como me coube fazer a primeira intervenção do PSD em 1989, gostaria por isso de desejar a todos os meus pares desta Câmara, em nome da bancada do PSD, um bom ano de 1989. A entrada num novo ano é sempre ocasião para a meditação sobre a mutabilidade e a finitude que tem a ver com tudo o que é humano, logo com a política. De 1988 para 1989 mantêm-se as mesmas tendências em curso na economia; na sociedade, na cultura. Mas como nada nunca é igual, as novas figuras da política merecem um comentário...
Entramos em 1989 com um sistema e um regime a funcionar normalmente. A vida política portuguesa, com uma maioria parlamentar estável e um governo por ela apoiado, está dotada de uma intrínseca e forte legitimidade: legitimidade política, legitimidade de governo, legitimidade de programa, legitimidade de acções realizadoras desse programa, legitimidade do funcionamento das instituições, assim como legitimidade da oposição e dos seus meios de intervenção.
Afirmar a normalidade da vida institucional pode parecer um truísmo, mas a verdade é que esta situação só foi plenamente adquirida com a estabilidade política do último ano e meio e, se analizarmos os 14 anos de democracia .depois do 25 de Abril, é mais uma excepção do que a regra. Temos, pois aqui, maioria e oposição porque a cor da política em Portugal é policroma, não é a preto e branco, nem muito menos a cinzento.
Analisando o comportamento da Oposição, a primeira dificuldade vem de esta atravessar uma crise de identidade e de afirmação. Está crise é também, um problema nosso porque, à falta de forças próprias e de análise autocrítica, a Oposição gera ficções são as teses sobre o «estado-laranja», sobre a «ditadura da maioria» e sobre a existência de uma «hegemonização» da vida nacional pelo PSD.
Todas estas teses são uma afirmação da própria fraqueza e incapacidade política; da disfunção entre os programas e ideias propostas pela Oposição e a sensibilidade e a vontade da maioria dos cidadãos, da progressiva separação entre os problemas postos pela sociedade e pela vida pública e as soluções apresentadas pela Oposição. Nenhuma dessas teses tem qualquer coisa a ver com a descrição da realidade.
Atribuir à maldade dos outros a fonte da própria fraqueza é uma fuga às responsabilidades e, incidentalmente, uma das causas profundas da crise da Oposição. Na verdade, não é um qualquer «estado-laranja», ou uma qualquer manipulação ou cerceamento das liberdades públicas que explicam os insucessos da Oposição. Todos os instrumentos políticos de oposição, todos os meios legítimos de a exercer, estão à disposição de quem os quiser ou souber utilizar. Se não são bem ou eficazmente utilizados, isso não é nosso problema, a não ser na medida em que um empobrecimento da capacidade virtual da Oposição é também um empobrecimento da qualidade da política em geral. Não cabe ao PSD actuar para ter uma oposição diferente da que tem. O melhor, que um partido de Governo pode fazer pela sua oposição é combatê-la tal como é e se manifesta,, ou combater o lugar dela se estiver vazio. Não, como é óbvio, por ser oposição, mas sim .pela inadequação das suas propostas ao entendimento que temos e o eleitorado que nos elegeu, do que é o bom governo e o bem público.
Dito isto, há que rever as presumíveis razões da Oposição, para saber se as tem e quanto valem. A oposição vive de três coisas - a saber: das diferenças de opiniões que são indissolúveis numa sociedade democrática, das dificuldades de governar e, por último dos erros da governação: Felizmente para todos os erros propriamente ditos nada pesam na economia do discurso, da Oposição; pelo que restam as dificuldades e as diferenças de opinião. Muitas das dificuldades de governar em Portugal são objectivas - existiram, existem e existirão qualquer que seja o governo. Têm a ver com tradicionais atrasos estruturais que se estendem por toda a história moderna da nacionalidade e que foram agravados com 48 anos de ditadura política e dois de instabilidade revolucionária; O efeito deste longo período de anormalidade foi distorcer todos os instrumentos de actuação disponíveis a uma governamentação democrática. Gerou-se assim uma configuração da economia, da sociedade e do estado feita de dependência onde devia haver dinamismo risco de crescimento burocrático onde devia de haver, eficácia das instituições. O Estado é fraco onde devia ser forte e é excessivo onde só deveria existir residualmente. É em particular inadaptado à prossecução de políticas que não sejam de mero remendo, como é caso das reformas de estrutura recentemente aprovadas.
Mas, se falamos de dificuldades não é para servir de pretexto a qualquer desresponsabilização, mas sim por rigor de análise. Porquê, se os objectivos dependem da determinação política e essa permanece integral, o tempo e o modo já dependem de factores de ordem estrutural e do comportamento de outros factores do sistema político -- como é o caso da vontade de concretizar o processo de revisão constitucional que é essencial para a realização de um programa de reformas.
Analisando os temas que a Oposição mais tem agitado nos últimos meses chega-se à interessante conclusão de que quase todos eles foram de uma forma ou outra, introduzidos na vida política nacional pelo PSD. Incapaz de encontrar em si própria uma voz alternativa, dominada por um sentimento interior de afastar mento das suas propostas face à vontade do eleitorado, a Oposição tem tentado recuperar esses temas, convencida de que poderia retirar deles algum proveito próprio. Procede como os generais da segunda guerra mundial preocupados em ganhar as batalhas da primeira, com técnicas e métodos então vitoriosos, mas que depois se revelaram inadaptados.
É o caso do slogan de que o Governo e o PSD declararam guerra à «classe média». É interessante ver esta preocupação pela «classe média» vinda de partidos que sempre se reclamam de ser «de trabalhadores» como o PS, ou da «classe operária» como o PCP, ou ver um dirigente do CDS afirmar a insensatez de que o PSD «não quer que os portugueses tenham carro e casa».