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3244 I SÉRIE - NÚMERO 67

Estas são pois as minhas preocupações. Não é que me repugne a consagração expressa de um direito à diferença só que, no meu entender, ela não é necessária.
Por outro lado, há um problema em relação ao qual nos sentimos limitados e que tem a ver com o facto de não conseguirmos prever quais são as consequências concretas da introdução deste preceito, quer a nível legislativo quer a nível de facto e de actuação concreta das próprias entidades publicas.
Portanto, é a suficiência do Direito, sobretudo a filosofia que lhe subjaz e as claras manifestações que já temos dessa filosofia, que me levam a expender estas considerações no sentido de que não será assim tão necessário uma inovação como a que é proposta. Isso não significa, repito, que não deixe de fazer uma grande homenagem ao brilhantismo e ao entusiasmo com que o meu colega de bancada, Dr. Pedro Roseta, fez a sua defesa.

O sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Sr. Almeida Santos (PS): Sr. - Presidente, peço a palavra para interpelar a mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, apenas para anunciar que vamos apresentar uma proposta do seguinte teor: no fim do n.º 1 do artigo 26.º deve constar o seguinte aditamento «e ao livre desenvolvimento da personalidade».

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já é alguma coisa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agrada-me extraordinariamente ouvir a defesa do direito á diferença. Efectivamente, onde não há direito à diferença, entenda-se à divergência, não há liberdade. A garantia do direito à diferença está contida na garantia do direito à liberdade, tão somente, e o direito à diferença encontra-se garantido na Constituição Portuguesa e esta garante a liberdade.
Em relação a aspectos semanticamente mais recentes, poder-se-á dizer que o direito á liberdade decorre também do direito à intimidade. Por consequência perguntar-se-ia: «Onde é que está o problema? Por que razão é que se trouxe, em termos confusos, uma questão sobre a qual existe norma clara?» Bem, dir-se-á que a questão não é tão clara como isso e, portanto, justifica-se que o assunto seja discutido como está a ser.
Estou de acordo com o Sr Doutor Costa Andrade quando ele disse que não sabia qual era o significado da consagração constitucional do direito à diferença. Ora, todos nós sabemos, qual é o referencial cultural do direito à diferença, mas não sabemos o que é que isso significa em termos de linguagem jurídica, muito menos em termos de expressão constitucional.
Mas, já agora, permitir-se-ia dar uma pequena ajuda ao Sr. Deputado Pedro Roseta, dizendo-lhe o seguinte: V. Ex.ª pretende certamente, garantir o direito à homossexualidade. Bem, mas se é assim, então proponha e nós discutiremos essa proposta, porque de outro modo corremos o risco de estar a apreciar não a proposta de direito à homossexualidade mas, apenas, a proposta de direito à toxicomania. E, se assim for, desde já lhe digo que sou contra o reconhecimento do direito à toxicomania grave, pelo que é importante saber se estamos a dizer «sim» a direitos de toxicomanos graves - e outros exemplos poderiam dar-se.
Seria de aceitar que alguma norma constitucional possa ser utilizada no sentido de impedir um médico de tratar uma esquizofrenia? Efectivamente, não sabemos o que é o direito à diferença em termos de norma constitucional e a prova disso é que mesmo V. Ex.ª fez uma translação estraordinária, embora tenha feito uma explanação filosófica com um alcance que transcende a minha capacidade de apreensão e que, portanto, não vou comentar.
V. Ex.ª citou o segundo princípio da diferença de Rawls, ou seja, «o princípio da justiça segundo o qual os bens materiais podem ser distribuídos diferentemente». Gostaria de lembrar que o primeiro princípio da justiça refere «casos em que se admite o direito à desigualdade na distribuição de bens materiais.» Ora, a partir do segundo princípio da diferença de Rawls - e este é também, utilizado na jurisprudência dos tribunais americanos -, o que é que V. Ex.ª tira? Tira o direito à diferença como se entre o segundo princípio da d8iferença de Rawls e o direito à diferença, tal como culturalmente corresponde às preocupações que aqui estão a ser suscitadas, houvesse algo de comum.
Enorme ambiguidade, mesmo no plano das referências culturais mais claras e inequívocas, pois quem é que não conhece Rawls? Quem é que não sabe o que é o segundo princípio da diferença? Não o sabe, por exemplo, o Sr. Deputado Pedro Roseta, que nos vem aqui argumentar com ele.
Pois bem, devemos evitar também que os nossos magistrados tenham de fazer investigações profundíssimas no domínio da filosofia para saber o que é que nós tinhamos escrito, se porventura viermos a introduzir este direito na Constituição.
Quanto a mim - e é por esta razão que uso da palavra -, ao introduzirmos esta norma, o que poderá estar em causa é o direito a certas desigualdades que não são aquelas que Rawls defende mas, sim, as outras, designadamente o direito a privilégios que sectores da sociedade invocariam como fundamento de que têm um valor diferente. Por exemplo, confissões religiosas, que pela importância quantitativa dos seus crentes possam reivindicar, por decurso do direito à diferença, o direito de serem tratadas diferentemente em razão da diferença que resulta da importância qualitativa acrescida da sua influência na sociedade.
O que eu receio, pois, é que este direito à diferença, que tanto agrada ao Sr. Deputado Herculano Pombo, seja afinal, interpretado no sentido e esse muito mais consentâneo porventura com um personalismo que inspira o Sr. Deputado Pedro Roseta, de fundamentar e abrir inviamente o caminho a uma fundamentação do direito ao privilégio.