19 DE OUTUBRO DE 1989 43
dados pessoais informatizados e respectiva interconexão e ainda ao direito à proibição de tratamento de certo tipo de dados pessoais.
Contudo, estes direitos têm carecido de regulamentação adequada, de forma a alcançarem uma garantia efectiva, apesar de, como direitos fundamentais, serem, directamente aplicáveis e vincularem, desde logo, as entidades públicas e privadas.
As diversas iniciativas legislativas que visaram proceder à redacção e regulamentação deste artigo constitucional, por razões diversas, não tiveram, até hoje, sucesso.
Porém, esta matéria é de fundamental importância e não pode continuar, como até aqui, carecida de legislação, adequada. Aliás, em vários países foi já objecto de regulamentação cuidada ao nível da legislação ordinária.
Estando em causa a afirmação de novos direitos fundamentais dos cidadãos face aos desafios que coloca a inovação tecnológica em matéria de utilização da informática e do tratamento automatizado de dados pessoais, é essencial que sejam tomadas medidas rápidas e fundamentadas.
O ritmo vertiginoso das mutações tecnológicas, o cruzamento de conhecimentos e a sua constante fertilização impõem respostas, também elas adaptáveis e céleres, de modo a inserir a utilização da nova tecnologia de informação num quadro jurídico que, ao mesmo tempo, salvaguarde os dados de carácter pessoal e permita o livre desenvolvimento da inovação.
O tratamento automatizado da informação, independentemente da tecnologia utilizada, é um meio de inestimável utilidade na exploração de dados nos mais diversos domínios, sejam estes no âmbito científico e tecnológico ou na sua aplicação mais específica no âmbito da identificação pessoal, seja ao nível sanitário, criminal, fiscal, de segurança social, policial, penitenciário ou outros.
Mas a utilização destes dados pela informática não é inócua e pode constituir uma grave ameaça à vida privada e aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente aos direitos da personalidade.
A questão central que, neste plano, se coloca tem a ver com a natureza dos dados passíveis de serem recolhidos; a limitação da sua utilização; obviando, nomeadamente em geral, à interconexão dos ficheiros dispersos e garantindo condições de segurança e actualização dos dados cuja recolha é autorizada, assim como o acesso geral dos cidadãos aos seus dados pessoais, salvo em limites mínimos constitucionalmente precisados, no caso as matérias de «segredo de Estado e de justiça».
Ao assinar, em 14 de Maio de 1981, a Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, do Conselho da Europa, aberta à assinatura dos Estados membros a 28 de Janeiro desse ano, o Estado Português colocava-se, então, tempestivamente, no sentido da evolução histórica que, nesta matéria, as «linhas directrizes regulamentadoras da protecção da vida privada e dos fluxos transfronteiras de dados de carácter pessoal», aprovadas pelo Conselho de Ministros da OCDE em 23 de Outubro de 1980, já delineavam.
O processo não teve, porém, entre nós, a sequência necessária e a Convenção do Conselho da Europa continuou, desde então, por ratificar, na ausência do cumprimento da exigência, que ela própria contém, de serem adaptadas pelos Estados soluções legislativas internas que viabilizem as medidas necessárias à aplicação dos princípios básicos para a protecção de dados de carácter pessoal.
É certo que várias iniciativas legislativas tiveram lugar entre nós em todas as legislaturas, mas por razões várias não alcançaram a consagração legislativa, ainda que algumas delas tivessem obtido votação favorável, na generalidade, do Plenário da Assembleia da República.
A grave situação a que a omissão legislativa conduziu, inviabilizando o pleno cumprimento do artigo 35.º da Constituição da República, levou a que o Provedor de Justiça requeresse ao Tribunal Constitucional e que este declarasse, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade por omissão, pelo facto de a Assembleia da República não ter dado cumprimento às imposições constitucionais legiferantes estabelecidas nos n.ºs 2 e 4 do artigo 35.º
No seu Acórdão n.º 182/89, de 2 de Março, o Tribunal Constitucional decidiu «dar por verificado o não cumprimento da Constituição, por omissão da medida legislativa prevista no n.º 4 do artigo 35.º, necessária para tornar exequível a garantia constante do n.º 2 do mesmo artigo».
Isto é o Tribunal Constitucional veio exprimir perante a Assembleia da República que sem uma lei mediadora que definisse o «conceito de dados pessoais para efeitos de registo informático» e sem se saber quais são esses dados pessoais proibidos não era, como não é, possível proibir com rigor o acesso a eles.
Uma proibição sem conteúdo preciso é uma autorização disfarçada ou que como tal pode funcionar.
O Partido Socialista, ao tomar esta iniciativa legislativa, fá-lo com a consciência da necessidade de cumprir uma exigência do Estado democrático e ,com a convicção profunda de que o regime tem de alicerçar-se em instrumentos jurídicos fundamentais em que o cidadão «individual» seja o actor decisivo de uma nova ética social.
Creio que nesta matéria todos teremos de ser humildes, e lamentar que, por vicissitudes várias, não haja uma lei adequada mediadora do texto constitucional respeitante à protecção dos dados pessoais pela informática.
Na ausência de disposições legais com aplicabilidade, praticamente o que existiu foi o salve-se quem puder. Cada um ia fazendo o que podia e, no fundo, podia fazer quase tudo. Das instituições públicas às privadas, e na ausência de contornos definidos,- foram-se organizando ficheiros e bancos de dados sem qualquer controle por entidade independente e para o efeito legitimada.
A iniciativa legislativa que apresentamos está, evidentemente, numa matéria de tal relevância e melindre, aberta a todos os contributos no sentido de se alcançarem as melhores soluções para a protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
É certo que o projecto que apresentamos já incorpora um significativo acervo de experiências e soluções ensaiadas, o contributo trazido ao debate democrático pelas propostas anteriores, sua crítica e, ainda, a nova configuração constitucional do artigo 35.º decorrente da revisão constitucional.
Se é certo que os princípios identificadores do projecto se reconduzem, à Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, de Janeiro de 1981, também hoje já podemos aproveitar, neste domínio, do estudo de avaliação preparado pelo Comité de Experts sobre a Protecção de Dados, sob a égide do Comité Europeu de Cooperação Jurídica, publicado recentemente em Estrasburgo, relativo à avaliação do impacte das novas tecnologias em confronto com as regras fixadas na Convenção (para a protecção dos dados).