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19 DE OUTUBRO DE 1989 47

E há, é claro, a ficha da multa, a ficha das armas, a ficha das viaturas, das cartas de condução, dos livretes, dos cadastros, dos medicamentos, das receitas, das contribuições, dos impostos. Há, até, desde há meses, a ficha dos serviços secretos, públicos e privados, complementada com fotos, gravações escaldantes ou não, e outras tormentosas intrusões que fazem pública a vida privada e podem rasgar caminho ao escândalo político a um gesto do chefe.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Falta a ficha da ficha.

O Orador: - A verdade é que para certos olhos, Srs. Deputados, certos olhos que nos olham, nós somos transparentes. A central que controla os cartões com que nós tiramos dinheiro daquelas caixinhas que proliferam hoje pelas ruas sabe os movimentos todos da nossa conta, dá-nos e tira-nos o crédito, toma-nos candidatos a cartões de ouro ou a jejum de cartão. Quem tem acesso à central que domina - esses movimentos, quem consulta sem vestígios essas coisas que fazemos, quando fazemos e podemos fazer?
O ministro Cadilhe, por exemplo; homem austero e espartano, como todos sabemos, tem todos os dias de resistir à suprema tentação de não usar para outros fins tudo o que sabe de nós. Há o novo banco de dados fiscal sediado ali, por mero acaso, ao pé das Amoreiras... Através da ficha fiscal; o Dr. Cadilhe pode saber...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E divulgar.

O Orador: -... se pagamos sisa, que rendimentos é que declaramos e não declaramos, quantas multas pagamos, quantos contos pagos e não pagos, quantos filhos, quantos casamentos, que idade têm os meninos neste momento, quanto nos custou a doença, quantas casas temos, o que vendemos, damos, poupamos... Tudo está na ficha! A máquina do Dr. Cadilhe custou cerca de 1 milhão de contos. Pode cruzar, relacionar, comparar informações respeitantes a mais de 20 impostos, abrange todo o território nacional e todos os contribuintes. Há garantias de que esta máquina, cujo uso provecto, honesto e isento pode servir para combater a evasão fiscal, sirva só para nos impor os impostos que devemos? Existem garantias de que não haja devassas indébitas? Fizemos um requerimento sobre essa matéria. A resposta publicada no Diário da Assembleia da República deixa-nos as maiores inquietações, até porque, Srs. Deputados, há tempos, numa conferência feita no Porto, num certo bairro, num bairro de bom-tom, o Sr. Ministro Cadilhe, na qualidade de Dr. Cadilhe, foi dizendo que certos dos seus adversários que lhe criticaram a fuga ao fisco têm uma casa na Quinta da Marinha em tal ou tal situação, um andar aqui ou ali que merece esta ou aquela crítica do ponto de vista fiscal, que podem sofrer esta ou aquela sanção, que ele, ministro, ele ali, doutor, se reserva o direito de usar ou não usar «consoante...». E neste consoante com três pontinhos à frente vai obviamente toda uma ameaça! A boa pergunta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é: quem vela contra tais abusos?
Pensemos na área da justiça. O Sr. Ministro todos os dias se gaba de que os tribunais se estão a informatizar. É verdade que alguns tribunais estão a cair. e precisariam de alguns equipamentos mais modestos antes do que quer que fosse. Mas é verdade também que temos computadores nesta área. Em matéria de aplicações do domínio registai temos mais de 10 650 000 registos de identificação civil; em matéria de registo criminal, mais de 400 000 cadastros; em matéria de registo nacional de pessoas colectivas, mais de 1 100 000 registos; em matéria de registo automóvel, mais de 1 550 000 registos referentes a veículos inscritos na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa. Há também o registo de óbitos, o registo de reclusos, os registos dos tribunais de polícia, os registos da Polícia Judiciária, há o ficheiro das pessoas a procurar, o ficheiro das multas, etc.
E as garantias, Sr. Presidente e Srs. Deputados? A garantia de que o acesso a tais registos se faz apenas para aqueles que deles precisam, para efeitos de interesse público?
Se pensarmos em outro tema, nomeadamente em informática e saúde, pode ser que algumas almas atentas pensem logo na forma como foram comprados os equipamentos informáticos do Hospital de São Francisco Xavier. Não é disso que vou tratar aqui. A questão aqui, hoje, é quem controla os dados sobre a nossa saúde..., porque há dados sobre a nossa saúde nos computadores do Ministério: quem está doente, de que doença e se foi tratado, quem tratou, com que terapêutica, com que resultado, se, por exemplo, o político F ou G frequenta este ou aquele hospital, se foi tratado disto ou daquilo, se passou pelo Miguel Bombarda ou pelo Júlio de Matos (e não só para observar a famosa questão das vendas!...).
Pensemos nessa invenção recente que é o sistema de código de barras em matéria de saúde. Este sistema permite determinar o perfil de prescrição de cada médico, o tipo de posologia, os consumos e os doentes. Isto pode servir para muitas coisas, por exemplo, para uma gestão prudente, mas pode também servir para o Estado diminuir á comparticipação dos medicamentos de mais largo uso -,e isso é pérfido, é perverso! Também pode servir para criticar e pressionar as práticas prescritivas de certos médicos quando superiores à média nacional - e obviamente isso é grave!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nem podemos dizer que o perigo só venha do Estado, porque há bancos de dados privados. Pensemos nas sociedades privadas que vigiam os nossos cheques e que têm o extraordinário poder de, por um simples erro ou semelhança fatal, pôr o nosso nome no índex dos caloteiros, aqueles de que cujos cheques se foge como se da SIDA. Essas listas, Srs. Deputados, são vendidas. O list broaking, como se chama, converteu-se num ramo negocial de futuro...
Obtidas as listas, os magos do software fazem o resto: cruzar os nomes dos possuidores de certos carros com faixas etárias dá potenciais consumidores de certos produtos, de certos serviços; cruzar as profissões e as idades revela muito sobre as apetências a explorar pelo chamado direct marketing, cujo volume de negócios disparou nos Estados Unidos e começa a disparar na Europa das comunidades.
Em suma: sem sabermos, o nosso nome é vendido em listas para vendedores por telefone, por via postal, a comerciantes ou partidos políticos, sorridentes ou não, que nos aparecem em casa num belo dia de manhã, à tarde ou à noite, não sabemos como. Mas isso significa que o nosso nome está na ficha, está no banco de dados. Sem controlo!
Em síntese, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, estamos fichados!