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19 DE OUTUBRO DE 1989 51

os não juristas á praticabilidade do acesso a leis que gradualmente deveriam fazer pane do seu quotidiano e da sua «aparelhagem cívica», como, por exemplo, no caso do direito do consumo, transformou-se em irremediável utopia.
A ideia que o pragmatismo norte-americano incluiu no american dream de que as leis deveriam, tanto quanto possível, estar ao alcance e para a compreensão de todos - ordinary text to ordinary people - paira em nuvens que nunca deram chuva. E daí a legal pollution de que em 1983 falava Auerbach no seu quase clássico Justice without law? Uma poluição legal de que despontou uma nova doença: a hyperlexis.
Com uma imagística mais meridional, não se cansam os Italianos de fustigar a «orgia de legiferazione», que corre paredes meias com a hipertrofia da intervenção da Administração e com o correlativo peso da burocracia. Mas, num notável estudo publicado em 1982, no tomo 27 dos Archives de Philosophie du Droit sobre «Inflação legislativa», insiste Nicolas Nitsch numa faceta que é tão universal como as demais. Trata-se da proliferação das «leis espectáculo», editadas, designadamente, com objectivos eleitoralistas, apenas para impressionar a opinião pública, independentemente da sua efectivável praticabilidade.
Claro está que da cálida congregação destes factores, e da expansão do fenómeno, advém, como imparável resultante, a desvalorização da regra de direito, a fragmentação e a desconexão do sistema jurídico, convertido naquele «direito em migalhas» (droit en miettes) de que tão impressivamente falava André Tunc.
Só que há que separar o trigo do joio e que estabelecer algumas necessárias precisões.
Antes de mais, e aqui estou de acordo com o Sr. Deputado Carlos Encarnação - que, entretanto, não está no hemiciclo, ou, se está, está fora do lugar -, será um erro crasso confundir o descrito fenómeno com uma exacta e inevitável descodificação. A descodificação, em síntese, não é em si mesma um mal. É uma estupidez, pura e simplesmente, alguns autores dizerem que a descodificação significa a tal pulverização das leis, o tal direito em migalhas, que há pouco referi.
A descodificação, aquilo a que já se chamou - e cito Natalino Irti, que é um notável jurista italiano- l'età delia decodiflcazione, é um produto da nossa época. É o tal direito penal secundário a que se reportava o Sr. Deputado Carlos Encarnação. É, por exemplo, o direito do consumo em determinadas vertentes.
Há certas áreas do direito e é a elas que me vou agora referir, que não consentem uma codificação napoleónica.
Ponhamos por vezes de lado a pandectística do século XVIII que transitou para o século XIX, sob os auspícios de Napoleão, e encaremos, na realidade, a vida, o nervosismo da vida, a necessidade de adequação da norma à vida. A norma não se pode distanciar da vida. A distância tem de ser vencida por aquela permanente engenharia social, que faz que a norma, fundada, embora, em valores e regras perenes - como diria Manuel de Andrade «sem que haja perdição dos antigos valores» - esteja adequada à realidade actual.
É, portanto, por essa razão que direi que o fundamental é que se saiba usar, na justa medida, desta necessária descodificação, desta necessária edição de normas avulsas, quando elas servem, fundamentalmente, para tornar mais coerente, mais sistemático, mais organizado e mais ordenado um sistema global. Este, até certo ponto, o caso dos direitos de autor.
Acresce, por outro lado, que o pendor para uma exacta dose de desregulamentação, sobretudo no campo do direito económico, não poderá ser sobrestimada. Se é certo que o mercado, como justificaram Hayek e os seus seguidores, tende a criar uma ordem «espontânea», um ajustamento natural - de acções e comportamentos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É sensato...

O Orador: -... não menos certo é que o Estado não se poderá isentar de uma tarefa «reguladora», embora não absorvente e tetanizante.
Nos países em que uma estratégia de desregulamentação tem sido considerada como uma pedra-de-toque das políticas económicas, tem-se visto que tal estratégia é levada a cabo à custa de novas regulamentações, embora, porventura, mais flexíveis e, por assim dizer, menos «intervencionistas».
Como anota Jacques Chevalier num estudo que não me dispenso de revelar a proveniência (Revue du Droit Publique, n.º 2 de 1987), o relativo declínio de certas formas tradicionais de regulamentação tem sido compensado por novos vectores de regulamentação; assim, como exemplos típicos, o caso do direito de consumo e o caso do direito da informática. Aliás a construção europeia, pela mesma, desmantelando algumas frentes normativas nacionais, vai criando uma regulamentação comunitária, que é, ela própria, avulsa em relação aos grandes códigos nacionais, sendo essa regulamentação de aplicação directa.
De qualquer modo, e tudo isto dito e bem pensado, o que não sofrerá dúvida é que o sistema jurídico não comportará espaços em branco, quando eles devam ser preenchidos.
Ora é este, repito, precisamente o caso de alguns aspectos do direito da informática.
Não é de crer que a protecção jurídica do software, que desde o início dos anos 70 tem ocupado a atenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual e que está a dar causa a uma regulamentação específica, praticamente em todos os países com expressão significativa, deva continuar a ser, pura e simplesmente, ignorada em Portugal.
Isto tanto mais quanto é certo que no Jornal Oficial das Comunidades Europeias veio publicada, em 12 de Abril deste ano, uma proposta de directiva relativa a essa protecção.
E daí o projecto de lei que apresentei a esta Assembleia e que agora vai ser apreciado na generalidade.
Não ignoro que é um tema não inteiramente pacífico, quer na sua formulação, quer nos seus corolários práticos. A própria proposta de directiva tem sido altamente questionada.
Portugal é um país caracterizadamente importador de software. Parece, assim, desde logo, de ponderar quais as incidências que o novo sistema de protecção jurídica - vasado no modelo comunitário - terá na utilização do software para fins pedagógicos, sabido como é que aquele que é utilizado em certos meios universitários, sobretudo em micro-computadores, não se enquadra em prescrições legais, pois é um software «pirata», como se costuma dizer.
Estaremos, então, na fase de opção do processo legislativo, que é sempre tributária de um processo de decisão política. Para este aspecto convoco a atenção de todos os Srs. Deputados.