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398 I SÉRIE-NÚMERO 14

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar hoje de Lisboa é falar de uma cidade que se foi construindo, particularmente nas últimas décadas, como uma grande cabeça de um corpo mal organizado que é a região ou área metropolitana de Lisboa, que dela depende em grande parte e com a qual estabelece um complexo conjunto de interacções que se reflectem, para bem e para mal, no quotidiano dos que aqui vivem e trabalham.
Perante a situação a que se chegou, há mesmo quem defenda a ideia que Lisboa-cidade é hoje uma ficção.
Procurar-se-á afirmar, naturalmente, nesta síntese um tanto metafórica, que não é possível encarar hoje a resolução dos seus principais problemas olhando somente para a área administrativa de cerca de 84 km2 que encerra a cidade capital do País.
Lisboa é hoje, com efeito, um complexo urbano e económico-social que ultrapassa os limites do concelho, não só porque uma grande parte da sua população activa vem diariamente de fora, mas também porque equipamentos, serviços e infra-estruturas que servem a população lisboeta se começam a localizar nos concelhos limítrofes.
Por isso, falar hoje de Lisboa é, naturalmente, discutir e participar nas decisões relativas ao destino, por exemplo, das serras de Sintra e da Arrábida, das praias da Costa da Caparica e da restante península de Setúbal ou da linha do Estoril, ou mesmo sobre a localização suburbana de áreas desportivas e de recreio.
Falar hoje de Lisboa é, assim, também uma preocupação constante com o estuário do Tejo e com o divórcio, cada vez maior, entre a cidade e o rio, com a ineficiência do sistema de transportes públicos metropolitanos - que agrava a afluência de automóveis à capital e exaspera as populações -, bem como com o problema da mobilidade e das acessibilidades à e na cidade de Lisboa e na restante região metropolitana.
É exactamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um destes últimos aspectos que desejo tratar aqui hoje com mais detalhe. Falo, em concreto, do estuário do Tejo e da sua inquestionável importância, o qual constitui, indiscutivelmente, um dos principais factores estruturantes do que é hoje e, principalmente, do que será no futuro Lisboa e a sua área metropolitana.
Afirmo mesmo que o estuário do Tejo deverá ser, muito em breve, um dos elementos estratégicos decisivos para a desejável nova dimensão que importa construir para Lisboa e a sua área metropolitana.
Para tal, no entanto, urge tomar algumas decisões importantes e executar diversas medidas que permitam pôr de pé uma estratégia de preservação, reabilitação e utilização do estuário, que garanta o desenvolvimento de todas as potencialidades económicas, culturais, lúdicas e ambientais deste imenso espaço constituído por uma massa hídrica e um ecossistema de uma riqueza invulgar, que se toca e se articula com 11 municípios e interessa quase directamente a mais de 2 milhões de portugueses.
Há, desde logo, o problema da poluição e, em sentido mais amplo, a gestão da qualidade das águas estuarinas.
Trata-se de uma matéria que, apesar dos esforços técnicos e financeiros que estão a ser feitos por quase todos os municípios ribeirinhos, necessita ser tratada de uma forma mais global, à luz de, pelo menos, três aspectos fundamentais:

1.º Apesar de entrarem, duas suas vezes por dia, no estuário, cerca de 1000 milhões de águas frescas, em resultado das marés e da reoxigenação que provocam, há zonas que apresentam preocupantes índices de poluição doméstica e industrial;
2.º Ao estuário não chegam só águas limpas e frescas do Atlântico; chegam também, de montante, milhões de metros cúbicos de águas que, no seu percurso, recebem enormes cargas poluentes de indústrias e de esgotos domésticos não tratados;
3.º Esta poluição transportada pelo Tejo tem, em boa parte, origem no seu troço português e, de forma muito significativa, no troço espanhol do rio, incluindo potenciais fontes de poluição radioactiva, como é sabido.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para termos um estuário despoluido e ecologicamente equilibrado serão indispensáveis os esforços que actualmente fazem os municípios ribeirinhos para se equiparem no sentido de tratarem os seus esgotos. Podem mesmo avançar ainda mais e coordenar e articular entre si o funcionamento de tais órgãos, através de acções de cooperação intermunicipal. Ver-se-ão, no entanto, prejudicados se, quer na zona do estuário quer para montante, outros continuarem a usar, abusivamente, em seu proveito, o bem público constituído pelos recursos hídricos da bacia do Tejo, rejeitando aí as águas residuais resultantes da vida comunitária ou de processos industriais instalados.
E quanto à poluição transfronteiriça vinda de Espanha?
É conhecida alguma iniciativa concreta para negociar com Espanha a introdução de critérios de qualidade no «velhinho» convénio luso-espanhol de repartição das águas dos rios internacionais? Para quando tal iniciativa que devia ter sido tomada ontem?
Só encarando esta problemática desta forma integrada e séria, no âmbito de toda a bacia hidrográfica do Tejo, terá pleno sucesso qualquer estratégia de gestão adequada da qualidade das águas do estuário. Tenho sérias dúvidas que se esteja a caminhar neste sentido quando, ainda recentemente, o Governo tomou decisões sobre as administrações das bacias hidrográficas em que recusa a participação dos municípios nos seus órgãos executivos, contra o parecer expresso desses mesmos municípios.
Pôr de pé esta nova estratégia de gestão do estuário é, aliás, um passo indispensável para que as áreas ribeirinhas do Tejo possam ser organizadas e transformadas em zonas de lazer, lúdicas e culturais, associadas com as actividades portuárias que, particularmente em Lisboa, devolvam o rio à cidade e a cidade ao rio.
É que, para além de uma relação, rara e de grande beleza, que se pode estabelecer entre a cidade e o rio, a zona ribeirinha de Lisboa contem uma carga histórica e um património edificado de importância nacional e internacional que constitui uma riqueza específica de Lisboa, a valorizar na perspectiva da melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes e de capital europeia e atlântica que anseia ser.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para falar de Lisboa e do estuário importa fazê-lo ainda de uma forma mais ampla.
O Tejo, para além do seu enorme valor ambiental, económico, cultural e paisagístico, não pode ser entendido como o rio que separa as duas margens. A meu ver os rios não separam, unem, ligam, aproximam, e é isto que temos de levar às últimas consequências, aqui e agora.
O Tejo tem-no feito, primeiro só através do transporte fluvial e, mais tarde, com a Ponte de 25 de Abril.
Hoje isso é já manifestamente insuficiente. A grande Lisboa, a área metropolitana de Lisboa, estende-se, imparavelmente, também para a margem sul. As inter-relaçõcs com a capital são cada dia mais intensas e mais importantes. São a habitação, o emprego, o estudo, as