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13 DE JANEIRO DE 1990 1107

Foi assim que o génio português foi espalhando essa forma peculiar de estar pelas quatro partes do mundo. Numa convivência harmoniosa e plena com gentes de todos os credos e raças.
Foi assim também que, depois de 50 anos de opressão e ignomínia, o povo português se libertou, num pronunciamento popular memorável, não do sangue da vendetta e da révanche, mas do rubro dos cravos e das bandeiras da liberdade.
Somos, assim, sensitivos e lamechas quanto baste; piegas, de emoções à flor da pele; condoídos e humanos como poucos; solidários, reflexivos e, paradoxalmente, barulhentos também.
Assim, tão imbuídos no calor das suas excitações e nos arroubos da sua emoção, os Portugueses raramente ultrapassam os limites dos seus códigos próprios e quase nunca os seus ímpetos transcendem o protesto veemente, a denúncia ferina, quanto não o reproche insolente ou o escárnio trocista.
Somos, então, o que se poderá considerar um povo pacífico, de brandos costumes, como já disseram. Por cá não estamos, pois, muito habituados a todo esse estendal de radicalismos violentos tão comuns noutros países europeus.
Infelizmente, sendo permeáveis a culturas, modos e costumes exógenos, natural será que, de igual modo, se vá importando o que de pior por lá eles têm também. E o rebotalho da sociedade portuguesa raras vezes consegue resistir a mimetismos estranhos, interiorizando práticas que nada têm a ver connosco, com a nossa forma de ser e de estar e com o nosso quotidiano de gente simples e comedida.
E assim que hooligans e skinheads - resultantes directos do anti-septicismo das políticas sociais da Sr.ª Thatcher - também cá chegaram, pervertendo a estabilidade da nossa convivência comunitária. Com eles chegaram a violência e aspectos de desumanidade que nunca antes sentíramos. Por tal razão, perplexos, estranhamos todos. É que se trata de fenómenos tão invulgares, onde se denota uma clara ligação às mais negras centrais da preversão totalitária.
Com eles chegaram, entre outras evidencias, os persistentes ataques de que vêm sendo alvo alguns cidadãos pertencentes a grupos étnicos e políticos minoritários na sociedade portuguesa.
Afigurando-se necessária uma acção de recorte pedagógico e cultural que sensibilize os jovens transviados para os valores do civismo e da convivência, que se não compatibilizam com o aventureirismo violento, mesmo assim se impõe uma redobrada vigilância perante os verdadeiros atentados que, com insistência, vêm sendo cometidos.
Há tempos, foram arruaças e espancamentos na margem sul do Tejo; depois, foi o bárbaro assassínio, em Lisboa, de um dirigente de um partido político de esquerda; a seguir, foram o espancamento de um cidadão galego, no Porto, e, pior, cúmulo da barbárie, o cruel e repugnante crime na pessoa de um jovem mestiço, também no Porto. A vítima, depois de torpe e odienta provocação, feita na base de preconceitos rácicos asquerosos, foi espancada barbaramente. O jovem estudante seria depois colocado inconsciente, pelo grupo de skinheads atacante, em plena via férrea, com o pescoço no carril, na expectativa de que o comboio completasse a sórdida tarefa a que, insistentemente, se entregaram.
Perante o escândalo generalizado, o alarme suscitado e a declaração pública de que as autoridades policiais estavam atentas e actuantes, poder-se-ia esperar por um hiato, um recuo, se não por uma atitude mais moderada e reservada, pelo menos pelo temor da retaliação dos garantes da ordem pública.
Qual quê?... Possuídos de uma soberania desmedida, confiantes numa impunidade que se estranha, os grupos racistas e antidemocráticos continuam à solta no Porto.
Desta vez foi mais outro bárbaro assalto a outros dois cidadãos de cor numa das mais frequentadas artérias da cidade e, ao que os relatos referem, não distante de um agente de autoridade.
O que é isto que acontece num país livre, democrático e europeu, que nunca conheceu tais práticas e intolerâncias? Por que é que isto vem sucedendo e nada parece vir sendo feito de molde a obstar a tal estado de coisas? São perguntas que todos colocam, sem que as respostas surjam coerentes e atempadas.
Urge, pois, que daqui exijamos, enquanto é tempo, que a sociedade portuguesa seja convenientemente defendida de tais excessos, de tal radicalismo e de tal violência.
As regras da convivência social e democrática não poderão ser prevenidas pela actividade de grupúsculos enquadrados em esquemas paramilitares que balizam a sua acção de acordo com as doutrinas mais fundamentalistas, estruturadas em integrismos racistas e em princípios de um nacionalismo bolorento e maniqueísta.
A violência é a sua palavra de ordem, a intolerância, a matriz do seu discurso e a marginalidade, a sua vocação.
Teremos, pois, de estar atemos, mas não poderemos ficar impávidos por muito mais tempo.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ribeiro.

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Talvez alguns Srs. Deputados sintam um certo enfado por, de novo, se vir falar de cheias. Não é nem pode ser esse o sentimento de um deputado eleito pelo distrito de Santarém, pois não pode esse deputado consentir que vá caindo, progressivamente, o silêncio sobre o que aconteceu há dias ou sobre os remendos que se vão atamancando, sobre o alijamento de responsabilidades.
Não podem, este e outros deputados, ficar à espera da próxima cheia para que se saiba que o Governo acusa a Natureza de fenómenos raros e a meteorologia de não cumprir as médias pluviométricas, que, aliás, existem não para serem cumpridas mas como cálculo entre secas e excessos.
Srs. Deputados, ainda ontem, o governador civil de Santarém convocou responsáveis autárquicos e outros na evidente tentativa de liderar o processo e de se fazer o primeiro balanço da actuação de várias entidades, balanço que faz ressaltar dificuldades de coordenação, particularmente entre a protecção civil e os bombeiros.
Por outro lado, o inventário dos prejuízos causados aos agentes económicos e às populações está longe de se encontrar terminado, mas isso não pode servir de pretexto para que o auxílio indispensável não seja imediatamente disponibilizado, embora a não declaração do estado de calamidade pública que as zonas do distrito justificavam seja mau augúrio e o exemplo algarvio em nada tranquilize.