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2 DE FEVEREIRO DE 1990 1369

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Natália Correia pediu a palavra para quo efeito?

A Sr.º Natália Correia (PRD): - Para defesa da consideraçâo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - O meu amigo e Sr. Deputado António Maria Pereira pegou numa breve passagem humorística da minha intervenção usando como preferência a comparação com o abominável humor do Sr. Lê Penn, o que ofende a minha dignidade democrática.
Esqueceu-se apenas de que toda a substância da minha intervenção foi a de contribuir para melhorar o objectivo da protecção do animal, tal como a chamada de atenção que fiz sobre a introdução em Portugal do cruel modelo de caçada à raposa à inglesa:
Esqueceu-se de outras coisas. Ignorou também que eu disse considerar a omissão da recusa ecológica do industrialismo que dizima, por exemplo, com as suas marés negras, a fauna marinha, lesiva da integridade deste projecto de lei.
A isso o Sr. Deputado não respondeu! Só se referiu ao meu humor... e às touradas, vá que não vá!

O Sr. Presidente: -Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Queria dizer à minha querida amiga Natália Correia - amiga de há longos, longos anos -, por quem tenho e tive sempre a maior das admirações, que é óbvio que não há a mais pequena ponta de comparação entre a Natália Correia, que sempre foi uma oposicionista - sempre a conheci como tal -, que o é e que o será, e o que eu citei a respeito do Lê Pcnn.
Aliás, eu dei aqueles exemplos para mostrar como é fácil fazer chalaça a respeito de assuntos sérios.

A Sr.ª Natália Correia (PRD):- Chalaça?! ...

O Orador: - Chalaça, com certeza!... Falar-se em mosquitos naturalmente que é uma chalaça! ...

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Eu não falei em mosquito nenhum!...

O Orador: - Eu citei vários exemplos!... Citei o caso de fazer humor com os negros do Biafra, com o Samora Machel, etc. Há muita gente que faz humor com o Samora Machel!... Há muita gente que fez humor com o atraso dos negros em relação aos brancos!... É sempre fácil fazer humor com assuntos sérios e foi apenas isso o que eu disse. Longe de mim querer comparar a Natália Correia ao Lê Penn, como é óbvio e evidente.
A respeito da ecologia e das suas preocupações, que compreendo e que são também minhas, queria dizer que uma coisa é a ecologia e outra coisa é a zoofilia. Esta lei não é uma lei ecológica, embora, evidentemente, esteja dentro do mesmo comprimento de onda, mas é, especificamente, sobre a zoofilia.
A ecologia, por exemplo, admite perfeitamente que se suprimam grandes quantidades de animais se isso for necessário para o equilíbrio ecológico!... É um problema diferente!... A zoofilia preocupa-se, sobretudo, com o sofrimento e a tortura dos animais. É, portanto, uma abordagem diferente de uma realidade que, no entanto, é complementar da ecologia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Animais Humanos e não Humanos: É chegada a vez de apresentar o projecto de lei do Partido Ecologista Os Verdes e oferece-me dizer a este propósito que, infelizmente, não tivemos, todos nós, os intervenientes neste debate, a sorte de o mesmo ter decorrido a horas úteis. Portanto, leremos de fazer um debate talvez mais interessante e mais eficaz em sede de comissão, pelo que, desde já, nos predispomos a solicitar a baixa à comissão dos dois projectos, onde ambos poderão ser trabalhados, de forma que deles resulte uma lei justa e dignificante para aqueles que aqui trabalham a esta hora.
Dizia, a este respeito, Plotino que a "humanidade se encontra suspensa a meio caminho entre os deuses e os animais". Sabemos hoje que quanto mais nos aproximamos dos deuses mais compreendemos e reconhecemos a nossa condição animal. E desde a herética doutrina darwiniana da evolução das espécies até a dogmática proclamação de João Paulo II de que todos os animais tem alma, mediou tão-só uma escassa centena de anos. Este rápido desfazer dos etéreos muros que pretendiam isolar-nos das outras espécies deve-se certamente à evolução da fantástica inteligência humana, mas também, e sobretudo, à científica humildade de reconhecermos que a nossa continuidade como espécie viva depende em absoluto da continuidade e vitalidade de todas as outras que partilham connosco este grão de poeira cósmica onde o milagre da vida quis acontecer.
Assim o compreendeu e escreveu Miguel Torga no seu livro Bichos onde, por entre o moribundo perdigueiro a quem a morte veio arrancar da recordação feliz da última caçada e o burro do almocreve a quem os lobos rilharam o coração traído, lá nas serranias de Vila Pouca, nos surge a figura de mulher altiva de Madalena, obrigada pela moral dos homens a parir o filho do seu pecado por entre giestas e penedos, uivando como um bicho crucificado. Todos somos, afinal, animais!
E se ainda assim havemos de encontrar diferença que vá para além do grau da capacidade de abstrair ou de comunicar ou ainda de acumular e usar informação extra-genética ou mesmo extra-somâtica, agarremo-nos ao que aqui nos trouxe hoje, ou seja, à faculdade de criar regras que a nós mesmos impostas os protejam a eles, aos outros animais.
Foi isso que quisemos fazer, os deputados ecologistas, ao apresentamos o projecto de lei de bases de protecção aos animais não humanos. E, desde logo, a sua designação, merecedora de rasgados e irónicos sorrisos, carece de uma pequena explicação - é que se queremos legislar com rigor devemos basear-nos em conceitos rigorosos e socorrer-nos de expressões de significado moderno e universal, e a expressão "animais não humanos" é hoje correntemente aceite e utilizada pela comunidade científica mundial e mesmo pelos relatores e legisladores comunitários.