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4 DE JULHO DE 1990 3203

cão n.º 14/V, do PCP, que promove um debate sobre política geral, centrado no agravamento das desigualdades na sociedade portuguesa e as políticas necessárias para lhe fazer frente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma interpelação centrada nas desigualdades, assim como as políticas para lhes fazer frente, pode parecer que tem a imensidão oceânica dos problemas de um povo e de um país.
Para nós, PCP, a questão poderia ser simplificada se, nestas intervenções iniciais e durante o debate, nos limitássemos a fazer o levantamento e a denúncia das desigualdades hoje existentes na sociedade portuguesa, sustentadas pelo conhecimento da realidade aprofundada pelo trabalho prévio que realizámos na preparação desta interpelação. Bastaria uma mão cheia de exemplos para termos sucesso! Importará, no entanto, curar dos efeitos, mas saber das causas.
Que valores e ideias são hoje promovidos pelo governo PSD e em que quadro económico os desenvolve? Que concepção tem ou que dimensão concreta dá ao valor da solidariedade?
Encontremos pontos de partida!
Estamos em época de crescimento económico. As publicações do Departamento Central de Planeamento sustentam que existiu um aumento de 5,4 % no produto interno bruto e um aumento da produtividade de 3,7%.
No plano dos valores, a ostentação do luxo é promovida a um nível chocante e ampliada nos mass media. Fomenta-se a ideia do youppie, do homem de sucesso, do jovem empresário, da geração do «eu». No entanto, contra a corrente, surgem estudos, estatísticas e declarações de personalidades e de instituições, a demonstrar o surgimento de novas bolsas de pobreza.
O Governo, por opção ideológica e de classe, definiu a sua concepção de Estado mínimo: privatiza as empresas e a terra, serviços de saúde e da segurança social; afirma-se pelo primado absoluto do mercado e da livre concorrência. Desprotege quem devia ser protegido, nomeadamente na segurança social e na estabilidade do emprego, mas assume, como assumiu no pacote laboral, na definição dos serviços mínimos nas greves dos transportes e nos processos de requisição civil, um carácter altamente intervencionista.
Com frequência usa a palavra «solidariedade». E, no entanto, face às sequelas da sua política e às medidas que toma, quase reduz a solidariedade à caridade!
Afinal, menos Estado para quem?! Melhor Estado para quem?!
Na certeza de incomodar algumas consciências sociais-democratas, vale a pena citar Allmann, um conhecido desiludido do neo-liberalismo. Considerava ele que este «limita-se a alimentar uma atmosfera conservadora sem ideias, um crescimento sem objectivos, uma Europa sem alma» e, acrescentava, «visa animar alguma embaraçosa regulamentação social, apoderar-se dos sectores controlados pelo Estado, controlar directamente o Estado, para, por fim, pôr o tesouro público ao serviço das empresas privadas».
Interessante caracterização esta quando transportada para a nossa realidade...
Para este governo gestionário e para os seus tecnocratas, existe eficácia porque são concretos, isentos de preconceitos, de paixões e sonhos; usa com mestria todos os indicadores económicos que evidenciam as evoluções de que dependem a prosperidade da sociedade e o bem-estar dos cidadãos.
Mas não estamos perante um governo neutro.
Hoje, o Primeiro-Ministro já não pode fazer o desafio que fez na campanha eleitoral de 1987, quando desafiava o povo português a adivinhar qual era a sua ideologia. Isto porque fez opções ideológicas na razão directa de opções de classe que se repercutem na sociedade portuguesa.
Voltemos aos pontos de partida. Já referimos o aumento do PIB e da produtividade. Porem, os salários reais ilíquidos, a nível de média nacional, apenas registaram uma melhoria de 1,8% e, em lermos de aumentos reais, os aumentos registados nos salários foram menos de 50% dos aumentos da produtividade e apenas um terço do aumento da produção nacional.
É um facto que a produção nacional aumentou em 1989. Mas a parte de leão desse aumento não foi para os produtores de riqueza, não foi para os trabalhadores, mas sim para os detentores dos meios de produção, os que recebem os lucras!
Esta situação não é, aliás, exclusiva de 1989. Ela é visível na evolução da distribuição do rendimento nacional. A já baixíssima participação dos salários no rendimento em 1983 (44,4%) caiu, ano após ano, até aos 42% em 1988 e registou nova queda em 1989. Contudo, sempre que é confrontado com a verdade dos números, o Governo refugia-se na percentagem de taxa de desemprego, fazendo-o com tanta e com tanta aparente convicção, que chegou a propagandear pleno emprego; tanto e tão alto, que nem deixava ouvir justas reservas sobre a qualidade dos números, sobretudo denúncias sobre a qualidade dos empregos; tanto e com tal força de diversão, que era como se tudo o resto - a inflação, por exemplo - não tivesse importância.
Na verdade, a taxa de desemprego foi decrescendo, trimestre a trimestre, desde o primeiro de 1986 até ao último de 1989, de 11,1 % até 5,8%, com uma excepção e devido ao resultado anómalo do terceiro trimestre de 1988. Ao mesmo tempo, outras séries -a do número e a da percentagem dos trabalhadores por conta de outrem com contrato a prazo- revelavam a crescente instabilidade e precaridade do emprego.
Agora, depois da travagem nos 5,8 % nos dois últimos trimestres de 1989, quase aviso ou prevenção, o primeiro de 1990 vem confirmar a inversão, com a subida da taxa de desemprego para 6,3 %. Mas não só o desemprego estará a voltar, como a precaridade do emprego revela as suas «virtualidades», pois são o número e a percentagem dos trabalhadores por conta de outrem com contrato a prazo que observam uma queda significativa.
Assim se agravam as desigualdades sociais. Porque o emprego se precarizou enormemente neste período, e tanto que facilmente se transforma em desemprego. Porque aos trabalhadores portugueses as perspectivas que se abrem são de desemprego ou de mau emprego.
Em 1985 havia cerca de 360 000 trabalhadores com contratos a prazo. Em 1989 existiam mais de 600 000! Ou seja, cerca de 20% dos trabalhadores tem hoje um vínculo precário. E não está aqui contabilizado o número daqueles que tem trabalho clandestino, das crianças arrancadas das escolas, do trabalho à peça, do recibo verde, do trabalho ao domicílio, etc.