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4 DE JULHO DE 1990 3205

dos custos de educação. E não pode passar sem o mais veemente repúdio o corte de verbas que o Governo impôs às escolas, de 20% do orçamento anual, e que vai conduzir a situações de ruptura e de possível encerramento de diversas escolas!
Mas a sociedade injusta que está a ser promovida tem manifestações a outros níveis: na protecção social, na saúde, na habitação, nos transportes, que outros camaradas meus tratarão mais aprofundadamente.
A nível da cultura, num país como o nosso, como pode o Estado declinar as suas responsabilidades e confiar nuns quantos mecenas?
Na saúde, ao contrário das recomendações da Organização Mundial de Saúde, os cuidados de saúde primários são menosprezados, criando a primeira grande barreira no acesso à saúde e constituindo assim a primeira grande desigualdade. Os hospitais já hoje recusam doentes por falta de meios financeiros, e isso constitui uma segunda discriminação. Quando através da nova lei de bases de saúde do Governo se pretende que a rapidez do atendimento dependa da capacidade económica de cada cidadão, comete-se uma outra condenável desigualdade.
Na habitação, particularmente nos grandes centros urbanos, verifica-se o crescimento de barracas e bairros de lata, contentores ou casas provisórias que se tomaram definitivas e fogos sobreocupados. Cumulativamente, o custo das habitações aumentou desmesuradamente, pelo que, juntando ao preço do crédito, a compra se tomou insuportável mesmo para as camadas médias. As zonas suburbanas sofrem um brutal aumento demográfico como resultante de um novo fluxo migratório vindo das zonas do interior, que conhecem um ressurgimento de desertificação por razões de falta de condições e de perspectiva de desenvolvimento económico, aliado ao empurrar das pessoas para fora das grandes cidades!

Vozes do PCP: - Isso mesmo!

O Orador: - Dizer que hoje as pessoas de Lisboa ou do Porto vivem bem, é cada vez mais um mito. Basta andar nos transportes, num qualquer transporte, para se sentir a inconsistência da afirmação.
Há pouco tempo caiu uma catenária ali na Azambuja. Eram seis da tarde em Santa Apolónia, mas podia ter sido na linha de Sintra. Os táxis recusaram meter-se na fila interminável da estrada nacional n.º 10, estrangulada em Sacavém. As mulheres trabalhadoras faziam filas de 100 metros nas cabinas telefónicas por causa do filho na ama ou na creche que fechava as sete. As mesmas mulheres que se levantam às seis da manhã e chegam a casa às dezanove, as mesmas mulheres que, há meses atrás, tomaram a iniciativa de interromper a via do comboio; essas mulheres que comem de pé, dias, meses e anos inteiros, o croissant com fiambre, o salgado e a bica, recebendo os trocos sobrantes do ticket que a empresa dá por ter acabado com o refeitório, conseguindo, com esses trocos, justificar o anúncio de que a mulher portuguesa está mais bonita... Essas mulheres trabalhadoras, dizia eu, ali estavam dispostas a assumir a revolta de uma forma imprevisível!

Aplausos do PCP.

Andamos lá todos os dias e seríamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os ritmos alucinantes da vida que lhes é imposta, as condições em que as pessoas são transportadas, constituem, por si só, uma severa condenação a este
governo e à sua política. Mas esta revolta, este descontentamento, também os fomos encontrar nas zonas do interior, em Valença, Semade, Amarante, Arazede ou Sines.
As populações protestam porque ramais e estações são encerrados, horários dos comboios suprimidos, deixando-os cada vez mais isolados. E são muitos aqueles que preferem arrostar com a miséria social dos grandes centros, partir outra vez para a Suíça ou para França, do que ficar ali parados no tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Alguém afirmou, com ironia amarga, que esta vida moderna tem mais de moderna do que de vida.
Cada vez mais se verifica que este governo, pela sua opção ideológica, pelas suas opções de classe, pela política que segue, não só não tem soluções para a sociedade, como incorre, directa ou indirectamente, na promoção de valores que vão ao arrepio da justiça social, da solidariedade e do desenvolvimento.
Há dias houve greve na CIMPOR. Num centro de produção onde os efeitos da paralização mais se fizeram sentir, o responsável da gestão afirmava, em comunicado, o seu aplauso aos que não resistiram às pressões e à chantagem do conselho de gerência, e lamentava pelos que, fazendo greve por salários mais dignos, segundo ele, se deixavam arrastar pela fantasia da solidariedade - fantasia da solidariedade....
Os filhos dos grevistas, que todos os anos iam para a empresa fazer estágio nas férias escolares, foram este ano excluídos!

Vozes do PCP:- É um escândalo!

O Orador: - É um exemplo apenas. Foi um gestor, que vale o que vale, numa empresa. Havemos de impedir que seja exemplo para a sociedade!
Porque a solidariedade, em ioda a sua dimensão económica, social e cultural, tem de ser, há-de ser, um dos valores mais nobres e significativos da pessoa humana neste terceiro milénio que aí vem.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lemos Damião e Joaquim Marques.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Solidariedade! A solidariedade só atinge uma verdadeira dimensão quando pressupõe a transformação da realidade, porque indissociável do progresso e da justiça social. E hoje, no nosso país, não há uma verdadeira solidariedade face às situações extremas de desigualdade.
Como são tão desiguais no campo e na cidade as oportunidades de acesso ao progresso social! Como são tão diferentes as oportunidades de acesso ao emprego, à saúde, à habitação e ao saber!
Onde está, afinal, a igualdade de oportunidades, quando se é marcado pelo nível do rendimento familiar, o grau de instrução e de saúde, a região onde nasce, o lugar onde