3334 I SÉRIE - NÚMERO 97
A reforma dos estatutos militares- estava atrasada em muitos anos.
Aprovada a Lei de Defesa Nacional em Dezembro de 1982, sucederam-se vários ministros da Defesa (todos do PSD) e mais de seis anos até à aprovação, da Lei de Bases do Estatuto da Condição Militar, sobre proposta governamental. A Lei de Bases foi aprovada por esta Assembleia em 7 de Março de 1989 e fixou um prazo de seis meses para aprovação dos estatutos. No decurso do processo, o Governo comprometeu-se a consultar, previamente, a Comissão de Defesa Nacional. Não o fez! Foi uma quebra de compromisso, uma desconsideração e um erro. Talvez se tivesse evitado a publicação de normas num estatuto tão desastrosas. Esta publicação, do Estatuto teve um processo final de aprovação e publicação rodeado de boatos, de conflitos institucionais, de demissões, inclusive.
O PCP anunciou, quando se gorou o trabalho prévio da Comissão, que chamaria o Estatuto à ratificação da Assembleia, tendo em vista o seu debate e a apresentação e aprovação de propostas de alteração. Isto significa que, no termo deste debate, não proporemos a revogação de todo o Estatuto. Proporemos, sim, a sua profunda alteração. O debate e votação das propostas de alteração será feito na Comissão de Defesa Nacional. O PCP propõe que a Comissão trabalhe nos meses de Julho e Setembro e conclua o seu trabalho até 30 de Setembro. Haverá, seguramente, muitas dezenas de propostas de alteração, o que obrigará a um trabalho intenso e relativamente prolongado.
Sobre os decretos-leis e o Estatuto importa dizer o seguinte: a primeira nota é a da falta de auscultação prévia, a falta de participação na sua elaboração. Ninguém ignora, por exemplo, a importância que teve a acção dos sargentos na equacionação dos problemas, na apresentação de propostas, na própria reclamação da aprovação dos estatutos. Tê-los ignorado no processo de elaboração, não ter criado os adequados mecanismos de participação, não podia conduzir a bons resultados. E não conduziu!
O Estatuto pode definir-se como um diploma frustrante, antiquado, injusto e, limitativo. Frustrante das expectativas de melhoria de carreira e condições de vida: injusto, para além do mais, por violar direitos adquiridos; de concepção antiquada sobre a sociedade, as Forcas Armadas e o militar, limitativo no campo dos direitos (embora mãos largas no campo dos deveres).
Quem esperasse encontrar no Estatuto uma doutrina, um enquadramento conceptual, pode desiludir-se. O Governo, que aprovou os estatutos, não sabia o que queria. Gastar menos é o único fio condutor visível em todo o diploma. O economicismo e o ,único critério de gestão do pessoal a que o Governo teve capacidade de recorrer. Não existe uma perspectiva de modernização e de inovação, de tomar as carreiras aliciantes, de valorizar a formação militar, de rasgar barreiras.
Pelo contrário, o Estatuto cortou caminhos; estabelece diferenciações inaceitáveis entre oficiais, por exemplo, da mesma formação, no que respeita às possibilidades de acesso a postos superiores; introduz uma enorme margem de arbítrio e falta de transparência de critérios de avaliação, portando de promoção; dificulta a comunicação e acesso a carreiras superiores; não define tempos máximos nem garante a progressão; bloqueia-o acesso e impede o rejuvenescimento; e é de uma fragilidade confrangedora na descrição de funções.
Neste campo central do direito à carreira, à dignificação dos militares, o Estatuto é um mau documento, um documento que não presta. Tem de se definir para onde vão as Forcas Armadas, qual a relevância da componente humana, como valorizá-la e dignificá-la Tudo o que o Estatuto não faz e por isso é necessário reformá-lo profundamente.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador: - A aplicação - e esta é uma outra questão- sem garantias transitórias de várias normas a militares, na casa dos 30, 40 ou 50 anos, configura uma violência sobre as suas perspectivas pessoais e uma violação do acordo tácito de garantias com eles firmado quando abraçaram a carreira militar. É o que se passa, por exemplo, com as alterações relativas ao cálculo da pensão de reserva, com os limites agora impostos à situação de reserva, com o bloqueamento resultante da elevação dos limites da situação do activo. São estes os homens, na sua maioria, que fizeram a guerra de África e que fizeram a revolução. Pretende-se puni-los? Porquê? Por terem feito a guerra ou por terem feito a revolução?
Em toda esta área, de direitos fundamentais, perpassa um ambiente de desconfiança e de rejeição. A linguagem tende, por vezes, para a esotérica de uma «ordem militar» e não para a linguagem de umas Forças Armadas modernas, do fim do século XX. Formas de participação, como, por exemplo, os conselhos de armas, especialidades, ramos ou serviços, são encaradas ambiguamente, tendendo a ser esvaziadas de funções, enquanto outras são, pura e simplesmente, negadas, como é o caso do serviço militar obrigatório. O exercício de direitos aparece filtrado administrativamente. Por exemplo, o direito de acesso ao processo individual é inscrito com a fórmula equívoca de um requerimento apresentado fundamentadamente. Os conceitos mais inovadores da Lei de Bases do Estatuto da Condição Militar são «manhosamente» alterados, como é um bom exemplo o conselho de disciplina.
O remate mais grave neste campo de direitos é o que consta do artigo 166.º e da sua previsão de umas sanções extraordinárias, como a reforma compulsiva e separação de serviços, aplicadas discricionariamente, sem discrição tipificada de qualquer infracção, sem as regras de processo disciplinar ou judicial. A inconstitucionalidade é óbvia e a violação dos direitos fundamentais é patente. Pergunta-se: como é que é possível apresentar tal norma?
Estas, Srs. Deputados, são as notas mais sintéticas que, neste curto espaço dt tempo, é possível fazer ao diploma.
O PCP entrega na Mesa um lote significativo de propostas (145, das quais 132 ao Estatuto e as restantes aos decretos-leis), mas isto não significa que estejamos satisfeitos com as nossas propostas. Queremos aperfeiçoá-las e desenvolvê-las no trabalho da Comissão Parlamentar, na audição de todos os que possam contribuir para que se faça um Estatuto moderno, estimulante, justo e dignificador. Apresentamos também propostas que respondem a pequenas reclamações. É justo fazê-lo. Um bom Estatuto tem de responder não só às grandes questões mas também à malha das situações dos agrupamentos mais pequenos, mais desprotegidos. Com um bom Estatuto, e a Assembleia da República pode fazê-lo, ganharão os militares, evidentemente, mas também as Forças Armadas e o País. É o que nos guia neste processo.
Aplausos do PCP.