7 DE JULHO DE 1990 3337
Antes de mais, parece-me importante sublinhar que esta discussão só é possível por iniciativa da Assembleia da República, através do pedido de ratificação n.º 110/V, apresentado pelo PCP, sendo, de certo modo, uma discussão de recurso.
Na verdade, o Governo, através do Ministro da Defesa Nacional, tinha assumido o compromisso, aquando da aprovação da Lei de Bases do Estatuto da Condição Militar, de discutir, em sede da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, este Estatuto, compromisso esse que, em alguns casos, pode ter sido, inclusive, condicionador do próprio voto relativo àquele Estatuto da Condição Militar.
Esta atitude, relacionada precisamente com a discussão do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, contrasta, aliás, com a disponibilidade que o Ministério da Defesa Nacional tem tido para, em diálogo com a Assembleia da República, procurar encontrar as melhores soluções em tudo aquilo que se relacione com matéria de defesa nacional, em especial com as questões relacionadas com as Forças Armadas, parecendo compreender a sua especificidade implícita.
É, pois, esta a oportunidade para tecer algumas considerações sobre tão importante diploma.
Já por diversas vezes tenho afirmado -ainda recentemente o fiz em declaração política realizada nesta Câmara- que as Forças Armadas Portuguesas, que tantas provas tem dado da total identificação e dedicação à causa pública, identificando-se mesmo com a própria história- de Portugal, se vêem hoje confrontadas com uma certa ideia de desnecessidade que começa a persistir na opinião pública e que tem como reflexo, na própria instituição, a existência de uma grande frustração a todos os níveis.
Ninguém ignora que a carreira das Forças Armadas tem vindo rapidamente a degradar-se, com especial incidência nos últimos dez anos, fruto de contingências várias a que não é alheia uma falta de informação pública ou a existência de uma informação orientada no sentido do desprestígio da própria instituição castrense.
Não é meu hábito procurar bodes expiatórios para esta situação, mas é evidente que a responsabilidade tem de ser imputada a quem detém os mecanismos de acção capazes de corrigir esta situação, ou seja, o Governo.
Na verdade, para além dos discursos institucionais que os governantes fazem cheios de boas intenções, a prática aí está a demonstrar precisamente o contrário, procurando o Governo, demagogicamente, encontrar não soluções para os problemas, mas tomar ou anunciar com grande solenidade decisões que não têm em conta o correcto estudo dos problemas e as soluções adequadas a dirimi-los.
A título de exemplo, ainda recentemente o Governo anunciava que iria reduzir o serviço militar obrigatório para quatro meses, e todos o aplaudiram. Os mais atentos diziam que tal decisão, tomada de forma desenquadrada, iria, de imediato, implicar um grande acréscimo orçamental, afirmando o Governo que não. No entanto, os estudos apontam o contrário, e o Governo toma a decisão, anunciada ontem, de diminuir os efectivos, a qual, aliás, não se entende muito bem, pois não se sabe o que é que o Governo pretende, uma vez que não foram ainda realizados os estudos adequados susceptíveis de permitir ao Governo, com base séria, dizer quais os efectivos e que efectivos pretende. Para fazer o quê? Para fazer como?
Este é apenas um exemplo de como o Governo entende as questões relacionadas com as Forcas Armadas...
Os diplomas que estamos a analisar são o exemplo acabado de que as decisões que estão a ser tomadas não têm em conta qualquer estudo integrado para as Forças Armadas. Com efeito, o próprio facto de se enunciar, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34-A/90, a pretensão de se contribuir para a estabilização dos quadros em detrimento do seu rejuvenescimento, para justificar as alterações dos limites de idade, veio tão-somente trazer a instabilidade geral, vindo, inclusive, ao arrepio da intenção, várias vezes manifestada, no sentido de redimensionar, reestruturar e reorganizar as Forças Armadas.
Com efeito, no Estatuto dos Militares das Forças Armadas, em vez de se apontar para soluções correspondentes a uma política de reestruturação, redimensionamento e rejuvenescimento das Forcas Armadas, que se querem modernas e eficazes, aprovou-se uma série de normas que, pelo contrário, são totalmente incompatíveis com esses desígnios, tantas vezes anunciados, mas nunca postos em prática.
Efectivamente, num momento em que se fala em desmobilizar -e talvez seja necessário fazê-lo através da redução de contingentes-, em vez de incentivar a saída de quadros menos jovens, como se faz em qualquer país nesta situação, cria-se uma série de condicionamentos que irão provocar nos quadros um desejo e uma procura de prolongamento do serviço activo pelo maior espaço de tempo possível.
Acresce que, relativamente aos militares na situação de reserva, se aprova uma série de soluções que põem claramente em causa muitos direitos adquiridos, modificando profundamente as condições existentes relativamente aos que transitaram para essa situação, quer por decisão própria, quer por atingirem os limites de idade.
Por outro lado, se as alterações da idade de reforma - unicamente, no momento actual, para os militares - já por si representam a vontade política de prejudicar os militares dos quadros permanentes, o recurso à figura de nove anos na reserva para a passagem compulsiva àquela situação traduz uma forma subtil de condenar aqueles que fizeram a guerra e tiveram o reconhecimento por tal através do aumento compensatório do tempo de serviço. É que, se em todas as instituições, o aumento do tempo de serviço representa a compensação do desgaste, ele parece ter-se transformado, nas Forças Armadas, em mais um aviltamento em decorrência da guerra injusta em que participaram. Só assim se entende que, administrativa? mente, «se obrigue» à permanência de militares no serviço, mesmo que envelhecidos prematuramente.
Relativamente aos militares, o custo de 14 anos de guerra parece ser um ajuste de contas: eles, os militares, que paguem os custos da guerra que eles, os políticos, os obrigaram a fazer!...
Tenho naturalmente mais dificuldade em falar no estatuto remuneratório dos militares, não porque não seja, quer comparado com outros regimes remuneratórios quer comparado com a especificidade da função militar, um regime injusto para os militares, mas porque se tem criado a ideia de que os militares só pensam em dinheiro e ligam o aumento do prestígio a melhores remunerações.
Trata-se de acusações sem sentido, vindas de pessoas que não têm outros argumentos ou que desconhecem a situação real das Forças Armadas.
A correlação entre o Estatuto dos Militares das Forcas Armadas e o regime remuneratório é evidente. As chamadas carreiras horizontais subjacentes ao Estatuto vieram substituir a carreira vertical específica da condição