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3440 I SÉRIE - NÚMERO 99

A crise manifestava-se na falta de recursos financeiros, técnicos, profissionais e organizacionais para a obtenção de uma resposta adequada às cada vez maiores solicitações, dado o enorme incremento no recurso aos seus serviços, crise que parece tanto mais profunda quanto parecem difíceis as vias da sua solução.
Em face desta situação e da crescente preocupação que ela suscita, tem vindo a ser reconhecido que a sua superação só será possível através de reformas profundas do sistema judicial, isto é, de reformas que envolvam alterações qualitativas dos seus modos actuais de funcionamento.
Há, no nosso entender, dois tipos de propostas de reformas, aparentemente contraditórios, mas que, pensamos, podem mostrar-se conciliáveis.
O primeiro tipo, a cujas manifestações temos assistido ao longo dos tempos, consubstancia-se na transformação da concepção e gestão do sistema judicial, apetrechando com múltiplas e sofisticadas inovações técnicas, que vão da utilização de bases de dados à automatização dos ficheiros e à indiscriminada utilização dos faxes, dos vídeos e de toda uma panóplia de instrumentos que a moderna tecnologia já pode proporcionar.
Mas ao lado deste tipo das reformas, nunca concretizado por sucessivas e cada vez maiores faltas de meios financeiros, há outras alternativas, alternativas genericamente designadas, por «informalização da justiça» e que consistem, em geral, na criação de processos, instâncias e instituições relativamente descentralizadas, informais e, quiçá, não menos importante, desprofissionalizadas, que complementem, em áreas específicas, a administração tradicional da justiça.
Assim poderemos ter uma justiça mais rápida e mais acessível.
Só através da consciencialização dos cidadãos, da sua efectiva e activa intervenção na vida da sociedade e na solução dos seus conflitos, poderemos obter uma melhor justiça.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Até hoje, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a concepção da aplicação tradicional da justiça tem-se baseado em três elementos essenciais:

A produção de persuasão e de adesão voluntária através de um potencial argumentativo, ou seja da retórica;
A imposição autoritária através da manifestação do conhecimento profissional, de regras formais e de procedimentos organizados, ou seja a burocracia;
A imposição das decisões, por ameaça da força física, ou seja a violência.
Pensamos que muitas das soluções que as reformas tecnocráticas da justiça tradicional tem tentado impor são soluções inconsequentes, que somente aumentam a burocracia, que afastam os cidadãos da realização da justiça e que incrementam a retórica e a utilização de indecifráveis linguagens.
Tenhamos a coragem de fazer reformas, mas reformas que tenham em conta o cidadão e a necessidade que ele tem de ver, rapidamente e com custos acessíveis, resolvidos os seus diferendos.
Sem ter o homem como referência e sujeito último da decisão, não poderemos nunca reformar. As reformas de que o sector da aplicação da justiça precisa têm, no fundo, de dar ênfase a diversas tónicas, quais sejam:
A procura de soluções mutuamente acordadas, em vez da estrita obediência normativa;
A preferência por decisões obtidas por mediação, ou conciliação, ou arbitragem, em vez do clássico princípio vencido/vencedor;
O reconhecimento da competência das partes nas pequenas causas para proteger os seus próprios interesses e ajudar a conduzir a sua própria defesa num contexto institucional sem uma tão grande carga profissional e através de um processo conduzido em linguagem comum.
Mas, se nos debruçarmos sobre o quotidiano da justiça, o que. é que vemos?
O que é que ao cidadão comum acontece quando tem de recorrer aos tribunais?
A justiça - todos o dizemos e a todos ouvimos dizer, designadamente a V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, no Despacho n.º 22/90 - deve ser rápida e eficiente, mas o que é facto é que o cidadão espera, na maioria dos casos, longos anos para que a pesada máquina da administração da justiça possa decidir.
Não basta, Sr. Ministro, dizer que a administração da justiça deve continuar a tentar dar resposta às questões colocadas pelo cidadão utente, muitas vezes tratado como consumidor de um produto que o Estado Português lhe tem vendido com defeito e a preço exorbitante, produto que tão caro ficou com os aumentos decretados por este Governo ao alterar, há dois anos, a Lei das Custas Judiciais, a que houve que fazer correcções - e fala-se já hoje em novas correcções!...
Sempre defendemos - e continuamos a defender - que os preços dos serviços devem ser adequados à evolução dos tempos, mas o Governo optou por fazer aumentos desajustados e de tal modo gravosos que, na prática, consubstanciaram o impedimento, de facto, do acesso ao direito e à justiça por parte dos cidadãos economicamente mais carenciados. Esse comportamento é tanto mais inexplicável e inaceitável que -tenhamos a coragem de dizê-lo- aos disparatados aumentos não corresponderam contrapartidas, nem em instalações físicas nem em meios.
Mas se à primeira vista o aparelho judicial aparece como que em desconexão com o sistema político global, no fundo, tal não acontece. É que o aparelho judicial, ao regular conflitos de interesses particulares, não está separado da esfera do interesse geral e os juízes exercem a sua actividade decisória no contexto do sistema político e normativo de que fazem parte integrante.
O Governo - e em particular V. Ex.ª, Sr. Ministro, cujos méritos na maquilhage do problema da incapacidade na administração da justiça não podemos deixar de realçar- apresentou-nos um ambicioso programa no qual o cidadão era colocado como o centro da procura das soluções.
Ninguém desconhece que quando o Estado não recupera a sua legitimidade através da expansão material, pela produção de bens e serviços, pela melhoria das condições de acesso à justiça, pela construção de tribunais, pela reformulação de leis redutoras da capacidade interventora dos cidadãos, o faz através da expansão simbólica.