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12 DE JULHO DE 1990 3443

substanciação desta esperança real de mudança, pela primeira vez, decorridos mais de 10 anos sobre a vivência de regime democrático em Portugal, estabelecer as bases estruturais para uma verdadeira política de justiça.
Política de justiça que faltou sempre, não necessariamente por imputação de censura a quem sobraçou sucessivamente a pasta da Justiça, mas porque, realmente, falhavam, na base e na essência, os pressupostos essenciais para que uma qualquer política de justiça pudesse, e de uma vez por todas, estruturar-se.
Hoje, isso é possível! Isso é o que o Governo hoje faz!
E porque é possível, é urgente! E porque é urgente é este o local próprio e o momento adequado para que o Ministro da Justiça traga aqui, à reflexão de todos e à procura de um consenso alargado, as linhas fundamentais que hão-de estruturar as bases para essa política de justiça.
Desde logo, como ponto fundamental, a natureza que reveste a própria justiça a impor a sua dimensão de Estado. E - pedindo desculpa pela recorrência, visto não ser esta a primeira vez que, nesta Casa, eu próprio me refiro à dimensão de Estado que a justiça, necessariamente, assume perante o povo e perante nós - eu não queria deixar de repetir aqui, claramente, a dimensão de Estado que à justiça tem de ser conferida, dimensão que necessariamente nos impõe a todos consequências que devemos cumprir. A nós, responsáveis pela execução dos programas consequenciais dessa política, a noção clara de que, por um lado, ela deve procurar o consenso alargado que a faça revestir de âmbito nacional, âmbito nacional enquanto território, âmbito nacional enquanto maioria dos cidadãos, eles próprios envolvidos e empenhados na consecução real dessa política de justiça, mas, sobretudo, uma política que se inscreva em programas abertos, capazes de ser suficientemente unívocos, para serem perceptíveis, e simultaneamente plásticos e maleáveis para que estejam capazes de corresponder às mutações próprias da dinâmica social permanentemente em devir.
Por outro lado, como segundo ponto fundamental, como segunda pedra angular sobre a qual se edificará o edifício dessa política de justiça, uma ideia clara mas que o Governo reivindica para si próprio, não em termos de autonomia exclusiva mas em termos de originalidade do discurso imediato, a ideia clara - repito - de que qualquer política de justiça nos coloca numa perspectiva crítica, que tem como sujeito observador o cidadão e o sistema como objecto de observação.
Portanto, uma política de justiça que não parta de dentro do sistema para o reproduzir, para o manter, para o continuar, como se o sistema fosse o objectivo em si mesmo considerado, mas que, pelo contrário, seja uma política de justiça que, partindo de fora do sistema, colocando o acento tónico no cidadão individual e colectivamente considerado, seja capaz, sistemática e permanentemente, de criticar o próprio sistema e, portanto, de devolver-lhe a sua natureza instrumental, deixando o cidadão, por um lado, como titular originário do valor que o sistema visa prosseguir, a justiça, e, por outro, como destinatário privilegiado e único do serviço de justiça.
Finalmente, como terceira pedra angular para a edificação de uma política de justiça a ideia concorrente, porventura concorrente em segundo grau, mas concorrente, de que é fundamental respeitar os interesses e direitos legítimos das profissões próprias dos serviços de justiça.
Definidas as pedras angulares no sentido de que nenhuma política concreta poderá pôr em causa qualquer delas, é importante, para que tenhamos uma consubstanciação teórica a partir da qual o programa se desenvolva coerentemente, que se encontre um pano de fundo político, ideológico, cultural, diante do qual os programas façam sentido e sejam, também eles, perceptíveis criticamente por todos e cada um dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E aí, como imagem de fundo, como pano de fundo permanente, surge a figura institucional e conceptual do Estado de direito. É aí, numa concepção de Estado de direito democrático, que é necessário procurar as linhas de rumo para a definição de uma política de justiça. Estado de direito democrático que seja capaz, por um lado, de garantir a subsistência dos seus valores fundamentais, tais como predominância da lei, pluralismo democrático e afirmação dos direitos do homem. Mas que não fique aí, que seja capaz de se assumir como um Estado de direito democrático moderno, que consiga chamar à estrutura da sua própria conceptualização dois valores essenciais que hoje não podem recusar-se: por um lado, o da transparência das instituições e, por outro, o da eficácia destas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A transparência, definida pela positiva, será, sobretudo, a negação da opacidade do sistema, mas, definida pela negativa, ela é, sobretudo, porventura, hoje, o caminho claro para a defesa contra novas ditaduras ou novos totalitarismos - aqui, as ditaduras e os totalitarismos do segredo.
A ditadura e o totalitarismo numa sociedade de informação e de comunicação a impor por aqueles que, sabendo muito de pouco, acabam, a partir desse conhecimento privilegiado mas apenas especializado, por impor aos outros sem lhes dar sentido crítico e, portanto, sem força democrática para intervir, a ideia, que tem apenas a aparência de uma técnica, que, no fundo, não é outra coisa senão a afirmação de uma ideologia inconfessada e por isso mesmo imoral.
Essa transparência tem claramente que ser assumida na afirmação de uma nova política de justiça para que o homem do campo kafkiano não fique mais a envelhecer e a morrer à porta da lei onde nunca entra, para que Durrenmatt não possa dizer mais que a justiça é, antes de tudo, uma questão de bastidores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, mais do que isso, a eficácia das instituições surge hoje, claramente, como um pressuposto fundamental do Estado de direito moderno. Eficácia das instituições essa que nos leva à aceitação do desafio, hoje, actual, permanente e urgente, que é aquele que se nos põe quanto à capacidade de sabermos se somos capazes de passar da fase da afirmação dos direitos para a fase da efectivação dos direitos do homem.
No fundo, o que está em jogo, aqui, na definição desta perspectiva estrutural que nos dá a referência teórica para a afirmação de uma nova política de justiça, é, por um lado, uma justiça clara e de rosto humano e, por outro, uma justiça material, concreta, palpável, que seja serviço ao serviço da gente.
Então, será, porventura, agora mais simples, na definição do discurso e na conceptualização teórica, que não,