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13 DE JULHO DE 1990 3587

A) A Constituição da República pós 2.º revisão considera objectivo da política agrícola «o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua exploração» [artigo 96.º, n.º 1, alínea b), parte final] e prevê expressamente a eliminação do latifúndio (artigo 97.º), que é também uma das incumbências prioritárias do Estado [artigo 81.º, alínea h)].
«Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio» é uma tarefa prioritária do Estado e, portanto, uma concreta obrigação do Estado no âmbito económico e social.
Em contradição com o imperativo constitucional de eliminação dos latifúndios, a proposta de lei pretende reconstituí-los e não eliminá-los. Este objectivo modela toda a proposta de lei, mas toma-se particularmente claro com a leitura atenta da redacção proposta para os artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88. Assim:

Com a eliminação proposta do n.º 5 do artigo 17.º, deixam de sofrer de nulidade os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas atribuídas aos contitulares ou herdeiros. Na prática, permite-se a reunificação das reservas atribuídas nos termos deste artigo, com o único limite da pontuação estabelecida para o direito de reserva;
A nova redacção proposta para o artigo 18.º da Lei de Bases da Reforma Agrária vem, por outro lado, permitir a atribuição às sociedades de uma «reserva múltipla» que «não pode exceder 364 000 pontos». Acresce dizer que este limite é quatro vezes superior à pontuação geral atribuída para o direito de reserva e ainda pode ser alargado no caso das sociedades por quotas.
B) A proposta de lei atenta contra os mais elementares princípios de um Estado de direito democrático e viola os artigos 205.º e 206.º da CRP, ao atribuir à administração competências que são, indubitavelmente, da função judicial.
O Governo, com o aditamento de um novo artigo, o artigo 14.º-A. invade a competência dos tribunais, negando-lhes a possibilidade de, casuisticamente, se pronunciarem sobre o direito de propriedade dos prédios ocupados.
Assim, aquilo que sempre foi decidido pelos tribunais comuns nas acções de reivindicação da propriedade passa agora a ser exclusiva competência da «omnipotente» Administração, não podendo o particular tão pouco socorrer-se do procedimento cautelar da suspensão da eficácia dos actos administrativos (por aplicação do artigo 50.º da proposta e do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 109/88).
C) O artigo 50.º da Lei n.º 109/88 é já hoje do como inconstitucional pela maioria da doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (neste senado, o Acordão do STA de 20 de Abril de 1989, da 1.º Secção do Contencioso Administrativa). É inconstitucional por restringir, inconstitucionalmente, o direito dos interessados ao recurso contencioso - artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
A proposta, reformulando este artigo e alargando o respectivo âmbito de aplicação aos demais casos de atribuição ou devolução de terras, consubstancia uma intolerável resposta à jurisprudência dominante do STA, por um lado, e mantém o vício da inconstitucionalidade, por outro.
D) Finalmente, a nova redacção proposta para o artigo 37.º da Lei n.º 109/88 viola o princípio da igualdade definido no artigo 13.º da Constituição ao limitar o número de beneficiários de terras, privilegiando uns em detrimento de outros.
Limita-se, desta forma, inconstitucionalmente, o acesso à propriedade ou à posse da terra de cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores e de outras formas de exploração por trabalhadores, que a Constituição, no n.º 2 do artigo 97.º, considera, ao lado dos pequenos agricultores (de preferência integrados em unidades de exploração familiar), beneficiários da entrega de terras.
Para além das inconstitucionalidades já descritas, esta proposta de lei vem agravar a situação da já degradada economia do Alentejo, mercê das políticas de liquidação da reforma agrária e restauração da propriedade latifundiária, constituindo esta, de novo, o mais pesado factor de estrangulamento social e económico da região.
Os indicadores económicos e sociais revelam uma progressiva deterioração, registando, de novo e tal como antes do 25 de Abril, os mais baixos índices de intensidade de actividade económica no País, expressando as consequências de políticas desenvolvidas quase que exclusivamente em função da restauração da propriedade latifundiária e de uma economia crescentemente dominada e estrangulada pelo regime de propriedade e exploração latifundiários, assente em sistemas económico produtivos incapazes de racionalizar e potencializar a utilização dos recursos, de dinamizar o crescimento e diversificação de outras actividades, de promover o desenvolvimento num regime que tem penalizado fortemente a região, descapitalizando-a, amarrando-a a um baixíssimo nível de industrialização e a condições de trabalho precário e sazonal que têm um efeito fortemente repulsivo dos trabalhadores, sobretudo dos mais jovens.
Persiste, e em muitos casos acentua-se, a ineficácia económico-produtiva, a má utilização e o desaproveitamento dos recursos. Assim:

Mais de 60 % da área das grandes explorações latifundiárias está submetida de novo ao absentismo;
Em 71 % das explorações latifundiárias verifica-se que a terra de aptidão arvense de sequeiro está abandonada ou subaproveitada, o mesmo se verificando em 25% das explorações relativamente ao regadio;
Em 33% das explorações latifundiárias com pecuária registam-se substanciais reduções dos efectivos;
O conjunto dos perímetros de rega do Alentejo e Ribatejo, excluindo o Vale do Tejo, permitem regar cerca de 60000 hectares; no entanto, só são aproveitados anualmente cerca de 45% desta área disponível;
Em 58 % das explorações verifica-se o emprego apenas da força de trabalho temporário.
O PSD, ao fazer aprovar esta proposta de lei do Governo (todos os restantes grupos parlamentares votaram contra), acaba de cometer um atentado aos interesses da região e do País. Ao pretender liquidar a reforma agrária, o PSD e o Governo repõem de novo a necessidade de realizar a reforma agrária.

Assembleia da República, 12 de Julho de 1990. - O Deputado do PCP, Rogério de Brito.