192 I SÉRIE-NÚMERO 7
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo vem hoje à Assembleia da República pagar a promessa, feita pelo presidente do PSD, no Verão passado, perante uma aglomeração dos militantes do seu partido, de rever a organização do poder local em Portugal.
Segundo informaram, então, os analistas próximos do PSD, com tal anúncio o Sr. Primeiro-Ministro, que ainda não se tinha auto-suspendido do seu direito de cidadão e da sua obrigação política de chefe do partido de intervir nas polémicas políticas, que exigem respostas detalhadas do líder do partido do Governo sobre temas instantes, tais como: o conteúdo material dos poderes do Presidente da República, coordenação dos poderes do Governo e dos poderes da Assembleia da República na definição da política externa e de defesa, quando o País se encontra na linha da frente ou numa situação pré-bélica e ainda o modo como Portugal irá participar na união política europeia, que se avizinha, etc., com tal anúncio, dizia, disseram-nos os analistas que o Sr. Prof. Cavaco Silva quis tomar a iniciativa política para embaraçar as oposições, no início do novo ano político.
Porém, devido à crise do Golfo, que encontrou o Sr. Primeiro-Ministro nas suas acrobacias coqueirais na ilha do Príncipe e os ministros estendidos nas praias, a arma de arremesso perdeu a força e o impacte, não criou qualquer surpresa nem incómodo aos restantes partidos, muito embora o aparelho do Partido Social-Democrata se tenha esfalfado, nos últimos meses, a manter viva a memória dos propósitos do seu presidente.
A proposta n.º 165/V pretende que grupos de cidadãos possam concorrer as eleições para os órgãos do município, ao mesmo tempo que se reduz o número de mandatos consecutivos do presidente da câmara.
Segundo se lê na «exposição de motivos», a primeira alteração pretende permitir a participação directa dos cidadãos, sem a mediação dos partidos, na escolha dos seus autarcas.
Naturalmente que o CDS apoia este princípio democrático de deixar às próprias populações a total liberdade de escolher o candidato que melhor garantia lhes ofereça de exercer condignamente os cargos autárquicos. Ao contrário do que muitos poderão pensar, esta alteração em nada vem prejudicar os partidos políticos, antes obrigá-los-á, se não o faziam actualmente, a serem mais objectivos e criteriosos na feitura das suas listas próprias, a imprimir maior democraticidade interna nas suas estruturas e a entrar no jogo democrático com total transparência de critérios e de métodos na escolha das personalidades para candidatos autárquicos.
Não se desconhecem os inconvenientes dos «falsos independentes», nascidos das decisões locais dos aparelhos partidários, dos candidatos financiados e sustentados por interesses económicos locais, e até de outros independentes, em certas zonas do País, lançados com esta designação pelos próprios partidos sem grande implantação local, para ocultarem do público os símbolos e ideologias caídos em descrédito.
Nestes casos, se bem que não seja difícil aos próprios eleitores distinguir os vários tipos de «independentes», seria avisado que o próprio legislador adoptasse as cautelas necessárias para garantir a autenticidade e transparência destas candidaturas independentes. Para o conseguir, o Governo devia fazer acompanhar esta proposta de alteração de uma proposta de lei do financiamento dos partidos políticos e da introdução de uma apertada disciplina dos gastos das campanhas eleitorais de todos os candidatos. Sem esta medida necessária fica vazio de sentido o apelo ao desenvolvimento da democracia participativa, descambando, como sucede agora com a proposta governamental, numa demagogia eleitoralista prejudicial a um debate rigoroso.
A mesma cautela recomenda também que não se diminua substancialmente, a nível de freguesias, o número de subscritores necessários para a apresentação das listas. Não consta que o critério legal vigente tenha sido contestado em qualquer parte do País ou que tenha impedido a apresentação de listas de independentes. Será, por isso, necessário ponderar, em sede de especialidade, se há razões para diminuir o actual número de subscritores necessários.
Quanto as câmaras municipais, parece-nos demasiado exigente e restritivo o critério governamental, quase que se pode dizer que a proposta de lei retira com uma mão o que deu com outra. Por exemplo, um candidato independente para a Câmara do Porto ou de Lisboa necessitará de 10 000 subscritores, isto é, mais do que o necessário para se candidatar a Presidente da República e o dobro das assinaturas necessárias para a constituição de um partido político!
Ao contrário, o projecto do PRD parece demasiado liberalizante, o que também não contribui para o equilíbrio do sistema eleitoral, que é preciso manter com novas modificações.
Quanto à inelegibilidade para o 4.º mandato consecutivo, os argumentos que fundamentam esta proposta são demasiado frágeis para imporem semelhante conclusão, ou melhor, são inconsequentes. Dizer-se que assim, passo a citar, «se diminui o risco da pessoalização do exercício do poder e se garante uma maior transparência, isenção e independência na actuação dos titulares dos órgãos autárquicos» não explica por que é que esta pessoalização do poder só se deve verificar em relação aos titulares dos órgãos autárquicos e não a todos os cargos electivos ou políticos, a começar pelo próprio Sr. Primeiro-Ministro.
O mesmo se pode dizer, com maioria de razão, em relação ao segundo argumento governamental, qual seja, o de fundamentar o aproveitamento de alternativas credíveis, mediante o recrutamento de novos quadros, e de garantir a liberdade de escolha dos eleitores.
Independentemente de tal norma vir a ser declarada inconstitucional, estabelece uma discriminação negativa quanto aos titulares dos órgãos autárquicos em relação aos ululares de outros cargos electivos, o que, isto sim, viola as exigências dos princípios democráticos.
Não podemos, pois, aceitar tal discriminação negativa.
A proposta de lei n.º 166/V altera o regime das atribuições das autarquias locais e a competência dos respectivos órgãos. Fundamentalmente, pretende o Governo concentrar nas mãos do presidente da câmara muitas das competências que, actualmente, pertencem ao órgão colegial. O princípio, em alguns casos, está certo, mas o Governo vai longe demais, ao tomar o presidente da câmara um autêntico chefe do executivo camarário, reforçando o presidencialismo pessoal, e não um primus inter pares ou o presidencialismo institucional. Também no exame na especialidade haverá que rever o elenco das competências que devem estar concentradas nas mãos do