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3 DE DEZEMBRO DE 1990 663

no essencial, intransigentemente respeitado nas duas últimas revisões constitucionais. E não será até ocioso sublinhar aqui, para pôr em realce, a estranha incoerência do PSD, que aquele preceito que veio conferir assento constitucional aos baldios e que preencheu, quase só com eles, uma categoria autónoma de propriedade pública logrou sempre, na sua versão original, como naquelas revisões, a aprovação daquele partido.
Ora, não obstante aí se dispor que os bens comunitários e, portanto, os baldios - para não voltar a dizer praticamente só os baldios - estuo na posse útil e gestão das comunidades locais, o PSD, nesta, como nas duas anteriores legislaturas, outra coisa não fez, até agora, do que tentar privá-las por lei desses poderes, que contraditoriamente sempre lhes reconheceu em sede constitucional, para os atribuir às juntas e assembleias de freguesia.
Não iremos apresentar aqui uma súmula da história dos baldios, visto que nessa tarefa se empenharam já com muito brilho, mesmo nessa legislatura, vários Srs. Deputados, c nós próprios não nos temos escusado a dar a nossa modesta contribuição.
Só nos permitiremos, por isso, repetir que o uso e fruição comunitários dos baldios não tem ficado incólumes às arremetidas contra eles desencadeadas ao longo dos tempos, quer pêlos particulares, que assim foram logrando consumar impunemente múltiplas e consideráveis usurpações, quer pelo poder central, que, tentando a partilha daqueles bens em 1766, renovou esse propósito em várias leis do século seguinte e mesmo durante a vigência da I República. O que, aliás, não deve surpreender, sabido, como é, que as liberdades instituídas por liberais e republicanos serviam, sobretudo, os interesses da burguesia nacional em ascensão, que, empenhada em privilegiar c proclamar enfaticamente os direitos da propriedade privada, não linha interesse nem podia nutrir apreço ideológico pela defesa da propriedade comunitária.
Mas o mais rude golpe viria a ser desferido durante o regime anterior com o Decreto-Lei n.° 27 707, de 16 de Novembro de 1936, ao estabelecer a reserva de parte dos baldios para efeitos de colonização interna e ao submeter outros ao regime florestal, e ainda com o Código Administrativo do mesmo ano, que, dividindo-os em indispensáveis ao logradouro comum c deste dispensáveis, atribuiu aos corpos administrativos, a par da Administração e polícia quanto aos primeiros, amplos poderes de alienação sobre os últimos.
E tanto assim aconteceu que os baldios, que ainda nos fins do século XVIII abrangiam cerca de um quarto de todo o território continental, não ultrapassavam, em 1939, os 420 000 ha.
Os graves conflitos c levantamentos populares gerados por aqueles diplomas, que vieram consagrar uma autentica confiscação, suo sobejamente conhecidos, e seja-nos relevado que se volte a invocar o testemunho perene que deles nos ficou pela pena magistral de Aquilino Ribeiro, mas agora para sublinhar que, ao acolher o lema no seu romance Quando os Lobos Uivam, não nos legou só mais uma expressão do seu génio literário, mas deu-nos conta lambem do compromisso do escritor, do seu envolvimento e da sua solidariedade para com a luta dos povos serranos, que se inseria, afinal, no combate mais amplo pela liberdade de que todo o povo português se encontrava então esbulhado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -Por isso mesmo, recuperada esta com o 25 de Abril, e enriquecido o conceito de liberdade com novas preocupações de justiça económica e social, que eram estranhas aos ideólogos c revolucionários de 1K20 e 1910, a restituição da posse e gestão dos baldios às comunidades locais logo se configurou como uma exigência indeclinável da nova ordem democrática.
Coube, justamente, aos Decretos-Leis n.º 39/76 c 40/ 76, da iniciativa do nosso camarada Lopes Cardoso, então Ministro da Agricultura do VI Governo Provisório, o mérito de satisfazerem essa aspiração, ao devolverem a posse e gestão dos baldios às comunidades locais, quer obrigando o Estado e juntas de freguesia a restituir os que se encontravam na sua posse, quer criando e regulando os mecanismos jurídicos indispensáveis à anulação das indevidas apropriações daqueles bens consumadas por particulares.
Pois o PSD, avesso a esta perspectiva democrática, porque movido por outros interesses, tem justamente pugnado, sem desfalecimento, pela recuperação da disciplina reinante no regime anterior, esforçando-se, assim, por repor na ordem jurídica a injunção salazarista que privou da posse e g^tão dos baldios as comunidades locais.

Aplausos do PS.

As dissoluções da Assembleia da República, que abreviaram as III e IV Legislaturas, fizeram naufragar as iniciativas que o PSD em ambas tomou com o perverso intento que fica denunciado.
Esse objectivo viria, porém, a alcançar-se nesta Assembleia em 1989 com a aprovação, em plenário, por maioria, de um texto final, resultante de projectos cie lei do PSD e do CDS que tinham sido aprovados, na generalidade, por aqueles grupos parlamentares e discutidos, na especialidade, pela Comissão de Agricultura, Pescas c Alimentação.
Requerida, porém, a apreciação preventiva da constitucionalidade pelo Presidente da República, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.° 325/89, de 4 de Abril, invocando a violação do disposto de várias normas da Constituição, julgou inconstitucionais vários preceitos desse diploma, designadamente os que, arrebatando a posse útil e gestão dos baldios às comunidades locais, os entregavam às juntas e assembleias de freguesia.
Estando fora de causa reproduzir ou mesmo apenas sintetizar aqui todos os fundamentos do douto acórdão, desejaríamos, no entanto, reter duas ideias nele expressas, já que respeitam a questões que têm sido objecto, ao longo do tempo, de acesa controvérsia, com eco nesta Assembleia, e que ficaram ali, ao que nos parece, suficientemente aclaradas.
A primeira delas é a da identificação entre baldios e bens comunitários, que leva o douto acórdão a afirmar que "dizer bens comunitários é, essencialmente, dizer baldios", concluindo assim que sem estes aquele conceito não é sequer "verdadeiramente pensável".
A segunda concerne à titularidade dos mesmos bens, que, após a 1.ª revisão constitucional, encontrou resposta inequívoca no texto do artigo 89.° da Constituição, onde se declara expressamente que eles pertencem às comunidades.
Consagrou-se, pois, para usar a sugestiva formulação do Prof. Gomes Canotilho, o retorno à "dominialidade cívica", impondo-se acentuar, a este propósito,