668 I SÉRIE - NÚMERO 20
instituição dos baldios, de proporem a sua extinção, de receberem receitas, de representarem o governador civil nos órgãos dos baldios, etc.
Apesar do acórdão do Tribunal Constitucional, o PSD não fugiu, mesmo assim, à tentação de ainda continuar a admitir a possibilidade de entregar, em certas condições, a administração dos baldios às juntas de freguesia.
Depois de tudo isto, o que é que restaria do artigo 82.°, n.º 4, alínea b), da Constituição, que assegura a posse e gestão dos baldios às comunidades locais? Literalmente nada, Sr. Presidente e Srs. Deputados. E nem a boa vontade e os esforços do Sr. Deputado Almeida Santos em ajudar o PSD, no parecer que emitiu, livra este projecto de lei de ser claramente inconstitucional!
É, aliás, curioso verificar como o PSD, que diz orientar o seu comportamento pelas teses do "menos Estado" e do "liberalismo", enche agora este projecto de lei com a omnipresença do Estado. É bem um discurso à medida das conveniências: "menos Estado" pare privatizar e entregar milhões ao grande capital e "mais Estado" para retirar os baldios aos povos e entregá-los, depois, aos grandes interesses económicos.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Simultaneamente, o PSD cria propositadamente uma tal teia burocrática para a institucionalização e o funcionamento dos baldios que seguramente mais nenhum se formaria ou funcionaria nos próximos anos, o que permitiria depois aplicar o que está previsto no projecto de lei, pelo qual os baldios que não fossem instituídos ao fim de cinco anos a partir da entrada em vigor do diploma ou não funcionassem durante dois anos passariam para o domínio privado das freguesias.
Vale a pena fazer a viagem por este verdadeiro labirinto de reuniões, pareceres, decisões, homologações: reunião de potenciais compartes, cujo recenseamento será feito pelo governador civil; requerimento ao governador civil com, entre outros elementos, a delimitação dos terrenos integrantes do baldio, que, como se sabe, constitui um processo extremamente complexo, para não dizer, em muitos casos, impossível, para além de desnecessário, e que iria dar lugar a conflitos entre povoações, quando essa delimitação está definida pelos usos e costumes de séculos; parecer da junta de freguesia sobre, entre outros pontos, a conveniência da instituição do baldio, abrindo também aqui o terreno a novos conflitos potenciais; obrigatoriedade de a assembleia de compartes só poder deliberar, numa primeira convocatória, com a presença de pelo menos 50% dos inscritos no recenseamento e, em segunda convocatória, com pelo menos 30 % dos compartes.
Porquê esta exigência só para as assembleias de compartes, quando qualquer outro tipo de associação pode deliberar em segunda convocatória com qualquer número de presenças? O que se pretende com esta discriminação e marginalização é inviabilizar o funcionamento das assembleias, sobretudo nas aldeias isoladas com dificuldades de juntar compartes, para depois arranjar argumentos para os poder extinguir ou não instituir os baldios.
Mas o intrincado processo de instituição do baldio proposto pelo PSD não se fica por aqui. Recolhidos, pelo governador civil, os pareceres das juntas de freguesia e dos serviços do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, o governador civil convoca a assembleia provisória de compartes, que só poderá deliberar se reunir um quorum mínimo de 30% a que atrás fiz referência. Depois, o governador civil emite um novo parecer que remete o processo ao membro do governo responsável. Após - passo a citar - "novas diligências preparatória consideradas convenientes" (que o projecto do PSD não diz quais são), o processo vai a Conselho de Ministros! Ocorre de seguida a publicação da resolução do Conselho de Ministros que institui o baldio e, por fim, lá muito ao longe, a convocação pelo governador civil da primeira assembleia de compartes.
Uff!... O PSD só se esqueceu de uma coisa: de atribuir um prémio de resistência ou um lugar no Guiness Book a quem conseguir chegar ao fim desta labiríntica marcha!...
Mas poderíamos ainda falar da tentativa de redução do conceito de baldio e das pessoas que podem ser compartes, excluindo os menores, do uso do baldio ou do processo para a sua extinção, onde "a relevância para o desenvolvimento sócio-económico da zona" (como reza o projecto) pode ser motivo para a extinção do baldio por utilidade pública, o que é suficientemente lato e vago para dar satisfação às pressões para instalação das empresas de celulose ou outros interesses, que, no fundo, é verdadeiramente o que se perfila por detrás deste projecto de lei.
Em resumo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de lei do PSD procura atingir por outros caminhos, alguns pouco subtis, os mesmos objectivos das suas tentativas anteriores: retirar a posse e gestão dos baldios aos povos, esbulhando-os e extinguindo os baldios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perde-se nos fins dos tempos a origem da formação dos baldios. É longa a história dos povos em defesa dos baldios, como longa é a história daqueles que têm pretendido, ao longo dos anos, esbulhar os povos dos baldios e de outros bens comunitários. O PSD persiste, com este projecto de lei, em enfileirar na História como fiel seguidor daqueles que sempre se têm oposto aos direitos seculares dos povos dos baldios. Tentativa vã, que mais uma vez sairá derrotada!
Pretendem até alguns justificar as suas opções com o argumento de que já não se justifica, nos tempos de hoje, a existência de baldios. Nada de mais errado! É exactamente hoje, quando se fala, cada vez com mais insistência, na necessidade de participação das populações, na revivificação do mundo rural e em impedir o despovoamento e desertificação desse mundo rural, que os baldios adquirem uma nova importância e actualidade.
Não nos esqueçamos que foi a partir dos Decretos-Leis n.ºs 39/76 e 40/76 e da dinâmica introduzida pela devolução dos baldios aos povos que, em muitas e muitas aldeias, foram resolvidas questões como a do abastecimento de água. a da abertura de caminhos e "estradões", a da construção de equipamentos sociais e culturais.
Não nos esqueçamos que os baldios continuam a ser um modo de sobrevivência das economias e dos povos serranos, complemento da sua subsistência.
Recordemos que o próprio alastramento dos fogos florestais se deve, em muitos casos, ao facto de se terem destruído formas de economia ancestral equilibrada e promovido a desertificação do interior, designadamente através da eucaliptização indiscriminada, levando as populações a emigrarem, a alhearem-se de uma floresta que já não sentem como sua e a não poderem contribuir, com o próprio gado, para a limpeza e corte dos matos ou para a recolha das lenhas.