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3 DE DEZEMBRO DE 1990 671

Nós estamos a favor desta legislação e pela continuação de um processo secular, que vai continuar - isso depende da vossa vontade! -, e que é o de manter os baldios na posse, na gestão e no usufruto dos povos, como, aliás, a Constituição determina.

Aplausos do PC P.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr. Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A chamada questão dos baldios que foi trazida, de novo, a esta Assembleia, através do projecto de lei n.º 532/V, põe em causa, essencialmente, a sua natureza jurídica, ou melhor, a sua pertença em propriedade ou administração aos utentes.
A complexidade das situações existentes não nos permite uma resolução uniforme, já que é multiforme a realidade que se pretende juridicamente regular. Na verdade, não só se fala indevidamente de baldios, a propósito da realidades que não o são, como prosseguem, a tal propósito, tentativas de uniformização, a que, apesar de tudo, a tradição e os usos conseguem resistir, nalguns casos, ao longo dos séculos.
A distinção remonta já a um passado distante, tendo sido mantida pela vida colectiva, como se infere da análise de inúmeros forais: maninhos ou incultos reservados tio senhorio, bens do concelho e logradouros do povo. De todos eles, como se observa, designadamente nas Ordenações Filipinas, só os logradouros eram dados aos povoadores de terras «para os haverem como seus».
Aquilo a que rigorosamente pode chamar-se baldios não eram, portanto, objecto de propriedade de uma pessoa jurídica - como era o caso dos bens do concelho -, mas tinham o carácter de bem em comunidade. Não se tratava, portanto e também, de compropriedades, isto é, da mesma coisa possuída em comum por várias pessoas, mas todas mas perfeitamente identificáveis como compartes. Deste modo, a coisa não era divisível, pelo menos idealmente, em fracções, sendo cada uma dessas pessoas proprietária de X avos da propriedade comum.
Na propriedade comunal eram os vizinhos ou moradores de determinado lugar que, sem possibilidade de determinação da quota, exerciam em determinadas áreas, indivisivelmente, a sua posse. A comunidade dos vizinhos era, assim, uma entidade abstracta, mas a única proprietária. Aqueles que, por um dado momento, integrassem essa comunidade exerciam a posse sobre os terrenos, que variavam no tempo, à medida que ganhavam ou perdiam a qualidade de moradores ou vizinhos.
Na síntese correcta de Moutinho da Silveira: «Proprietário e a união dos habitantes; ninguém tem posse, todos têm direito a usar.» Por isso, a administração desses bens era exercida por toda a comunidade, normalmente reunida em assembleias, em exercício conseguido da democracia directa, de que chegaram até ao nosso tempo exemplos, como os chamados coutos, concelhos ou adjuntos dos vários lugares do Norte do País. Estas assembleias instituíam c elegiam magistraturas próprias, distintas das municipais, como, por exemplo, os homens do acordo, os seis da fala, entre outros.
Destas formas de propriedade, evoluiu-se, em muitos casos, para a propriedade da freguesia ou do concelho. Contudo, uma tal evolução não foi evitada uma deliberada confusão na linguagem legislativa, nomeadamente no reinado de D. José I, prática essa que ainda hoje permanece, pretendendo-se meter no mesmo saco a propriedade comunal com a propriedade do concelho ou da freguesia.
A maior parte dos civilistas portugueses, designadamente Teixeira de Abreu, Guilherme Moreira, José Tavares, consideraram os baldios objecto de propriedade pública das autarquias locais, orientação essa que veio colher nova força com o Código Civil de 1966, já que se suprimiu à categoria das coisas comuns. Por isso, o Dr. Ehrardt Soares afirmou estar ultrapassada a fase da propriedade comunal dos vizinhos, devendo os baldios ser concebidos como coisas particulares, pertencentes ao património da autarquia, embora sujeitos á afectação especial de suportar certas utilizações pêlos habitantes de uma dada circunscrição ou parte dela.
Parecia, assim, ultrapassada a tese dos que, como Marcelo Caetano, consideravam os baldios como não integrando a categoria das coisas públicas. Aliás, o liberalismo tentara a apropriação individual, transformando-os em propriedade privada e o Código Administrativo permitia a sua prescrição e que fossem julgados dispensáveis do logradouro comum.
Poderá ser considerada fastidiosa e dispensável esta breve resenha histórica. Contudo, parece-nos importante relembrar a vivência e enquadramento jurídico do passado para se balizarem correctamente as decisões do presente, que terão necessariamente implicações no futuro. Entretanto, independentemente de tradições, por vezes seculares, o tempo se encarregou também de consolidar outras novas realidades.
Os terrenos baldios existentes, em muitas freguesias, para utilização de águas, minas, pedreiras, ele., ou foram indevidamente apropriados ou, não tendo sido, devem ser excluídos do comércio jurídico e integrar o domínio público da autarquia em que se localizam. A questão é, aliás, pacífica, mas vale a pena esclarecê-la, porquanto outra confusão reinante é estender o regime apropriado a terrenos de uso agrícola ou florestal a todos os baldios.
Também no que se refere aos terrenos de aptidão e uso agrícola, poucos ou nenhuns restarão que possam classificar-se como baldios. A proximidade dos lugares habitados que lhes permitiria o uso c a necessidade de cultivo inerente à sua utilização agrícola determinou, também, mais ou menos rapidamente, que tivesse cessado a sua característica de bem comunal por terem sido apropriados individualmente.
É preciso, portanto, ter consciência de que o problema da manutenção, através dos tempos, de formas comunitárias de utilização de terrenos só se coloca em relação a terrenos de aptidão florestal, utilizados como tal ou para a pastorícia.
Nesta lógica, ter-se-á verificado um certo excesso no movimento lançado pelo MFA em que, sob o lema «Restituir ao povo o que ao povo pertence», se procurou corrigir, por acção contrária, as acções desencadeadas pelos serviços florestais, a partir da década de 40, e que teve consagração legislativa no Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, pelo qual se faria «a entrega de terrenos baldios às comunidades», revogando-se os artigos 359.º e 400.° do Código Administrativo e tornando-se claro que os baldios constituem propriedade dos moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas, e nunca bens do património das autarquias locais.
É patente que a legislação de 1976 se revelou fonte de alguns litígios com os órgãos autárquicos e gerou alguns impasses. Como já se referiu, nenhuma razão