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1232 I SÉRIE -NÚMERO 37

O que estava a passar-se, na verdade, era a construção do Império Britânico em África, a qual teria o seu ponto alto na Conferência de Berlim, em 1885, e depois no ultimatum inglês de 1890.
Em 1846, com a ocupação de Ambriz, iniciou-se a expansão portuguesa no Hinterland africano e também uma longa disputa entre os dois países, que vai durar até 1861.
As razões eram conhecidas: como escreveu, para Lisboa, o governador José Maria da Ponte e Horta, «os domínios portugueses desta parte da África compreendem uma imensa extensão do território, que pode adiantar-se extraordinariamente para o interior. Este território é cortado de rios, que correm para a costa ocidental, e os seus vales são notavelmente férteis, assim como as entranhas da terra se mostram ricas de metais. Podem, portanto, esses domínios oferecer valiosas reservas e a metrópole deve aproveitá-los».
Todavia, a orientação que conseguiu vingar foi a do abandono dos pontos do interior e o fortalecimento das posições da cosia. O argumento era de que enquanto os rendimentos das alfândegas das costas conseguiam, num curto espaço de tempo, subir de 33$ para 390000$ o interior só servia para consumir energias e homens, devido à resistência dos africanos, e o comércio não era de modo a recomendar o esforço da guerra. A este propósito observava o governador Alexandre Albuquerque que «fatalmente, os produtos do interior teriam de escoar-se pelo mar, podendo aí pagar as taxas ao Estado».
Esta a razão pela qual as propostas de homens devotados à «causa ultramarina», como Duprat e Silva Porto, não conseguiriam obter eco em Portugal até que Andrade Corvo retoma a divisa da expansão, baseando a sua política no entendimento com a Inglaterra e na defesa do trabalho livre.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, Andrade Corvo, afirmava, neste Parlamento, que «a Inglaterra conta, para a realização do seu pensamento, civilizar a África com a cooperação leal que lhe possamos prestar e esta cooperação há-de ser uma das bases mais sólidas, uma das garantias mais seguras no nosso desenvolvimento colonial». E rematava, dizendo que cumpria a Portugal «cooperar com a Inglaterra sem receios infundados, sem desconfianças injustas. Se a nossa confiança fosse traída -que não o será- a nobre Inglaterra teria de se arrepender, porque teria de se envergonhar em face das nações».
O programa político de Andrade Corvo ganhou relevo quando projectado contra a forte corrente anticolonialista, de raiz socialista e republicana apoiada por alguns ilustres «descrentes» no futuro colonial do País.
Oliveira Martins, numa primeira fase, zombava dizendo «estar de arma - sem gatilho! - ao ombro, sobre os muros de uma fortaleza arruinada, com uma alfândega e um palácio onde vegetam maus empregados mal pagos, é assistir de braços cruzados ao comércio que estranhos fazem e nós não podemos fazer; e esperar todos os dias os ataques dos negros, ouvir a todas as horas o escárnio e o desdém com que falam de nós todos os que viajam em África, não vale sinceramente a pena».
Eça caricaturava o nosso império colonial, dizendo que as nossas relações com as colónias se resumiam a mandar para lá, de vez em quando, um governador e a receber de lá, como prova de gratidão, também de vez em quando, uma banana, e escrevia algures: «colónias são uma coisa que impunha vender antes que outros no-las levassem. Mas o Governo, como já não tínhamos colónias, compraria fragatas! Dilema pavoroso! Devemos vender colónias porque não temos governo para as administrar e não as podemos vender porque não teríamos governo que administrasse o produto. Miserere!»
Ferreira de Almeida chegou mesmo a apresentar no Parlamento uma proposta de venda de Timor e, não fosse a posição firme da Coroa, principalmente de D. Carlos, que pretendeu impor uma orientação pessoal - ou, como se diz hoje, protagonizar uma política de chefe de Estado - aos problemas africanos, talvez o destino colonial fosse bem diferente.
No meio de uma descrença geral foi D. Carlos que insuflou vida nova à Sociedade de Geografia de Lisboa destinada a ser a inspiradora das medidas que, definindo um novo império colonial, deviam restituir à monarquia a estabilidade e o prestígio que os republicanos tão duramente ameaçavam.
Precisava a monarquia dos Braganças jogar contra a ascensão do partido republicano a decisiva cartada do novo império africano. Como escreveu Basílio Teles - o analista mais arguto e erudito do 31 de Janeiro -, «no propósito de fundar um império colonial, tomando-o para base do futuro desenvolvimento económico da metrópole e, ao mesmo tempo, como plano político para reabilitar na opinião pública o regime incontestavelmente desacreditado, temos, pois, um pensamento director, embora sofrivelmente fantasista, que nos permite dar sentido à política monárquica durante um período de 10 anos».
Como alternativa política, aproveitando a «humilhação do ultimato», o partido republicano elabora a sua tese própria de «vocação africana de Portugal» - como é dito pelos antimonárquicos da época - para salvar o império, sem o mapa cor-de-rosa, irremediavelmente arruinado depois do ultimato, e lança-se no combate final para a derrocada da monarquia.
Como partido político com ambições de governo a breve trecho, vai procurar, como alternativa - e cito novamente Basílio Teles-, «acompanhar os partidos monárquicos, passo a passo, no terreno onde eles mesmo tinham posto a prosperidade e glória do País, estimúlando-os todas as vezes que os vissem esmorecer ou fatigar-se, moderando--os sempre que neles percebessem tenacidade e impaciência e, sobretudo, exercendo uma vigilância rigorosa sobre os actos da administração interna». Proceder deste modo estava na lógica do seu duplo carácter de partido patriótico e popular.
É esta oposição desgastante e quotidiana ao regime monárquico, para salvar Portugal da bancarrota e o império colonial dos «apetites» britânicos, que vai dominar o panorama político nacional com a Revolução de 31 de Janeiro de 1891, destroçando o rotativismo, provocando a fuga para a frente, que foi a ditadura de João Franco, passando pelo lastimável regicídio e, finalmente, conseguindo o triunfo da causa republicana em 5 de Outubro de 1910.
É deste «carácter patriótico e popular» que deriva a justificação de raiz do movimento portuense de 31 de Janeiro.
Celebrá-lo hoje e aqui, neste Hemiciclo e nesta sessão solene - em que o Governo é apenas representado pelo nosso ilustre colega de todos os dias, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares -, é apenas cumprir o dever de parlamentares que herdaram e assumem o regime depurado dos muitos conflitos ideológicos que eram da época e foram ultrapassados pelo civismo patriótico.

Aplausos gerais.