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1 DE FEVEREIRO DE 1991 1233

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: A Portuguesa, cujos acordes começaram a ecoar em 1890, nascida da convulsão criada pelo ultimato e que, na opinião de Sampaio de Bruno, foi são clamor metálico do hino" que, em 31 de Janeiro de 1891, os militares revoltosos do Porto, apoiados por boa parte da população local, tentaram a queda da monarquia, personaliza a própria consciência republicana.
O que ela pretendia, como afirma Joel Serrão, "era uma nova regeneração da Pátria, enxovalhada por falsas e pretensas regenerações anteriores. Por isso. busca trilhar a vida democrática, chamando às responsabilidades efectivas da cidadania um povo adormecido, como que à margem do tempo".
De facto, só a extrema gravidade das situações impele a Nação ao desejo da mudança, sobretudo quando constituem o extravasamento da acumulação indesejada de longas e penosas gestações. As populações tom consciência dos riscos e dos perigos existentes quando aceitam participar em acções conducentes & alteração do regime ou do sistema em que estão integradas.
Não se pode afirmar, sob pena de cairmos em juízos apressados e irresponsáveis, que o povo não está preparado para assumir conscientemente os seus direitos e responsabilidades.
Nesta perspectiva, concordamos em absoluto com as considerações expendidas por Sampaio Bruno, que, num tempo e num contexto histórico-cultural diverso, afirmava: "O Povo existe. O que é preciso é educá-lo. Porem, aqui urge não nos iludir com o tema, porque a educação de um povo faz-se conferindo os direitos públicos a esse mesmo povo. Ele aprende usando e só assim." E o povo corresponde muito melhor do que se pensa quando é chamado a julgar e a escolher, apesar de, na hora da derrota, políticos e partidos serem tentados a afirmar a sua menoridade cívica.
O cidadão comum não participa nem comunga dos interesses colocados em golpes palacianos, de que a nossa história é fértil, o que manifestamente não se verifica quando não existem condições mínimas de sobrevivência digna ou se a honra nacional é vilipendiada.
Normalmente, nestes casos, esquecem-se naturais receios e salta-se para o teatro das operações com a consciência plena de que a contribuição pessoal é necessária e decisiva Por isso, tais momentos não abundam na nossa história.
Foi assim, em experiência primeira e dolorosamente desenvolvida, nos finais do século XIV, quando a consciência do ideal da Pátria começou a definir contornos, perante o perigo da perda da independência.
De facto, sentiu-se que não poderia perder-se, numa penada, a difícil construção da Nação que a Natureza proporcionou e o querer de sucessivas gerações havia, paulatinamente, construído.
Outras manifestações, de igual sentido, verificaram-se posteriormente e só tiveram êxito quando a adesão popular aconteceu.
Todavia, nem sempre a primeira tentativa surtiu o efeito desejado. Copiosos exemplos têm ilustrado tais situações ao longo do nosso passado colectivo.
Entretanto, quando a causa 6 justa e as motivações determinantes tem-se voltado ao combate pela concretização das alterações ansiadas.

nscreve-se, neste quadro, a revolta do 31 de Janeiro de 1891.
Portugal, na segunda metade do século XIX, era um país subdesenvolvido, com cerca de dois terços da sua população a trabalhar na agricultura e com o outro terço afecto a actividades não directamente produtivas, o que provocava, naturalmente, um baixo nível de vida das populações.
Acresce a este facto a circunstância de uma parte diminuta e dominante não fazer a aplicação adequada dos lucros da produção, o que provocava a existência de uma faixa importante da população a viver em precaríssimas condições socioeconómicas.
O ultimato inglês constituiu a causa imediata da revolta do 31 de Janeiro, que feriu de morte o regime monárquico.
De facto, na opinião de Luís de Montalvor, "O ultimato assombrara dolorosamente o País, com o espanto que causaria o estalar pavoroso de um raio numa atmosfera límpida. Era uma surpresa que se nos fulminava pela iniquidade, nos aniquilava pelo imprevisto."
A exigência inglesa do abandono português da região do "mapa cor-de-rosa", tendo posto fim do sonho ao grande Império Português em África, gerou uma enorme convulsão verberadora da afronta inglesa e da passividade dos governantes de então.
Na opinião interveniente de Jaime Cortesão, "a causa próxima e directa da eclosão do movimento do 31 de Janeiro de 1891 foi a consciência do contraste entre uma Pátria forte e digna que abrira à Europa e, em particular, à Inglaterra as estradas dos oceanos e as portas do Oriente e a Pátria de então que cedeu, com humilhação e opróbrio, à brutalidade do ultimatum inglês (...). Mas a consciência nacional, despertada pelo centenário de Camões e pela mutilação que Portugal sofrera no seu corpo ultramarino, balbuciava apenas".
Generalizaram-se as manifestações por várias regiões do País reflectindo o sentimento dominante, num misto de patriotismo e de desagravo, e que foi a razão determinante do divórcio verificado entre a Nação e a realeza, que foi impotente para travar a onda de indignação que se alastrou e tomou a revolta inevitável.
Como afirmou Luís Montalvor, "O exército, como toda a Nação, foi ferido profundamente nos seus brios com o ultimatum. Ele sentiu a sua impotência. Ele dava bem conta de que a sua organização era deficiente e o seu armamento impróprio da época."
Apesar do empenhamento e bravura dos militares de média e baixa patente, a sublevação não teve os efeitos esperados, já que se circunscreveu à cidade do Porto, que, conforme constata Jaime Cortesão, "assumiu heróica mas isoladamente as responsabilidades que lhe cabiam como célula cívica do País.
O Porto salvou a honra da Nação. Viu-se que nem tudo estava perdido. E o malogro dos percursos acendeu uma chama de esperança que não volta a apagar-se".
A falta de um plano de conjunto, a ausência de um acompanhamento político adequado, a inexperiência dos militares, a precipitação dos acontecimentos e a espontaneidade da multidão foram algumas das razoes que estiveram na base do inêxito da sublevação.
Mário de Vasconcelos e Sá, afirma, aliás, que "o optimismo e a boa fé perderam o movimento iniciado com a facilidade que só os ideais e os sentimentos sinceros arrastam e galvanizam. Esmagada a revolução, ela ficou a remoer como fogo que não se apaga".
Ponto é que a semente ficou a germinar e frutificou, volvidas duas décadas, com a implantação da República. Mas os seus efeitos não se quedarão por aí.