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1 DE FEVEREIRO DE 1991 1235

Em segundo lugar, creio que podemos dizer que o 31 de Janeiro exprime a «republicanização» do movimento de protesto contra o ultimatum. A onda de indignação nacional abarcou, naturalmente, gente de todas as classes e camadas e de todas as convicções políticas, republicanos, mas também monárquicos. Lembro Antero de Quental, à frente da Liga Patriótica do Norte, e os monárquicos Augusto Fuschidi e António Enes, à frente da Liga Liberal.
O Partido Republicano procurou, porém, e conseguiu-o até certo ponto, dar expressão política ao protesto patriótico, imprimir-lhe uma perspectiva, apontar-lhe uma salda-a queda da monarquia, a proclamação da República.
Guerra Junqueira, que se convertera por essa altura aos ideais republicanos, podia dizer lapidarmente: «Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz Pátria diz República.»
A monarquia, a começar pelo próprio rei, facilitava os propósitos republicanos. A capitulação perante as arrogantes pretensões inglesas, "a submissão cobarde dos monárquicos", como lhe chamou Basílo Teles, as manobras para iludir a opinião nacional, a repressão das manifestações populares e das actividades republicanas, somavam-se às inegáveis responsabilidades na quimérica operação do "mapa cor-de-rosa", que estivera na origem do conflito diplomático. Para além de tudo isto, o progressivo apodrecimento das instituições da monarquia liberal, onde a vida política era hegemonizada por dois partidos que se alternavam no poder sem que qualquer objectivo ou noção programática os distinguisse, a não ser a ânsia de duas equipas rivais com as respectivas clientelas se sentarem à mesa do orçamento e se beneficiarem à sua custa. Era a bipolarização à moda do tempo. Guerra Junqueira foi implacável para estes dois partidos monárquicos que conheceu por dentro: "São as duas metades de um mesmo zero", dizia ele.
Foi, pois, um assinalável sucesso no plano político a tentativa do Partido Republicano de republicanizar o descontentamento e o protesto nacional. Muito mais complicada, e por razões do próprio Partido Republicano, era conduzi-lo ao derrubamento da monarquia que implicava, como se viu, uma acção revolucionária com participação militar.
O programa do Partido Republicano preconizava que o estabelecimento da República se faria por revolução natural". Os dirigentes republicanos eram essencialmente doutrinadores, nada afeitos a práticas revolucionárias e a acções militares. Os revolucionários portuenses apareciam como uma grande viragem nesta linha de doutrinação pacífica. É isto que explica as tão discutidas divergências insanáveis entre republicanos de Lisboa e do Porto, que não permitiu que o Partido Republicano estivesse unido no 31 de Janeiro, o que foi seguramente a principal causa da derrota do movimento.
Mas se o movimento foi derrotado, a perspectiva revolucionária na luta pela República triunfou entre os republicanos e teve a sua plena confirmação 20 anos mais tarde com o S de Outubro de 1910.
Esta perspectiva revolucionária foi explicada por um dos heróis do 31 de Janeiro, o sargento Abílio de Jesus, perante o conselho de guerra que o condenou. Disse ele: "Entrei no movimento para ajudar a depor o Rei D. Carlos, porque sou republicano e tenho muitas razões para o ser. Não sou republicano da evolução, porque por ela nem daqui a um século, julgo, teríamos a República em Portugal."
A terceira chamada de atenção, que quero fazer, é para o carácter eminentemente popular do 31 de Janeiro. Joel Serrão, no Dicionário de História de Portugal, salienta a propósito: «Quanto ao 31 de Janeiro, em cujo desenrolar pairou a sombra tutelar do 24 de Agosto e o desígnio de a repetir, a verdade é que o seu aspecto social é muito diverso: efectivada por sargentos e cabos e enquadrada e apoiada pelo povo anónimo das ruas foi hostilizada ou minimizada pelos oficiais, pela alta burguesia e até pela maior parte da inteligência portuguesa."
Aos sargentos coube, sem dúvida, um papel decisivo no movimento. É assim que, entre os 22 principais condenados pelos conselhos de guerra, 14 são sargentos, 3 cabos e 1 praça da Guarda Fiscal.
Uma homenagem especial é, por isso, devida aos sargentos Abílio, Galho e Rocha que, com o capitão Leitão, desempenharam um papel decisivo na condução militar do movimento.

Aplausos do PCP.

Recebemos hoje uma exposição da Associação Nacional dos Sargentos, em que manifestam a sua aspiração a que o dia 31 de Janeiro seja considerado o dia nacional do sargento. O Grupo Parlamentar do PCP dá pleno apoio a esta aspiração, declarando-se desde já disponível para com outros grupos parlamentares tomar as medidas e as iniciativas adequadas para que esta aspiração tenha concretização.

Aplausos do PCP.

A natureza vincadamente popular do 31 de Janeiro ajuda a perceber a fúria liberticida com que a repressão monárquica se lançou sobre os vencidos e as actividades republicanas; as iníquas condições dos julgamentos feitos por tribunais, que eram mera extensão do executivo monárquico; as frenéticas campanhas da imprensa monárquica, tentando denegri-los e caluniá-los aos olhos da opinião pública.
A extrema coragem e a perfeita dignidade com que a generalidade dos revoltosos enfrentou os mercenários julgadores monárquicos, a firmeza e a confiança nos ideais com que reagiram à adversidade nas masmorras monárquicas, nos desterros africanos ou no exílio encontram-se, seguramente, entre as razões mais fundas da sua exemplaridade.
Esta exemplaridade não podia deixar de tocar, comover e exercer uma especial atracção no movimento operário, quando este, organizado sindical e partidariamente, se tornou um protagonista fundamental da democracia portuguesa.
Na passagem do centésimo aniversário do 31 de Janeiro, o PCP associa-se empenhadamente às comemorações, entre outras, através de uma declaração da Direcção da Organização Regional do Porto e também contribuindo com uma proposta para a efectivação desta sessão- que deveria ser solene - na Assembleia da República.

O 31 de Janeiro entronca na linha das revoluções libertadoras e democráticas que vão do 24 de Agosto de 1820 ao 25 de Abril de 1974 e que culminam na democracia política, económica, social e cultural que a nossa Constituição consagra.
As efemérides da nossa história fazem-nos pensar não só no passado mas também no presente e ale no futuro. O 31 de Janeiro ainda fala muito à nossa actualidade, como vimos. O acendrado patriotismo dos seus protagonistas e a sua coragem, o destemor, a confiança com que foram capazes de lutar por um projecto nacional, em condições