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1 DE FEVEREIRO DE 1991 1239

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sc ao Hm de um século um determinado acontecimento resiste ao tempo e continua vivo, se na memória do povo e nas ruas da cidade os nomes dos seus interventores permanecem como referência situável, se a chama de um acto se transformou em culto, então certamente que o sucedido não foi um mero acidente, um breve intervalo, um soluço da história.
O 31 de Janeiro não é produto do acaso histórico. Tem raízes mais longas e fundamentos mais profundos.
De um ponto de vista global, parece mesmo o corolário lógico de um síndroma de desagregação, de enfranquecimento e de divisão.
Em primeiro lugar, pelas consequências da tensão dialéctica entre liberalismo e absolutismo, que quase com o século nasceu e em Portugal teve um desenvolvimento mais tardio.
Depois pelas decorrentes divisões dentro do regime, que, com grande dificuldade, digeriu a evolução e prolongou as lutas internas com mal escondida violência.
Ainda pela natural facilidade e modismo dos pronunciamentos militares.
Finalmente, por tudo aquilo que melhor do que nós mesmos o faríamos, Oliveira Marques explica do seguinte modo: «Os acontecimentos de 1890-1891 estiveram enquadrados numa séria crise económica e financeira, de âmbito internacional.
A crise económica europeia de 1890 repercutiu-se em Portugal como possivelmente nenhuma até então, sendo agravada pelo ambiente de pessimismo e de profunda descrença nos governantes e nos modos de governar que permeabilizava as classes diligentes.
A depreciação da moeda, a falência de alguns bancos, o aumento da dívida pública, a contração nos investimentos, tudo isto acentuado pela gravidade da boataria circulante, a agitação das ruas e a momentânea instabilidade governativa, implicaram um longo ciclo depressivo que persistiu durante quase toda a década de 1890.
Por outro lado, a expansão económica dos decénios anteriores e o afluxo crescente da população às grandes cidades haviam causado o surto de uma classe média de pequenos e médios burgueses que se sentia oprimida pela grande burguesia e aristrocacia dirigentes.
Esta classe média urbana, que constituía novidade pelo número e a concentração atingidos, representou o sedimento de base do republicanismo militante e a grande força de ataque ao rei, às instituições monárquicas e à igreja.»
Neste cenário, o ultimatum inglês terá sido apenas um elemento catalisador da angústia, do descontentamento e da impotência.
Condenados pela opinião pública foram a monarquia e o rei, por, no fundo, personificarem a imagem da incapacidade portuguesa de reagir a uma declaração tida por injusta e afrontosa.
É neste sentido que se busca a justificação imediata da revolução.
A revolução far-se-ia por identificação com princípios que lhe preexistiam, como a dignidade, a independência nacional ou a liberdade, e que o poder constituído se encarregara de esquecer ou violar.
Seria, pois, uma revolução justa enquanto baseada na defesa de valores perenes, cuja garantia a ordem a subverter se não mostrava capaz de assegurar.
E, principalmente, o produto da saturação de muitos e da incapacidade de outros tantos.
É na expressão simples e profunda de João Chagas a revolução que resulta da vontade e do momento de dizer «basta».
O 31 de Janeiro aparece como um acto puro de idealismo, quase sem preparação do movimento revolucionário, quase sem chefes, mas com irrecusáveis inspiração, participação e sequência.
Surgiu certamente antes do tempo necessário para a construção das suas condições de sucesso.
Por isso para os seus participantes não foi a consagração da vitória mas o caminho do exílio ou do degredo.
Ou não fosse este o dilema de todos os revolucionários.
Recordando Castanheira Neves, diríamos: «Se a revolução falha (os seus autores) tornam-se réus de alta traição. Sc a revolução triunfa o novo poder adquire a legitimidade do legislador do novo direito.»
E como ele concluiremos com Hartmann que «se o revolucionário se toma um traidor à Pátria ou um legislador com poder legítimo, se a novidade ascendente cede à força das velhas instituições ou triunfa, sobre isso decide em último termo a direcção para a qual tende realmente a vontade de direito e social do tempo. O que corresponde a esta direcção terá como sua toda a força viva do espírito objectivo, o que se lhe opõe tê-la-á contra si, porque, num caso, existe já a tendência histórica de que nasce a revolução e nisso reside o seu direito».
Foi precisamente esta inelutável tendência histórica que justificou o 31 de Janeiro.
Se o 31 de Janeiro não foi o fim da monarquia, foi certamente a sua morte anunciada.
Se o 31 de Janeiro não foi uma revolução triunfante, foi sem sombra de dúvida um acto fortemente premonitório.
Tão forte e exacto é este sentido que o mesmo João Chagas, que reduziu a escrito o protesto «basta», 19 anos volvidos, em 1909, no segmento Final de um exemplar das suas cartas políticas, dirigiu ao rei o mais solene aviso:
«Despeço-me de V. Majestade como homem e como rei. Como homem é possível que venha a encontrá-lo. Como rei é esta a última vez - estou disso persuadido - que me dirijo a V. Majestade e não é minha a culpa se a história e os homens decidirem que entre V. Majestade e eu, seu súbdito, não haja de futuro mais relações.»
A história e os homens decidiram um ano mais tarde!
Mas na memória dos portugueses, na memória dos homens do Porto, ficam aqueles que de peito aberto às balas, na sua inquietação e na sua entrega ao ideal nobre da liberdade cometeram o pecado de se antecipar à história e tiveram a glória de ver mais cedo o futuro.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a sessão solene comemorativa do centenário da Revolta do 31 de Janeiro.

Eram 16 horas e 43 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Carlos Manuel Pereira Baptista.
Dinah Serrão Alhandra.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Apolinário Nunes Portada.