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7 de Junho de 19912955

Uma outra circunstância, que concorre também para enfraquecer a repressão penal
do crime de emissão de cheque sem provisão, radica na atitude das vítimas.

É do conhecimento geral que a estas não interessa sobremaneira a punição do delinquente; antes as move o desígnio de receber á quantia representada no cheque. A este propósito, convém sublinhar que uma parte significativa dos crimes de emissão de cheque sem provisão fica impune, quer porque o lesado consegue fazer-se pagar através do recurso a meios extrajudiciais, quer porque, mesmo após a instauração do processo penal, lhe põe termo através da desistência, naturalmente a troco de certas compensações de duvidosa moralidade.

Também em muitos casos de emissão de cheque sem provisão para pagamento de pequenas quantias, próprias da chamada «hipermassificação» deste tipo de crimes (os pagamentos em supermercados são um exemplo de escola), os lesados renunciam ao procedimento repressivo, conformando-se com os prejuízos sofridos e assim contribuindo para o avolumar das «cifras negras» que caracterizam, um pouco por todo o lado, a criminalidade relacionada com o cheque.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido dito, e com alguma razão, que o fenómeno do cheque sem provisão tem, em grande parte, origem no facto de os bancos facilitarem o emprego do cheque, bastando-se, na prática, com a abertura de uma conta de depósito à ordem, ainda que de importância diminuta, para procederem à entrega ao depositante do chamado «livro de cheques».

A proliferação dos casos de uso fraudulento de cheques dificilmente encontra justificação fora das facilidades referidas e da ausência de prévia indagação da credibilidade e da honorabilidade económico-financeira do candidato a cliente. Daí o falar-se em «incauta presunção» dessas credibilidade e honorabilidade, que estará na base do estabelecimento, com o titular da conta, de uma convenção de uso de cheque.

A verificação deste circunstancialismo tem levado a que alguns sistemas jurídicos estrangeiros consagrem, nesta matéria, soluções precisamente destinadas a reforçar a responsabilidade social das instituições de crédito. Essencialmente, tais soluções passam por uma relativa descriminalização do cheque sem provisão e pela imposição de certas obrigações às referidas instituições de crédito, quer de carácter preventivo, quer também de carácter repressivo. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sentido e a extensão do pedido de autorização legislativa que o Governo ora traz à consideração de VV. Ex.ªs segue a orientação que vem sendo seguida pela grande maioria dos países que integram o Conselho da Europa.

Assim, propõe-se a despenalização do crime de cheque sem provisão sempre que o seu montante titulado não seja superior a 5000S; impõe-se às instituições de crédito a obrigação de rescindir qualquer convenção que atribua o direito de emissão de cheques por quem ponha em causa o espírito de confiança que deve presidir à circulação do cheque; impor, também, a estas entidades que hajam
rescindido a convenção de cheque, o não poder celebrar, em determinado prazo, nova convenção; autorizar, ainda, o Banco de Portugal a proceder à listagem de utilizadores de cheques que oferecem risco, no caso de terem sido objecto de duas ou mais rescisões da convenção de cheque ou continuem a emitir ou a subscrever cheques, depois de notificados da decisão de rescisão, e, consequentemente, a obrigar as instituições de crédito a não confiarem impressos de cheques às entidades constantes na aludida listagem.

Na proposta de lei em análise tipifica-se o crime de emissão de cheque sem cobertura e prevê-se a soa punição análoga ao crime de burla; prevêm-se também crimes de desobediência para quem não dê cabal execução à sentença condenatória e, finalmente, enlencam-se as adequadas sanções acessórias.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como refere o Sr. Prof. Doutor Figueiredo Dias. «independentemente de qualquer juízo de valor, o certo é que uma primeira conclusão há que retirar [...] o uso do cheque, tal como está juridicamente regulado, bem como tudo o que a prática bancária propicia, são factores criminógenos da infracção consubstanciada precisamente na emissão de cheque sem provisão».

Estamos convictos, está o Governo convicto, que a proposta de lei de autorização legislativa que ora se apresenta a VV. Ex.ªs detém as necessárias virtualidades para alterar profundamente este estado de coisas, tornando mais seguro o trato comercial e contribuindo, de fornia muito significativa, para uma melhor dignificação da justiça penal e, consequentemente, dos tribunais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª fez uma intervenção interessante, mas em matéria de estatísticas referiu pouco ou nada. Por exemplo, disse que há muitos crimes que ficam impunes. Mas isso é empírico, de conhecimento prático ou há estatísticas no seu ministério que o confirmem? Receio que não haja. De qualquer modo, gostaria que me explicasse por que é que se despenaliza o crime de emissão de cheque sem provisão até 5000$, o que é uma gota de água no oceano. Sou advogado do quotidiano e nunca me passou pelas mãos nenhuma queixa-crime por 5000$ em matéria de cheque! Porquê despenalizar até 5000$ quando é exactamente até essa quantia que o receber não é obrigado a aceitar o cheque como meio de pagamento? O que é que se pretende com esta medida?

Outra questão a que gostaria que me respondesse é a seguinte: está V. Ex.ª convencido de que, com esta lei, se reduz o serviço das polícias e dos tribunais?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª disse que o pagamento do cheque com juro mínimo libera já o pagamento, ou seja que o infractor fica isento da pena. Pergunto a V. Ex.ª se isto não irará algumas confusões, quando, há lugar a pagamento de juros maiores do que os mínimos legais, em determinados contratos. Por exemplo, relativamente à renda da casa: uma pessoa paga a renda da casa com um cheque e, depois, quando vai pagar o cheque, paga com o juro mínimo, quando o juro para fora do prazo é de 50 %. O que quero perguntar-lhe é se, depois, se soma mais 50% sobre o cheque, ou se o juro mínimo fica integrado nos 50 %. Como é que se resolve este problema? E que há muitas pessoas que pagam a renda da casa através de cheque.