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2998 I SÉRIE -NÚMERO 90

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Presidente da República tem repetidamente acentuado que o pluralismo e a isenção não estão a ser observados em órgãos de comunicação social do sector público. Por ser essa a sua convicção, enviou uma mensagem à Assembleia da República que fez a bancada do PSD desencadear no Plenário uma pequena tempestade que levou à interrupção dos trabalhos.

Contra o que se insurgiram, afinal, os Srs. Deputados apoiantes do Governo?

Contra o direito de o Presidente da República honrar um compromisso ou contra a consciência do Presidente Mário Soares?

Srs. Deputados, se dúvidas subsistiam quanto à oportunidade da mensagem e à urgência de medidas legislativas que assegurem o pluralismo na comunicação social do sector público, tais dúvidas foram varridas na mesma noite de quarta-feira.

Os Telejornais fizeram suas as «dores» do Grupo Parlamentar do PSD e deram continuidade a um espectáculo que daria tema para uma farsa vicentina.

O director de informação julgou de utilidade subir ao palco e negar, sem reflexão, a procedência de quaisquer críticas que manchem, mesmo ao de leve, o autoproclamado sentido ético e de independência da RTP, como austera zeladora do pluralismo.

O Presidente da República foi maltratado por um influente mas pequeno funcionário que quase roçou a injúria na admoestação indirecta. O pior chegou a seguir. No pressuposto pouco inteligente de que «branqueava» o Telejornal, o admoestante asseverou que a informação na RTP é tão neutra e equânime que todas as forças políticas por igual dela se queixam. E, para ser mais convincente na demonstração do rigor pluralista da RTP, desengavetou para exibição uma providencial sondagem confirmativa do discurso dele, director responsável.

Essa sondagem, obviamente com o carimbo pluralista da RTP, anuncia que a esmagadora maioria dos portugueses acha óptimo o Telejornal e tudo o que se refere à informação made in RTP. São altíssimas as notas referentes à qualidade e à isenção reveladas por essa sondagem.

O fecho correspondeu ao prólogo: plena confiança do «muito isento» conselho de gerência da RTP nas chefias, a quem se deve a grande qualidade do Telejornal e a isenção e espírito pluralista de que fala a tal sondagem mágica com aroma a referendos da França bonapartista.

O director do Canal 2 pronunciou também depois o discurso de resposta à mensagem.

Por que não foram demitidos os responsáveis pela informação e gestão da RTP? A sua permanência em funções é um escândalo público. Mas não se deve fazer deles bode expiatório. O Ministro da tutela também deveria ser demitido - atrás da RTP está o Governo!

Vozes do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Naquela noite de quarta-feira, ao ensaiarem a sua defesa, os senhores chefes da RTP não se aperceberam de que estavam a produzir um efeito oposto ao visado: ofereceram a milhões de portugueses um espectáculo de baixa e evidente manipulação; não se deram conta de que a imposição a martelo da sua mágica sondagem, no próprio dia em que fora divulgada a mensagem presidencial, configurava uma tentativa de instrumentalização da opinião pública!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Critiquei, desde o 25 de Abril, a acção política do Dr. Mário Soares com muita frequência, por vezes com dureza. Dele me separa um fosso que não é apenas ideológico: são dissemelhantes e até incompatíveis as nossas mundividências, muitas vezes sobre o caminhar do homem e a transformação da vida.

Sinto-me, por isso, plenamente à vontade para afirmar que a sua mensagem à Assembleia da República representa um grande serviço prestado ao povo português.

Aplausos do PCP.

A partidarização e governamentalização da RTP e da RTP não são de hoje. Mas o processo avançou muito nos últimos anos e assume uma feição alarmante, em vésperas de eleições legislativas.

O Presidente da República procedeu apenas a uma síntese brevíssima de situações inseparáveis de abuso do poder, políticas de discriminação, técnicas manipulatórias, operações financeiras ilegítimas, que se tornaram rotineiras no sector público da comunicação social.

A RTP desenvolveu na informação um estilo suficiente, sobranceiro, indissociável de práticas que reduzem o pluralismo a figura de retórica. O culto da infalibilidade, a deformação consciente de acontecimentos e palavras, o servilismo perante o poder e a arrogância no diálogo com a oposição são incompatíveis com a função social de um serviço público de televisão.

A RTP exibe o seu rosto desumanizado em Telejornais robóticos, concebidos e impostos por chefias que fizeram da governamentalização um credo religioso. Aquela ligação imaterial, indefinível, que traz a credibilidade, que gera no telespectador a estima pelos media e funciona como sistema de vasos comunicamos está ausente na relação RTP/público.

Srs. Deputados, fala-se menos da RTP do que da RTP. Porventura, e ali menor a govemamentalização? Não creio! Em resposta a um requerimento do grupo parlamentar do meu partido, o presidente do conselho de administração da RTP informou, no mês passado, que de um total de 42 personalidades convidadas em 1990 a participar no programa Encontro às 9 da Antena l, 26, ou seja 61 %, eram do PSD.

A Sr.ª Dinah Alhandra (PSD): - Reflecte o País!

O Orador: - Da lista constava apenas um comunista. O conceito de pluralismo vigente na RTP é, porém, tão peculiar que o administrador não se dispensou de acrescentar: s[...] A presente listagem avalia a independência e o pluralismo da programação [...] que a RTP transmite nos seus canais.»

Também este ano, em entrevista ao semanário Sete, o director da Antena l, Sr. Pego, disse que ela tem de reflectir as preocupações do Governo em várias áreas de intervenção. E sublinhou: «É natural que a Antena l seja um veículo dessas mensagens e temos todo o gosto em fazê-lo.»

Srs. Deputados: perante este elogio militante da governamentalização da rádio feito pelo próprio director da Antena l, percebe-se com limpidez o que o Primeiro-Ministro tinha em mente ao escusar-se na RTP a emitir a opinião que lhe pediam sobre pluralismo nos media audiovisuais.