288 I SÉRIE -NÚMERO 10
Os tratados europeus, em fase de ratificação, no presente ano, são susceptíveis, só por si, de modificar totalmente a paisagem económica, monetária, financeira e política de toda a Europa. Os acordos intracomunitárias propiciarão perspectivas de crescimento e de estabilidade, na Europa e no mundo, ao construírem uma Comunidade forte, competitiva e orientada por perspectivas de médio prazo.
Com o EEE trata-se, no fundo, de acabar com a divisão, sem sentido, do pós-guerra, que atirou alguns países da Europa para um bloco de cooperação pretensamente alternativa, por não quererem compartilhar e juntar esforços a nível comunitário, levando-os a seguir vias separadas e afastando-os do projecto de integração europeia, apesar da similute de sistemas político-económicos, dos valores sociais e das interdependências das respectivas economias.
Por isso, apesar de no horizonte político europeu se perfilar a unificação dos Estados, objectivo visado, desde o início, pela Comunidade e acontecimento de primeira importância, temos de concordar que com a criação do EEE é também uma página importante da historia da Europa que se escreve.
Sem dúvida que a união política constitui para a construção europeia um salto qualitativo maior. Mas diga-se, de passagem, que essa união sempre foi o objectivo do processo. Não é um salto surpresa, mas esperado, por vezes adiado, mas sempre anunciado e previsto. Ele era o objectivo, contendo as virtualidades queridas.
Assim, as realizações que se sucederam eram meios, passos necessários, mas insuficientes, enfim, as construções possíveis em cada fase histórica.
Basta ler o preâmbulo do Tratado da CEE, as declarações da Cimeira de Paris, da Cimeira de Estrasburgo, mais tarde o texto do próprio Tratado, o Acto Único Europeu de 1986.
Mas é inegável que com o EEE ocorre uma certa unificação económica de todo o bloco ocidental do Velho Continente que ninguém terá previsto tão rápida, o que nos permite concluir do êxito contagiante da Comunidade, afinal do único êxito de experiências político-económicas vividas neste século na Europa, que só ele explica aquilo que nem a guerra fria do período pré-gorhachoviano conseguiu. O mercado interior europeu, que é causa da criação do EEE, está na sua fase de finalização e vai chegar à aplicação na Comunidade em termos de consequências extremas da noção de mercado comum, fundamento do Tratado de Roma. No fundo, significa levar a bom termo, finalmente, aquilo que se começou e bem há mais de 30 anos.
Percebido por alguns como uma ruptura, dando lugar nalguns países a debates acalorados aquando das ratificações, ele trouxe essencialmente o mercado interno que teremos a partir de 1993 e desencadeou a natural aceleração actual da construção europeia. Um e outro inscrevendo-se no cumprimento, na continuidade da CEE, com a única originalidade histórica de que 1993, agora, face ao texto mesmo que estamos a apreciar, significa que as regras deste mercado se vão aplicar afinal para além da Comunidade, ultrapassando-a, alargando esse espaço interior a terceiros, em termos que serão mais do que de simples liberdade de circulação para alguns produtos industriais, e mesmo só de mercadorias; mais do que isso, significa um alargar a terceiros de um mercado de que eles se marginalizaram noutras épocas, de um projecto de que se marginalizaram noutras épocas, mas que, finalmente rendidos, o aceitam, embora não tenham participado e, como disse, fiquem marginalizados na sua participação em termos de construção de muitas das suas regras.
Aplicar a todos quantos, já em nome da defesa de certos princípios da sua soberania, com argumentos que não destoam de alguns detractores actuais do Tratado de Maastricht, o que implica uma reflexão em face das lições da história, rejeitaram compartilhar poderes, em ordem a participar num resultado final que, agora, vêm aceitar, reconhecendo afinal que em nome das suas soberanias se entregaram totalmente nas mãos das soberanias alheias.
Com efeito (e é aqui que quero chegar), ninguém pode camuflar que o Tratado da EEE implica a submissão dos países da EFTA à ordem jurídica e política da Comunidade Europeia. E porquê esta evolução? Tudo porque, afinal, por muito que isso seja incompreensível para alguns, o progresso económico é, no mundo dos actuais reptos, a razão decisiva da integração. Os motivos económicos, mais do que os esboços de arquitectura geopolítica são a razão do processo de aproximação crescente dos Estados das várias regiões. Com efeito, a integração está ligada a dois desafios calculadas, de força incontornável: a vontade de fazer aumentar a prosperidade económica dos povos e o bem-estar dos cidadãos; e a redução estratégica de autonomia nacional, compensada a favor de todos por uma maior afirmação europeia que jogará também mais a favor de cada um.
Infelizmente, o alcance da construção europeia é muitas vezes subestimado, mal percebido, medindo-se mal o imenso caminho já percorrido ao longo destas três décadas e meia. Mal de todos se esta construção pudesse ser posta em causa! Foca-se, por vezes, o excesso burocrático ou bloqueador, excessivamente regulador, de certas instituições, a persistência dos desequilíbrios regionais que afirmam acentuados sem superação, ou a força do Estado-nação responsável por tantos atrasos, bloqueamentos, recuos, o apego a uma soberania erigida em valor absoluto, questões técnicas que permanecem tempos indefinidos sem solução, ou já os problemas oriundos das soluções de velhas questões essenciais, como a eliminação das fronteiras interiores, os défices de vivência democrática ainda não corrigidos, como se uma construção original, pacífica, plural, exigente se pudesse operar por toques de mágica.
Tudo tentando esquecer os avanços ciclópicos, os benefícios óbvios, as cedências pacíficas de competência», a eficácia demonstrada das instituições, as transferências financeiras significativas, mesmo que insuficientes, e o desenvolvimento global propiciado. Esquecendo-se que, à dimensão europeia, tudo tem um extraordinário efeito multiplicador que, mesmo em escalas e tempos diferentes, a todos aproveitará.
Sem dúvida que há muito a criticar, se não esquecermos que há muito, mas muito mais, a louvar e admirar. É que o modelo está ainda em construção - imparável, mas aperfeiçoável. Um modelo de organização da Europa, que seja suficientemente forte, quer para competir com o poderio/desafio de outros espaços económicos fortes, quer para equilibrar os interesses regionais e nacionais com os interesses pan-europeus. Um modelo para ressuscitar plenamente a Europa, e não só em benefício dos europeus. Como nos recorda o economista Lawrence Summers, no L'Expansion, em Novembro de 1989: «O relativo declínio da América não é um desafio só para os Americanos, e a ressurreição da Europa não é uma oportunidade só para os Europeus.»