10 DE MARÇO DE 1993 1619
ser mais avançado do que nos países latinos e nos países do sul em geral, a Declaração Universal, na sua versão inglesa, optou pela expressão «direitos humanos» (human rights) em vez de «direitos do homem».
Sigamos, em Portugal, o exemplo anglo-saxónico. Não cultivemos o machismo semântico francês. Passemos, pois, a referir-nos sempre a «direitos humanos» em vez de «direitos do homem».
Sr. Presidente, Srs. e Sr.ªs Deputadas: René Cassin escreveu que os direitos humanos constituem, na Organização das Nações Unidas, um triplico em que a parte central, ou seja, a base é constituída pela própria Declaração Universal enquanto que as duas partes laterais são compostas uma delas pelos diversos pactos e convenções internacionais e a outra pelas medidas de aplicação prática, sendo esta a parte mais imperfeita, aquela em que mais falhas se notam.
A imagem é pertinente. Concretamente quanto aos direitos da mulher, eles estão amplamente consagrados através da proibição da discriminação pelo sexo, quer na Declaração Universal, quer nos dois pactos internacionais que se seguiram, quer na Carta das Nações Unidas, quer em numerosas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, da UNESCO, do Conselho da Europa, das Comunidades Europeias, etc. E, neste capítulo, importa recordar o papel desempenhado pela Comissão da Condição da Mulher nas Nações Unidas, designadamente ao redigir a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que é o documento internacional mais completo sobre esta matéria.
Em Portugal, os direitos da mulher estão, por igual, amplamente salvaguardados. O movimento no sentido da absoluta equiparação dos sexos acelerou, sobretudo a partir da Revolução de 25 de Abril, adquiriu dignidade constitucional com a Constituição de 1976 e, actualmente, pode afirmar-se que, pelo que respeita aos textos legais, o princípio da não discriminação em função do sexo é uma realidade entre nós. A primeira e a segunda vertentes do triplico de René Cassin não têm, por isso, em Portugal, qualquer falha...
No entanto, a realidade mostra também que as mulheres continuam a ser discriminadas em Portugal. Uma vez mais a terceira vertente do triplico - as medidas práticas de protecção - não corresponde aos princípios jurídicos consagrados nas outras duas partes.
Referir-me-ei a dois aspectos reais desta discriminação. O primeiro diz respeito ao acesso ao emprego, no qual se verifica uma discriminação sub-reptícia, latente, de que o caso mais paradigmático foi o de um importante banco que claramente pretere, ou preteriu, mulheres no acto de admissão.
Como combater esta atitude?
Antes de mais, através da pedagogia. Em Portugal, a posição discriminatória em relação à mulher é, em larga medida, um epifenómeno de uma cultura machista, marialvista, fundada numa suposta superioridade do homem em relação à mulher - à qual competiria, como função, ficar em casa e ter filhos ou então diverti-lo em noites de boémia.
A pouco e pouco estes resquícios culturais de um passado recente vão desaparecendo. Quando as mulheres começam a ser vistas com frequência nos tribunais - como juízas, delegadas do Ministério Público e advogadas -, na diplomacia, como agentes de autoridade, nas forcas armadas e noutras funções, ocupando cargos, muitas vezes, dominantes em relação aos homens, mesmo os mais castiços marialvas começam a compreender que as coisas mudaram muito desde que Malhoa pintou a Severa, penando por amor do famoso Marquês. A atitude de sobranceria machista em relação ao sexo feminino passa a ser contraproducente quando os interesses de certos homens passam a depender de decisões a tomar por mulheres que ocupam posições de destaque na vida pública.
É preciso, por isso, denunciar todos os casos de discriminação sexual, fazer compreender aos responsáveis por estas discriminações que, para além de se sujeitarem a sanções legais, poderão ser acusados na praça pública, o que lhes poderá afectar não só a imagem mas também interesses concretos.
A lei, sobretudo os Decretos-Lei n.01 392/79, de 20 de Setembro, e 426/88, de 18 de Novembro, prevê sanções para quem, em matéria laboral, praticar discriminações fundadas no sexo e dispõe também que compete aos trabalhadores, objecto da discriminação, interpor as acções necessárias para assegurarem os respectivos direitos.
Aqui reside talvez uma das causas da discriminação no acesso ao trabalho, que continua a verificar-se: é que as mulheres discriminadas não têm proposto as acções respectivas. Esta atitude só pode encorajar os prevaricadores. Neste aspecto, a pedagogia deve também dirigir-se às vítimas, aconselhando-as a reagir perante casos de discriminação, designadamente participando-as às instâncias competentes.
Outro aspecto em que se verifica discriminação em relação ao sexo é o de preenchimento dos cargos políticos. Comecemos por olhar para a nossa Casa. Sendo certo que, em Portugal, as mulheres representam um pouco mais de metade do total da população (cerca de 51,7 %) e que 52 % dos eleitores são mulheres, a verdade é que, num total de 230 Deputados, apenas 20, ou seja, menos de 10 % são mulheres. Há, portanto, uma esmagadora maioria de Deputados relativamente às Deputadas.
Nas assembleias regionais verifica-se o mesmo: na da Madeira, as mulheres representam apenas 12,2 % do total de Deputados e na dos Açores apenas 9,8 %. O mesmo acontece relativamente às presidências das câmaras municipais, em que, num total de 305, há 300 homens contra apenas 5 mulheres. E a desproporção mantém-se e até se agrava relativamente às assembleias municipais, às juntas e assembleias de freguesia.
No Conselho de Estado, entre 18 membros, não há nenhuma mulher e no Tribunal Constitucional, entre os 13 membros, surgiu, finalmente, uma mulher em 1989, a Dr.º Maria Assunção Esteves.
Porquê esta gritante desproporção na ocupação de cargos políticos?
O fenómeno radica, uma vez mais, em razões históricas e culturais. O acesso das mulheres a cargos de responsabilidade política e pública foi-lhes interdito durante séculos e só no final do século passado e princípios do século XX a situação começou lentamente a alterar-se. Em Portugal, só a partir da Constituição de 1911 as mulheres adquiriram o direito de trabalhar na função pública. A primeira mulher licenciada em Direito foi Regina Quintanilha, em 1913; e em 1935 foram eleitas as primeiras três Deputadas à Assembleia Nacional. Mas o acesso das mulheres à carreira administrativa local, à carreira diplomática e à magistratura data apenas de 1974, após a Revolução de Abril.
Verifica-se assim que enquanto os homens têm, ao longo da história, desempenhado, praticamente em exclusivo, funções políticas e públicas - e isto tanto em Por-