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10 DE MARÇO DE 1993 1623

questionados sobre o sentido a dar às comemorações do Dia Internacional da Mulher. Há quem defenda que este dia já só tem um significado histórico. Entendem esses que a luta multissecular contra uma das muitas formas de opressão que os poderes instituídos, ciosamente, quiseram conservar nos vários estádios da sociedade, perdem entre nós uma boa parte do seu significado.
Assim seria, de facto, se as sociedades se desenvolvessem de uma forma linear, quase matemática, silogística mesmo.
De facto, nessa óptica, seria de esperar que essa luta multissecular, que também entre nós deixou rastos em toda a nossa história literária, desde a poesia trovadoresca a Maria Lamas e António Gedeão, passando pelas obras de autores de vários séculos, em que se destacam, entre outros, Gil Vicente e Eça de Queirós, seria de esperar, dizíamos, que tivéssemos assistido já à completa emancipação da mulher.
Contudo, os factores objectivos, que condicionam o desenvolvimento das sociedades, sofrem também a influência de factores subjectivos sustentados no ser humano por aqueles mesmos factores objectivos.
Usando a síntese feliz da Legenda Dourada, de Jacques de Varagino, no homem há o corpo, o espírito e a sombra. A sombra onde os factores objectivos das sociedades, fundadas na exploração, criaram mesmo nos explorados um sentido feroz de competição que os leva, quantas vezes, à incompreensão do verdadeiro sentido da luta da mulher pela sua emancipação.
É claro que não estamos hoje naquele quadro que faria anotar a Gil Vicente as críticas dirigidas na sociedade às mulheres letradas através da velha que na farsa Quem Tem Farelos se dirige à filha nos seguintes termos: «Quem te deu tamanho bico/rostinho de Celorico?/És tu moça ou bacharel?»
Não estamos hoje naquele quadro de verdadeiro jugo da mulher na família a que ele, Gil Vicente, deu, sabiamente, voz na Sibila Cassandra do seu Auto: «Qual é a dama polida,/que a sua vida joga,/pois perde casando/sua liberdade cativando/outorgando que seja sempre vencida/desterrada em mão alheia/sempre empena,/abatida e subjugada?»
Mas a verdade é que, tantos séculos já passados, podemos assistir hoje, em todo o mundo, a retrocessos no estatuto da mulher e a ameaças de novos retrocessos.
E, em Portugal, neste final de século XX, apesar da legislação que temos, mantêm-se as discriminações, hoje já aqui bastamente referenciadas, manifestando-se mesmo em novas formas, especialmente, nascidas das condições que se vivem no mundo do trabalho.
O dia 8 de Março mantém assim um significado que não se reduz a uma mera comemoração de uma data histórica. Não pode, pois, ser menorizado qualquer debate que se realize por ocasião do Dia Internacional da Mulher. Nem o mesmo deve ser confinado, exclusivamente, às Deputadas.
Sendo a discriminação da mulher parte integrante da discriminação que afecta alguns homens, a maioria dos homens; sendo a emancipação da mulher parte integrante da democracia, qualquer reflexão feita sobre a situação das mulheres portuguesas é, necessariamente, uma reflexão sobre a realização do estado de direito democrático, que a todos, homens e mulheres, interessa.
Com os debates de hoje, a Assembleia da República contribui, a nosso ver com dignidade, para a avaliação de alguns problemas das mulheres. E é um contraponto necessário a alguns tratamentos infelizes de certos problemas que, precisamente, na véspera do próprio dia 8 de Março, nos entraram pela casa adentro, através do pequeno écran do televisor.
Há cerca de um ano o PCP apresentou, na Mesa da Assembleia da República, o projecto de lei que hoje debatemos. Nascido da ponderação de reclamações, petições, apresentadas pelo Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas relativamente às discriminações do BCP, da recomendação do então Provedor de Justiça, Dr. Mário Raposo, que saudosamente aqui recordo como Deputado, e do parecer da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego).
No entanto, o projecto de lei não se confina ao caso do BCP. Na verdade, são várias as formas de discriminação de que são afectadas as mulheres. Elas são, desde logo, patentes nas informações estatísticas do Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Relativamente ao desemprego de longa duração, pelos dados relativos ao 2.º semestre de 1992, verificamos que as mulheres, as jovens, com menos de 35 anos, são mais afectadas do que os indivíduos do sexo masculino da mesma faixa etária. Naquelas o peso dos desempregados, há mais de 12 meses, é de 65 %, enquanto naqueles é de 59%.
Mais de metade dos que, com menos de 35 anos, declaram nunca ter tido qualquer actividade são mulheres. E quanto às causas que dificultam o acesso a emprego estável, anota-se o peso, para as mulheres, da insuficiência de habilitações (18,2 % contra 10,6 % para os homens) e do afastamento da residência do local de trabalho (9,2 % para as mulheres contra 4 % para os homens). Dados significativos, nomeadamente este último, porque evidencia que o chamado trabalho de turno (o trabalho doméstico, depois da actividade profissional) continua a recair, principalmente, sobre as mulheres, que, por isso, não podem afastar-se demasiado da residência.
Revelador também de discriminações, aceites muitas vezes pela constatação de inércia, na manutenção da prática discriminatória, é o facto de apenas 3 % das mulheres contra 10 % dos homens considerarem a remuneração insuficiente como dificultando o acesso ao emprego.
A mulher está, de facto, mais disponível para aceitar uma remuneração insuficiente, o que, só por si, evidencia as práticas discriminatórias que, a todos os níveis, se desenvolvem na nossa sociedade contra ela. E os diversos níveis de discriminação envolvem, como disse o sociólogo Luís Ferreira, várias situações: anúncios discriminatórios de ofertas de emprego e políticas discriminatórias na admissão de pessoal; preterição de mulheres nas promoções e reclassificações profissionais discriminatórias; assédio sexual da mulher trabalhadora; reserva de acesso das mulheres a determinadas profissões; diminuição das retribuições e subsídios das mulheres, por via do exercício da função social da maternidade; aumentos salariais diferenciados para homens e mulheres; atribuição de classificação profissional incorrecta e discriminatória.
Todas estas situações, que não esgotam, no entanto, as infracções ao princípio da igualdade de tratamento, enquadram-se na situação geral da mulher trabalhadora portuguesa.
A taxa de actividade feminina tem subido de facto. Mas, em grande parte, à custa do trabalho clandestino, da subcontratação a prazo, do subemprego, em suma, da precarização do trabalho. A remuneração é desigual dentro da mesma função para homens e mulheres, e isto