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10 DE MARÇO DE 1993 1627

ca de mecanismos legais para esse efeito, mas sobretudo porque se reconhece que a actuação perante a justiça pode ser para essas mulheres geradora de excessivo desconforto pessoal e social e estigmatizadora no plano profissional futuro; terceiro, o conceito jurídico de discriminação é ainda fluido e, por isso, muitas das situações que nele se pretendem integrar não se subsumem facilmente ao tipo legal.
Esta é, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a musa inspiradora do projecto de lei. Ele tem por si a coerência com muitos instrumentos internacionais que nos são particularmente caros, de entre os quais vale a pena citar: os trabalhos do Comité Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres; a declaração adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 16 de Novembro de 1988; a resolução sobre políticas para acelerar a efectivação da igualdade, adoptada na 2." Conferência Ministerial Europeia sobre a Igualdade em Viena, em Julho de 1989; os trabalhos da Comissão Europeia, realizados a partir de 1984, sobre as disposições relativas aos direitos de recurso dos Estados membros baseados no artigo 119.º do Tratado CEE; a já abundante jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre a qual se ergue, pela acutilância jurídica, o Acórdão de 13 de Maio de 1986, relativo ao caso Bilka-Kaufhaus/Karin Weber Von Hartz, sobre questões respeitantes ao ónus da prova da existência de discriminação, submetidas à apreciação suprema pelo Bundesgeríchthof; enfim, o relatório da Comissão das Mulheres do Parlamento Europeu sobre o projecto de Tratado da União Europeia em matéria de direitos laborais.
No direito interno, tem do seu lado a saudavelmente prolixa, nesta matéria, Constituição da República Portuguesa; o Decreto-Lei n.º 392/79, de 20 de Setembro, já carente de reformulação; o Decreto-Lei n.º 491/85, diploma básico sobre o regime das contra-ordenações laborais.
Mas um diploma desta natureza suscita, como dissemos, perguntas cruciais. Como podem ainda subsistir formas de segregação laboral liminar em razão do sexo? Que pode levar alguém a inibir-se de demandar judicialmente outrem num Estado de direito, quando o que se pretende é a conquista de um posto de trabalho ainda não conseguido e quando, portanto, aparentemente nada há ainda a perder? Por que é difícil provar discriminação, realidade em princípio aculturada e por isso dotada de sinais exteriores evidentes?
Diz-se em abono de diplomas deste teor que legislar em matéria de discriminação laboral é alguma coisa que comporta dificuldades sui gene ri s. Sendo a discriminação a expressão aberta de um preconceito, tem ela por base uma emoção, algo, pois, de irracional e subjectivo. E é complicado interditar por normas actos que se baseiam em emoções - daí a especificidade assumida e a originalidade dos mecanismos jurídicos requeridos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Se é assim - se tudo isto é insólito e de certo modo pária face a outra parte mais humana do mundo em que vivemos e se as acções positivas pela igualdade não conseguiram combater eficazmente anomias deste teor - ocorre fazer uma pergunta provocatória: será que estamos percorrendo o caminho certo? Serão os meios legais de que nos socorremos os mais eficazes em prol da igualdade de oportunidades? Concretizando mais: valerá a pena um diploma como este ou deveremos, antes, refazer o percurso da efectivação jurídica dos direitos das mulheres por outra forma qualquer a descobrir?
A pergunta não é inédita e recebeu já respostas negativas em nome do mais veemente e teoricamente consistente feminismo. Disse-se então - e refiro Eliane Vogel-Pols, professora da Universidade Livre de Bruxelas e especialista do grupo democracia paritária do Conselho da Europa - que as acções positivas, só por si, distorcem a realidade, pois equiparam as mulheres a uma categoria sócio-profissional, o terreno por excelência de aplicação da discriminação invertida. Não é a mesma coisa ser mulher ou pertencer a um estrato social determinado, a uma raça ou a uma etnia; e a definição ontológica da pessoa humana biológica e necessariamente sexuada faz toda a diferença na definição das políticas da igualdade.
Em coerência com este raciocínio, a autora vai mais longe e sustenta uma reformulação global dos textos fundamentadores do Estado democrático, à luz da qual se evidencie a paridade entre homens e mulheres. Ou seja: pretende ela um suporte teórico que venha banir a ausência ilógica e persistente, mas sempre até hoje tolerada, da exclusão de metade do demos. Afirmou-o, com enorme brilho, no seminário Construir a igualdade, realizado em 1992 durante a presidência portuguesa. A esse seminário e à referida intervenção da autora foi dedicado o pouco eco com que em regra se brinda este tema.
A ideia fascina pelo brilho teórico e pela força do princípio de justiça que encerra. No entanto, está por demonstrar que ela não corresponda a uma nova utopia.
Do nosso ponto de vista, não corresponde totalmente a uma nova utopia -assim pode argumentar-se, acreditamos que com realismo- porque a sua transposição do plano teórico-político para a realidade prática encontra a necessária confirmação com o sentir e a prática de vida de um número crescente de mulheres preparadas nos domínios da educação e da cultura, cujo projecto de vida está inexoravelmente ligado ao imperativo de uma actividade profissional realizadora, da qual, portanto, não vão prescindir em nenhuma circunstância. Sendo assim, continuarão a transportar para a polis a sua mundividência distinta e a fomentar a desejada paridade.
Mas corresponderá essa ideia a uma utopia parcial se não houver a consciência nítida de que isto, só por si, não basta, porque a força reivindicativa das pessoas provém sempre, em maior ou menor escala, de que as objecções ao seu projecto as marginalizam, provocam fenómenos mais ou menos profundos de exclusão. A força reivindicativa das pessoas corresponde, em última análise, à consciência de uma discriminação e à rejeição da mesma através de uma luta.
A exclusão social de que hoje nos ocupamos em crescendo, marcante como é das sociedades mais desenvolvidas, não atingirá as mulheres do mesmo modo que pode atingir categorias sociais ou etnias. No plano feminino, as formas de participação e de empenhamento na construção dos objectivos gerais predominarão sempre, seja pela ligação familiar em sentido lato, seja, principalmente, pela maternidade. A trajectória da separação das responsabilidades com a educação dos filhos é hoje substituída por uma ideia crescente de partilha. Isto é verdade, mas a discriminação continua a ser insidiosa: faz-se substituir por outra separação de papéis socialmente segregadores.
Essa separação tácita de papéis, ainda pouco evidenciada, é a que resulta de tantos projectos de vida conjugal em que, perante a complexidade das solicitações profissionais, a necessidade de harmonização doméstica e fami-