1930 I SÉRIE - NÚMERO 58
era um agente do poder. Os cidadãos eram tratados com desprezo e arrogância. Muitos dos nossos concidadãos experimentavam um sentimento de inferioridade e impotência que se traduzia em atitudes de subserviência face à situação de privilégio que o uso do poder conferia ao funcionário público. O funcionário, mal pago, era também ele vítima do sistema e presa fácil do suborno, corrupção e de todas as luvas.
A 2.ª fase - montagem e consolidação da máquina administrativa marxista - teve o seu início com a Revolução de 25 de Abril de 1974, que fez renascer em Portugal a esperança do triunfo dos princípios democráticos da cultura ocidental. Mas era um puro engano! Caiu-nos em cima o espectro de uma ditadura marxista.
Aos vícios de um Estado burocrático e autocrático juntavam-se agora os de um Estado totalitário e pseudopaternalista. Tal como na obra literária premonitória de George Orwell, a Administração Pública converteu-se numa grande quinta onde se banqueteavam os marxistas, alguns de filiação tão recente e apressada que ainda ostentavam na lapela os sinais do emblema da Mocidade Portuguesa ou do crachat da PEDE. A Administração Pública transformou-se numa coutada política, onde a honestidade, competência e brio profissionais foram rotulados de «virtudes burguesas», triunfando em contrapartida a incompetência, a desonestidade e o oportunismo. Os interesses e direitos dos cidadãos foram mais uma vez vilipendiados. Os diversos departamentos da Administração Pública, quer a nível central, regional ou local, passaram a estar ao serviço dos interesses partidários, e, é bom que se frise, dos interesses dos novos donos agora denominados trabalhadores da função pública, que em massa afluíram à Administração, a qual passou, em 10 anos, de um universo de 35 000 para 500 000 funcionários, o que corresponde a um aumento de 1400%.
O alfaiate deixa o seu mister e transforma-se em oficial administrativo. A ajudante de cabeleireira é promovida a professora do ensino secundário. O arquitecto, com terrenos para urbanizar, ingressa na administração local como técnico superior. Se uns transferem o seu escritório de advogado ou de outra qualquer profissão liberal para os gabinetes da Administração Pública, outros há que, por comodidade ou conveniência, se mantêm no seu local de trabalho onde recebem, por simples transferência bancária, o vencimento de funcionário do Estado.
Esta característica perversa do novo funcionalismo permite que o mesmo técnico, qual sinadelfo, elabore o projecto, dê parecer e participe directa ou indirectamente na sua aprovação. O cidadão desejoso de resolver, a qualquer preço, os seus problemas entra no jogo, o que irá contribuir para o encarecimento de muitos produtos, nomeadamente a nível da construção civil.
O Estado paternalista, desde o automóvel ao papel higiénico, de tudo abastece os seus funcionários e a Administração Pública transforma-se numa enorme máquina de consumo, à sombra da qual nascem, como cogumelos, pequenas e médias empresas sob a tutela directa ou indirecta dos próprios agentes públicos.
No que respeita a luvas, esta fase distingue-se da anterior pelo facto de alguns trabalhadores da função pública, sobretudo a nível de quadros superiores, passarem a receber à percentagem, a qual varia de acordo com o «favor» prestado ao cidadão ou à empresa. Se pela aquisição de bens móveis recebe de 5 % a 10 %, uma adjudicação pode atingir os 40% a 50%. A nacionalização dos meios de produção e o gigantismo da Administração Pública transformaram o Estado numa poderosa máquina que ameaçava esmagar todo o cidadão que não pertencesse à coutada.
A 3.ª fase é de transição e caracteriza-se, fundamentalmente, pelo triunfo, em Julho de 1987, da democracia, radicada nos princípios fundamentais da cultura política de tradição ocidental. Caracteriza-se pela coexistência anacrónica de um governo social-democrata e de um aparelho administrativo de estrutura marxista e por uma luta surda nos bastidores do poder, onde a oposição, que domina a estrutura administrativa, tenta bloquear a acção do Governo por todos os meios: desaparecem processos, extravia-se correspondência, traficam-se influências, elaboram-se informações falaciosas, etc., etc. Persistem focos de corrupção. Nas costas do cidadão e dos governantes tudo é negociável, desde pareceres técnicos à atribuição de subsídios do Fundo Social Europeu, etc., etc. Persiste a inqualificável prática da venda de produtos, mesmo de contrabando, nos corredores da Administração Pública.
O absentismo ainda é regra. Nas horas de serviço permanecem vazios quilómetros de gabinetes, só na área de Lisboa. Se o inocente cidadão telefona, o «funcionário responsável está numa reunião importante e não pode ser interrompido». Se se desloca ao departamento, será informado que o funcionário está «em serviço externo». Se for persistente, acabará por obter a listagem dos contactos dos diversos «tachos». E o frenesim da acumulação de cargos, verdadeiro sida da Administração Pública.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A obra que o XI Governo Constitucional (1987-1991), presidido pelo Professor Cavaco Silva, conseguiu realizar, em circunstâncias tão adversas, foi um acto heróico e deve-se em grande parte a diversos factores.
Em primeiro lugar, àqueles funcionários públicos que, sofrendo as mais diversas pressões, sujeitando-se à marginalização por parte dos colegas, a vexames e quantas vezes a campanhas orquestradas pelos meios de comunicação social, cumpriram com brio os seus deveres profissionais.
Em segundo lugar, aos gabinetes de apoio constituídos por assessores, adjuntos e outro pessoal que, galvanizados pelo entusiasmo, trabalharam sem descanso e com enorme competência ao lado dos diversos membros do Governo.
A 4.ª fase, a actual, a reestruturação da Administração Pública tem as seguintes características.
O Governo, na sua qualidade de órgão de soberania responsável pelo poder executivo, assumiu perante os Portugueses o compromisso de proceder à reorganização do seu próprio aparelho administrativo, de forma a adaptá-lo às exigências de uma sociedade moderna e às regras de um Estado de direito e democrático.
Em nome dos cidadãos reformados que têm direito a uma velhice digna; em nome dos jovens que têm direito a um ensino de qualidade e a uma boa formação moral e cívica; em nome de todos os cidadãos cuja actividade é afectada pelo mau funcionamento dos serviços públicos endereçamos ao Governo todo o nosso apoio e apelamos para que a reestruturação não se fique por pequenos remendos mas que se recorra, sempre que necessário, a reputados especialistas, empresas de auditoria e outros, alheios ao sistema e se elabore um estudo científico, global, sectorial e integrado do aparelho administrativo à luz dos recentes desenvolvimentos científicos e técnicos de marketing (implementação de recursos humanos).
Tudo isto passa, naturalmente, pela coragem política da implementação da mudança, pela imprescindível e urgente descentralização administrativa, pelo prestígio e dignificação do funcionalismo público, que exige, por um lado,