2254 I SÉRIE - NÚMERO 71
bem como legislação relativa a incompatibilidades os cargos políticos e altos cargos públicos - Leis n.ºs 9/90 e 56/90.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, estabelece o princípio da exclusividade de funções no âmbito da Administração Pública e o Decreto-Lei n.º 421/89, de 7 de Setembro, que define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, regula a acumulação de diversas funções públicas, bem como a acumulação destas actividades com actividades privadas.
Posto isto, o Governo apresenta aqui esta proposta de lei, segundo o que afirma com base numa realidade que aponta para áreas de actuação que constituem «malhas» não claramente suportadas pela legislação, permitindo, deste modo, interpretações laxistas e menos rigorosas, que deixam na dúvida situações em que poderão ser levantadas questões referentes ao dever de isenção e à existência de conflitos de interesses decorrentes, não só do exercício de uma actividade mas também da confluência de interesses financeiros e patrimoniais, directos ou indirectos.
Para colmatar estas situações, o Governo propõe a presente autorização legislativa mas, no entanto, não é minimamente claro quanto ao que pretende legislar com carácter inovatório. Aliás, os esclarecimentos aqui prestados pelo Sr. Secretário de Estado apontam para que muito pouco de inovatório possa surgir nesta autorização legislativa a menos que algo mais venha a ser autorizado sem que conste da proposta de autorização legislativa. Com efeito, o Governo propõe-se precisar a regulação de matéria que, em termos genéricos, já está regulada, mas sem clarificar, como seria exigível, quais os aspectos concretos que pretende ver inovaticamente introduzidos.
Uma segunda observação prende-se com o facto de o Governo se apresentar, neste debate, como se não tivesse quaisquer responsabilidade políticas na forma como funciona a Administração Pública e como se os aspectos negativos que aí se verificam fossem exclusivamente imputáveis aos seus funcionários.
Será que, com esta atitude, o Governo pretende ocultar que as clientelas do PSD utilizam cargos públicos em benefício privado, mesmo em violação da legislação existente, como aconteceu no caso, recentemente tomado público, do governador civil de Beja?
Em nosso entender, há que combater essas situações e reforçar, evidentemente, as garantias de imparcialidade da Administração Pública. Todavia, no que se refere a esta proposta de lei de autorização legislativa, importa saber, com clareza, quais as soluções propostas pelo Governo, o que não está manifestamente explicitado com suficiente clareza nesta proposta de lei.
O Sr João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr.. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Afigura-se-nos altamente relevante a matéria em relação à qual a Câmara é hoje chamada a pronunciar-se.
Trata-se de uma proposta de lei de autorização legislativa, no sentido de habilitar o Governo a rever o sistema de garantias de Isenção e imparcialidade na Administração Púbica.
Em sentido material, podemos dizer que o Estado e outras entidades de natureza pública procuram, adentro das orientações políticas (democraticamente legitimadas), assegurar as respostas às necessidades colectivas de segurança e bem-estar dos cidadãos. Nisto se traduz, genérica e conceitualmente, a Administração Pública.
Não sendo uma actividade exclusiva do Estado moderno - face à sua complexidade -, o que é facto é que a Administração Pública tem de ser vista, entre nós, à luz do quadro constítucional e de um elementar princípio de legalidade.
Por outro lado, para assegurar o cumprimento e a boa aplicação das leis, bem como o respeito dos direitos subjectivos e legítimos interesses dos cidadãos, é fundamental um sistema de garantias dos administrados.
Trata-se, no fundo, de uma óbvia expressão e até imposição do próprio Estado de direito. Com efeito, como escreveu Marcelo Caetano, «A organização da garantia dos direitos e interesses legítimos dos particulares é, inquestionavelmente, o ponto essencial do direito administrativo: sem ela não existem relações jurídicas, porque não haverá possibilidade de obrigar a Administração a cumprir os deveres assumidos segundo a lei».
É, assim, possível assentar em que a nossa ordem jurídico-constitucional prevê, para além das garantias da legalidade (para prevenir violações do direito objectivo), as dos administrados, no sentido de obstar às ofensas dos seus direitos subjectivos ou interesses legítimos.
Posto isto, é altura de dizer que, com a iniciativa legislativa presente, o Executivo solicita à Assembleia da República que autorize a revisão do quadro de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública, quer central, quer regional e local. E isto tendo como finalidade assegurar e prevenir situações de conflito de interesses que, eventualmente, não estejam cobertas pelo regime vigente de incompatibilidades, impedimentos e suspeições.
O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública impõe aos trabalhadores da Administração Pública o dever de isenção, o qual consiste em «não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções» que exercem, já que todos os funcionários e agentes devem actuar «com independência em relação aos interesses e pressões particulares», numa óptica que é a do respeito peio princípio da igualdade.
Certo que, amo consta da exposição de motivos da proposta do Governo, os Decretos-Leis n.º 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Dezembro, contêm normas que reforçam a deontologia do serviço público, as quais apontam para a exclusividade no exercício de funções públicas e ainda para o caracter excepcional das acumulações de funções.
Por outro lado, a nossa ordem jurídica conta, hoje, com o Código do Procedimento Administrativo, diploma que prevê um sistema de impedimentos e suspeições, ao mesmo tempo que consagra o princípio/garantia da imparcialidade no exercício de funções de natureza pública.
Só que têm sido detectadas algumas lacunas que importa suprir, ao mesmo tempo que a prevenção relativamente a conflitos de interesses constitui uma responsabilidade e tarefa permanentes.
Por seu lado, a regra da transparência e a própria dignidade da actividade administrativa impõem, de direito e de facto, que seja regulado com rigor o chamado «processo para acumulação de funções», o qual, no plano da administração central, deverá depender de autorização do membro do Governo competente, precedida de proposta do «dirigente máximo do serviço». Mais: esta responsabilização deverá, do nosso ponto de vista, ser igualmente operada na administração local, em termos análogos, o que, aliás, já foi explicitado, hoje e aqui, pelo Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.