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2252 I SÉRIE - NÚMERO 71

turba qualquer cedência aos malabarismos em que a imagem da virtude não seja mais que um véu de fantasia, mesmo que andrajoso, como é o caso da proposta em debate.
O código de virtude;, morais -dita carta deontológica - para a Administração Pública é um exercício retórico que, apesar de roçar o caricato, constitui um traço perigoso de falso moralismo, o qual pretende identificar o serviço público com valores e cartilhas que fizeram felizmente a sua época e não queremos que se repitam.
Vale a pena, a este nível, reproduzir o texto lapidar deste volumezinho de conduta moral com que Cavaco Silva quer dirigir os funcionários públicos Passo a citar, ipsis verbis, um naco delicioso da exposição de motivos desta lápide da «ética» e da filosofia do serviço público

O Sr. Silva Marques (PSD): - Veremos se é delicioso se não for, terá de o corrigir.

O Orador: - Reza assim parte do referido texto:

A acentuação da importância da actividade dos funcionários públicos, porém, não pode esquecer que a tecnicidade e o racionalismo não chegam para dar resposta às exigências com que os funcionários se vêem confrontados; é também necessário que essas qualidades sejam permanentemente inspiradas pelos valores éticos do serviço público, uma vez que não basta «fazer», importa também «quem» faz e o «modo» como se faz.
Nesta perspectiva a carta deontológica do serviço público constitui a síntese dos comportamentos e pretende ser um modelo para a acção do quotidiano, sem esquecer as limitações humanas dos funcionários e o seu desejo constante de aperfeiçoamento e autodisciplina. Trata-se de um guia que, por ser moral, se coloca aos níveis mais elevados de exigência das consciências individuais, isto é, ao nível de auto-avaliação; por isso os deveres éticos ultrapassam os meros deveres jurídicos, deixando para estes as incidências disciplinares e reservando para os primeiros a censura da consciência colectiva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Grande prosa!..

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que serve este guia moral? Quem é o seu autor? A que se destina este ecrã de virtudes cívicas dos funcionários públicos, que se reporta ao exercício da legalidade, à neutralidade, à competência, à integridade, à qualidade, à isenção, à imparcialidade, à probidade, à cortesia, ao dever de informação, ao zelo, à dedicação, à lealdade, à parcimónia, à cooperação e ainda - sublinho - à informação aos superiores hierárquicos e à reserva e discrição que evite a «divulgação de factos e informações de que tenham conhecimento no exercício de funções».
Para que serve esta doutrina do bem, que pretende voar sobre os preceitos constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade e sobre a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos?

O Sr. José Magalhães (PS): -É a «rolha»!

O Orador: - Isto terá alguma coisa a ver com a velha máxima de um preceito de um tal grupo de bons filiados que certamente usariam botões de punho com insígnias, que dizia, millo tempore, que o «bom filiado ama a disciplina e respeita seus pais, chefes e superiores»?

O Sr. José Magalhães (PS): - Grande máxima!..

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou dos que entendem que o domínio da política é o do direito e que só este permite constrangimentos a que os cidadãos, funcionários públicos ou não, estão obrigados. O resto, isto é, tudo o que na moral não é direito, pertence, exclusivamente, ao foro interior e ao domínio da consciência individual.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para a cultura republicana a moral é uma questão de educação e de consciência, e a regulação do exercício democrático está consagrado nas leis

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A tentativa moralista de qualquer poder se apropriar de um registo de valores ou elaborar um catálogo de virtudes cívicas é inaceitável e suspeito num Estado democrático de direito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A pretensa vocação evangélica do poder político é sempre um embuste fácil de quem pretende iludir funções que não lhe cabem.
Mas deixemos, para já, esta nova versão da «moral, do Estado e da obediência» e passemos ao pedido de autorização legislativa n.º 46/VI. E, desde logo, anotemos como princípio doutrinário inquestionável que «a autorização legislativa deve tomar previsível e transparente para o cidadão as hipóteses em que o Governo fará uso da autorização», bem como o conteúdo - objecto, sentido, extensão e alcance - que, com fundamento na autorização, virão a ter as normas constitucionais.
Nada disto se passa! O Governo pede autorização para legislar: quer transparência, mas começa por ser obseuro.
Com efeito, a autorização legislativa, nos termos em que é formulada, não permite uma identificação precisa das soluções que se desenham, limitando-se a um enunciado genérico e pouco claro de princípios.
Ora, os princípios constitucionais, nesta matéria, têm uma matriz clara de prevalência e prossecução do interesse público, no entendimento de que os trabalhadores da Administração Pública estão exclusivamente ao serviço do interesse público e que não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo excepcionalmente, assim como a incompatibilidade entre cargos públicos e outras actividades, só são superáveis nos termos da lei.
Quanto a nós, a ideia de reforço das situações de exclusividade no exercício da função pública é, em si, ajustada sempre que corresponda a uma zona de conflito insanável entre os interesses público e privado. Pois, em nosso ver, é na transparência dos actos públicos e na adopção de regras claras de subordinação do interesse privado ao interesse público, colectivamente assumido, que se acham os. meios essenciais que evitam as tentações, de farisaísmo e de um moralismo de ecrã.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A raíz do mal neste conflito entre interesses público e privado reside na existência nebulosa de circuitos entre o público e privado, o qual favorece o ía-